Ciberescritas
Isabel.Coutinho@publico.pt
“A gente dá-se bem porque não se leva a sério!” dizia Alexandre O’Neill para António Alçada Baptista quando este lhe perguntava qual a razão de tão bom entendimento entre os dois. Quem contou isto foi o António Alçada numa das crónicas que durante anos publicou na revista “Máxima”. Disse também que Alexandre, à mesa de um café, era um espanto. “Era um prazer acompanhá-lo e ouvir a sua conversa que lhe saía naturalmente de forma lapidar mas com o humor sempre presente.” Quase que podíamos pegar nas palavras do autor do romance “Os Nós e os Laços” e dizer o mesmo dele.
Há semanas, numa homenagem ao escritor, Mário Soares contava que se “pelava” por convidar Alçada para ir jantar a sua casa e ficar pela noite a ouvir as suas histórias. Nesse evento em que o ex-Presidente da República participou, o Centro de Documentação da Fundação Oriente, em funcionamento no Museu do Oriente, recebeu o nome António Alçada Baptista e foi lançado o “site” sobre a sua vida e obra é aí que se pode ler, entre outras, a crónica em que recordava O’Neill.
O “site” foi desenvolvido pelo Centro Nacional de Cultura, de que fez parte da direcção, e o mote para a sua criação foi a frase do escritor: “Quando a gente anda metida com a vida como eu andei, acaba por ter nos braços uma multidão de coisas, de acontecimentos e emoções…” No “site” podemos fazer um percurso pela sua vida (entre outras coisas: aos 36 anos fundou a revista “O Tempo e o Modo” e foi o primeiro presidente do Instituto Português do Livro), ver referências à obra publicada, saber dos locais onde trabalhou, dos seus principais projectos e ainda ler depoimentos dos seus amigos. Por exemplo, Pedro Tamen recorda os tempos da editora Moraes e a colecção de poesia e João Bénard da Costa é citado sobre “O Tempo e o Modo”.
Numa das crónicas que se podem reler em PDF neste “site”, Alçada falava sobre o valor das coisas e explicava que na vida só lhe roubaram duas coisas importantes: um relógio de ouro e uma folha com uma dedicatória. “Eu tenho uma espécie de tara pelas memórias e confissões do Nelson Rodrigues. Tinha os livros todos dele mas um deles, ‘A Cabra Vadia’ estava esgotado há muito e demoravam a fazer uma edição nova”.
E contava que numa visita ao escritor brasileiro no Rio de Janeiro pediu ao amigo para lhe arranjar um exemplar desse livro. Nelson deu-lhe um, já amachucado e com a capa rasgada, e escreveu uma dedicatória na primeira página. Esse livro foi “promovido a preciosidade” na biblioteca de Alçada mas um dia a folha com a dedicatória desapareceu. “O valor das coisas não vem do que custam na praça mas tem mais que ver com a maneira como estão ligadas ao nosso coração”, concluía o escritor que achava que tinha enchido a sua vida de amigos e que fora com eles que tecera o seu tempo. Sigamos o seu exemplo e não deixemos que a vida nos passe ao lado.
António Alçada Baptista
http://www.antonioalcadabaptista.org/
(crónica publicada no suplemento Ípsilon, do jornal PÚBLICO, no dia 31 de Dezembro de 2009)
Escritor com profunda ligação com o Brasil.Está a merecer cá,no Brasil,novas reedicções.