Não há talento, há touros

lobo

Porque hoje é domingo

António Lobo Antunes ri-se e diz: “Se fosses um leitor, o que perguntarias a Juan Marsé?” – está sentado ao lado do escritor catalão Prémio Cervantes, na Livraria Leya na Buchholz, em Lisboa. “Se eu fosse um leitor, perguntaria por que diabo não escreves um best-seller para ficares milionário de uma vez por todas? [risos] Não tenho resposta para isso. Posso fazer-te uma pergunta?”, contrapõe Marsé na conversa entre os dois amigos, a propósito do lançamento de Caligrafia dos Sonhos (ed. Dom Quixote), o romance de Marsé que tem um prefácio do escritor português.”Nos livros consegues pôr em marcha tantas vozes, tão maravilhosas e tão poéticas, como o fazes?”

Quando Juan Marsé lê Lobo Antunes, tem a sensação de que aquilo lhe sai, como aos poetas, que há ali inspiração ou algo assim. O autor de Comissão das Lágrimas (ed. Dom Quixote) desmonta a teoria: “Não há talento, há touros.” Confessa que o início de cada capítulo é para ele sempre o mais complicado e há dias em que o escritor português compreende bem o significado as palavras do grande toureiro espanhol: “O que não se pode não se pode e, às vezes, é impossível.” Também ao autor de Rabos de Lagartixa (ed. Dom Quixote) custa muito trabalhar. Quando consegue salvar um par de linhas, já se dá por satisfeito. No início nunca sabe se dali vai sair um conto ou um romance com 300 páginas.

“Às vezes, a frase que tenho em mãos diz o que quero dizer mas acaba por não ser a frase certa: tem de ter um chilreio. Podem passar-se meses e eu sei que aquela frase não está bem. Contaste o que havia a contar mas acaba por não ter vida. Às vezes é um pequeno detalhe, uma pequena matiz”, explica o espanhol.

Juan Marsé não maneja teorias e nunca sabe responder porque fez assim ou assado. “Uma vez perguntaram-me no México, e esta pergunta durante uma época era inevitável: ‘Você é mais partidário do fundo [conteúdo] ou da forma? Do que conta ou da forma como conta?’ Eu nunca sabia responder.” Um dia estava a dar uma entrevista, que não estava a ser transmitida em directo, e colocaram-lhe essa questão. Respondeu: “Sou partidário do fundo” e desenvolveu uma longa teoria de como é necessário ter uma boa história para contar e de que um livro com uma má história não interessa para nada.

Quando o escritor já se estava a ir embora, vieram chamá-lo a correr para avisar que tinha havido um problema com o áudio e tinham de tornar a gravar a entrevista. “Repetiram as mesmas perguntas e lá chegou aquela pergunta a que respondi: ‘Sou partidário da forma.’ Notei que a entrevistadora estava a olhar para mim com um ar um pouco pasmado. Tranquilamente desenvolvi uma teoria que era tão boa ou ainda melhor do que a anterior. A história é importante mas se não a contas bem não te serve para nada…” “E tu Lobo Antunes, és partidário da forma ou do fundo?”, vira-se o escritor catalão para o português e ouvem-se por toda a sala gargalhadas.

(Crónica publicada na revista 2, no dia 10 de Junho de 2012)

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