No 80º andar do China World Summit Wing há um bar luxuoso com vistas para a interminável planície onde se estende Pequim. Abaixo, a sede da televisão chinesa, que Rem Koolhaas desenhou, parece ainda mais estranha e bela, na horizontal evolui a avenida do centro financeiro onde cada edifício parece mais moderno e alto que o anterior, mais à direita podem-se ver parte dos 50 quilómetros de extensão da avenida da Paz Celestial que, nas nossas costas, há-de passar ao lado da Praça de Tianamen.
Um olhar mais atento revela-nos ainda os edifícios da era de Mao que sobreviveram à modernização acelerada dos últimos 30 anos. São prédios monocórdicos, feios, padronizados, decrépitos, sinal de um tempo que a nova China se apressa a esquecer. A cada passo, espaços ocupados por guindastes anunciam novos empreendimentos.
Nesta voragem pelo que é novo e simbólico do estatuto de potência mundial que o país reclama, por pouco não se perdia a memória da velha Pequim do comércio e das formas de vida tradicionais. In extremis, as autoridades trataram de evitar que a rua Yandai, outrora lugar de vendedores de cachimbos, sucumbisse à voracidade da construção de prédios modernos que apontam para o futuro. A rua está longe de ser aquela maravilha dos bairros medievais de tantas cidades europeias, mas conserva ainda assim essa memória dos hutong, onde os pequineses moravam, produziam e vendiam os seus artefactos desde tempos imemoriais. Lá podem-se comprar hoje roupas de design, artesanato urbano, t-shirts com motivos atraentes para estrangeiros onde o “chaiman Mao” figura obrigatoriamente, ou, num acaso de sorte como me aconteceu, um Livro Vermelho em edição original com data de 1964 pela módica quantia de sete euros e meio.
Está na hora de deixar Pequim e sobra a sensação de que a capital da China já é uma das capitais mundiais do nosso tempo. Não tem a cultura ou o cosmopolitismo de Nova Iorque, a elegância de Paris nem a vibração de Londres ou de Tóquio. Mas em 30 anos mudou tanto, que a sua face actual prenuncia a dinâmica do futuro próximo.
Exceptuando a fantástica Cidade Proibida ou o lindíssimo Palácio de Verão, nada lhe resta do estatuto de capital imperial dos Ming ou dos Qing. O que sobra de Mao desaparece todos os dias à força do camartelo. Mas o que lhe falta em passado, sobra-lhe em futuro.
A brutal transformação assinalada pelas centenas de torres gigantescas e modernas, a cidade olímpica, a incessante construção de auto-estradas que a circundam e atravessam (está em construção o sexto anel da cidade, com 150 quilómetros de extensão), os seus 22 milhões de habitantes ou os cinco milhões de carros que os transportam (além de uma impressionante rede de metro que continuam a crescer) são também a prova de que a China tem pressa em superar o seu humilhante século XIX e o seu problemático século XX.
Pequim é hoje uma cidade do século XXI que continua a querer ganhar tempo. Mais do que o retrato estático do que ela é, o que a torna fascinante é o movimento que prenuncia o que há-de ser.