Estava novamente por minha conta, como desejo. O sol alivia-me de roupa desnecessária e desço até ao coração da cidade. O bairro é de moradias antigas. Poucas de bom gosto. Decrépitas, embora com árvores ou jardim. A natureza, embora desleixada, ajuda a compor a tela e dá-lhe, ate, um ar afável e familiar.
Com pequenos e propositados desvios, chego à principal rua pedonal. Quero começar com uma grande senhora.
Gonxha Agnes Bojaxhiu nasceu precisamente em Skope. A 26 de Agosto de 1910. Aos 18 foi viver para Dublin e dois meses depois partiu de barco para a Índia. O resto da história é conhecida. Trata-se de Madre Teresa de Calcutá. Quando morreu, em 1997, teve direito a funeral de Estado, como reconhecimento de toda a Índia.
A sua vida e legado foram perpetuados na principal rua do país que a viu nascer. Uma casa singular com pequena capela no andar de cima.
Avanço mais uns 200 metros entre esplanadas e singulares estátuas – a mulher moderna, os mendigos e engraxadores de sapatos são aqui homenageados – até chegar à praça central onde Alexandre, o Grande tem direito à maior e mais imponente estátua de que recordo.
Enquanto monta, vitorioso, o seu cavalo, é guardado, num plano inferior, por aguerridos soldados. E ferozes leões são testemunhas, como que em vénia.
Skopje destaca-se precisamente pelas estátuas. Pelo número e tamanho. A ordem é assoberbar.
O rio Vardar tem várias pontes pedonais neste centro. Uma que faz a transição para a zona muçulmana e duas outras que ligam a um futuro museu e suposto vindouro hotel.
Nestas duas, ainda em obras, são dezenas as figuras em bronze. Uma homenageia os heróis da história clássica, filósofos. Na outra ponte, escritores, poetas e pintores da Macedónia. Nem uma só mulher. Lá iremos…
Estou desejoso de entrar num mundo diferente. Alargo o passo para o bazar muçulmano. Esta é uma nova cidade. Aqui quem domina são os 20 por cento de albaneses muçulmanos da Macedónia. O pequeno – às vezes minúsculo – comércio prolifera e os odores dos kepabs também.
Deambulo sem coordenadas. Viro em cada rua sedutora. Prendo-me a pormenores. Troco sorrisos. Ataco um gelado e sento-me a apreciar a azáfama.
Está calor. Calções e t-shirt, o normal. Começam a passar estudantes do secundário. As jovens de lenço no cabelo e gabardina. É o traje oficial. Rostos rubros do calor. Claro.
Passo por mesquitas, esplanadas repletas de jovens a jogar uma cambiante do domino, novos e velhos a sorver o típico Cha. Fico ‘preso’ a cinquentão que toca melodioso instrumento de cordas e enquanto arrasta a voz sentimental em linguagem que desconheço.
O melhor pretexto para almoço. Sento-me a uns três metros e alimento-me também da sua música. Inesperada banda sonora em repasto preguiçoso.
Acabarei por subir a colina e deixar-me afagar pelo sol. Deito-me num dos bancos de jardim da maior das mesquitas. Passo pelas brasas e recupero o conhecimento quando sinto sombra no rosto. Miúdo de uns 10 anos curioso sobre mim. Elementares palavras de inglês. Juntamente com alguns gestos, as suficientes para comunicar. O básico.
Aproveito e visito a Mesquita. Descalço-me à entrada e deixo-me ficar no interior. Estou só. E impressionado pela simplicidade e beleza da casa de Alá.
Em 200 metros estou à porta do forte. Vista privilegiada para a cidade. Entrada está interdita a visitantes. Não me explicam bem porquê. Aprecio, do alto, o novo e vistoso estádio nacional e regresso ao centro.
Preciso saber horários dos possíveis destinos do dia seguinte. Informações não me convencem por completo. Não são tão precisas quanto desejo.
Pelo caminho encontro Maximilian. Bom inglês, 26 anos, desempregado após discussão com dono da livraria onde ganhava para os gastos.
“A verdade é que agora estou há um ano sem trabalho. Sou jovem, sem dinheiro e futuro comprometedor. As perspetivas não são as melhores”, lamenta-se. Falo-lhe de Portugal e de como estamos em situação dramaticamente semelhante.
Pergunto-lhe sobre a relação com os albaneses. “São o pior povo do mundo. Estão sempre a protestar, reivindicar. Com ou sem razão. Cá têm mesmo mais direitos do que nós. Somos muito benevolentes. Se puderem, acontece o mesmo que no Kosovo”.
Tem de seguir viagem. O meu tema enrijeceu o seu humor. Cordialmente, deseja-me boas férias e insiste que ainda não entendeu a minha passagem pela Macedónia em lazer.
Regresso ao centro pelo caminho junto ao poluído rio. Boquiaberto com as estátuas. Sento-me a apreciar o dia. É hora de me juntar a Zoya e Toru para o jantar de despedida do japonês…
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Rui Barbosa Batista relata no blogue Correr Mundo a sua viagem por Itália, Macedónia, Kosovo, Albânia e Grécia. No site www.bornfreee.com pode aceder a outros relatos e imagens sobre a viagem.