(Fotografia de Fernando Baptista)
A ex-refém das FARC Ingrid Betancourt foi à Feira de Frankfurt promover “Não Há Silêncio Que Não Termine” Por Isabel Coutinho, em Frankfurt
Ingrid Betancourt acredita em Deus. Nos anos que passou em cativeiro, raptada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), aquela que foi candidata à Presidência possuía uma Bíblia e rezava pela liberdade.
Agora que vive em liberdade e acaba de lançar mundialmente o livro “Não Há Silêncio Que Não Termine”, que será publicado em Portugal no próximo ano pela Objectiva, dá graças por tudo: pelo que tem, pelo passado e pelo que há-de vir. “É uma oração muito simples”, disse ontem na Feira do Livro de Frankfurt.
O livro foi escrito em francês, apesar de ela ter sofrido todas as humilhações em língua espanhola. Não foi uma escolha consciente: quando se encontrou face à folha em branco foi em francês que lhe saiu o relato.
“No princípio achei que era porque fiz todos os estudos em francês. Mas hoje penso que era a única maneira de conseguir ter distância em relação ao que vivi”, explicou com um ar calmo e delicado, vestida de preto e branco, colar de pérolas e cabelo esticado.
“Quando perdemos a liberdade, perdemos a possibilidade de fazer escolhas. Podemos perder a sensação do que somos porque somos as nossas escolhas”, disse a autora, que falou de distância mas acredita que era ainda mais do que isso. “Quando somos submetidos a tratamentos degradantes, na nossa cabeça, psicologicamente, pode haver a tentação de dizer que quem nos está a denegrir tem o direito de o fazer. A linha é muito subtil, porque quem está à nossa frente tem armas e fomos educados a pensar que quem tem armas é a autoridade”, explica.
“É muito importante dizermos a nós próprios, todos os dias, que não somos prisioneiros: somos reféns. Aqueles que nos têm reféns não têm o direito de o fazer. É um problema de dignidade humana, de não se perder face aos abusos do outro.”
Demorou mais tempo do que os seus companheiros de cativeiro a romper o silêncio sobre o que se tinha passado. Ontem, contou que quando foi libertada encontrou o seu antigo editor e ele lhe disse que tinha de escrever um livro rapidamente, antes que as pessoas se esquecessem. Queria que ela o fizesse com a ajuda de um co-autor. Ingrid recusou e deixou de o querer como editor. “Precisava de tempo para reflectir e ter perspectiva sobre o que tinha vivido.” Betancourt considera “natural” o retrato pouco abonatório que os companheiros de cativeiro fizeram dela.
“Creio que na selva vivemos situações extremas e tivemos momentos em que agimos bem e outros em que não. Não fomos os heróis que queríamos ser. Mas acredito que fomos o melhor que poderíamos ter sido”, diz.
Foram obrigados a viver com pessoas que não conheciam, sem o ter escolhido, num espaço exíguo. As FARC queriam pôr os prisioneiros uns contra os outros, para melhor controlar o grupo, pois tinham medo que se unissem para escapar.
É fácil criticar os outros e por isso com este livro, que lhe custou muito a escrever todos os dias chorava, transpirava, revivia tudo outra vez, Ingrid Betancourt quis abrir um espaço para que cada leitor colocasse a si próprio a questão: “E eu? Que teria feito na mesma situação?”
(artigo publicado no jornal PÚBLICO no dia 10 de Outubro de 2010)