Os mercadores de simpatias

Por João Paulo Batalha, membro da Direção da TIAC

Face à notícia do Público de que tinha lucrado 150% na transação de ações do BPN, a preços fixados (na compra e na venda) por Oliveira e Costa, o ministro Rui Machete veio prontamente defender a sua honra, atestando que nada fez de ilegal e que tem uma conduta “isenta de crítica”. É certo que a compra e venda de ações do BPN, e as mais-valias de Midas que o negócio lhe valeu, estão perfeitamente dentro da lei, mesmo que estejam fora do senso.

Portugal tem um problema de corrupção legal e de garotice ética. O secretário de Estado Pedro Lomba demonstrou-o, no caricato briefing aos jornalistas em que comentou o caso Rui Machete: ele não fez nada de ilegal, assunto encerrado. É este o padrão ético do Governo: desde que não se seja bandido, pode ser-se bandalho. Tudo o que não dê cadeia é admissível e serenamente aceite. Neste clima, mal de quem espera mais. Porque fazer perguntas é revelar “uma certa podridão dos hábitos políticos” – que de facto não andam salubres por estes tempos.

Temos tendência a achar que o problema da corrupção em Portugal é culpa desse núcleo duro da ladroagem, das máfias organizadas que se empanturram com o Orçamento do Estado e lucram com o estrangulamento da economia e o empobrecimento contínuo dos portugueses. Fosse tão simples! É que, em torno desse núcleo duro (na verdade, muito reduzido) de autênticos corruptos há um exército incontável de cúmplices, de silêncios comprometidos e ombros encolhidos, que ao mesmo tempo autoriza e acoberta o mau governo e a corrupção. Gente que não rouba mas deixa roubar.

Esta gente é o nosso primeiro problema. Porque antes de conseguirmos chegar ao núcleo duro da corrupção temos de atravessar as margens larguíssimas destes comprometidos. Seguramente não é por acaso que em torno de cada fraude – e foi isso que o BPN foi, desde a génese – encontramos sempre uma falange de homens respeitáveis, boas reputações, altas individualidades. O apoio de jurisconsultos insignes, homens de Estado, notáveis da Pátria é o seguro que organizações como o BPN compram para se proteger de dúvidas e de investigações. Trata-se de comprar simpatias, reunir apoios, amortecer suspeitas.

Não é seguramente por acaso que notáveis políticos como Machete ou Cavaco Silva tiveram a oportunidade, que lhes foi dada por convite, de lucrarem mais de 100% na compra e venda de ações do BPN, cujo buraco nos compete agora a nós tapar. Como não é seguramente por acaso que Paulo Portas tinha salário chorudo e Jaguar de oferta por ser diretor do centro de sondagens da Universidade Moderna (outro caso exemplar de fraude e corrupção). Tudo legal, sem dúvida.

Nem a Cavaco, nem a Machete nem a Portas se pode apontar violação à lei. Pode apontar-se, sim, extraordinário mau juízo. Mas isso acontece. Serão azares. Pessoas boas que confiaram em pessoas más, tudo normal. Não é de espantar a quantidade de criminosos que têm amigos bem colocados, nem a quantidade de políticos que têm amigos mal colocados. São coisas da vida.

Num país onde a alta criminalidade compra a simpatia das figuras de proa do regime com Jaguares ou ações a preço de amigo, Cavaco, Machete e Portas são senadores da República. Diz-se que quando a esmola é muita, o pobre desconfia. Estes pobres não desconfiaram. Foram, no mínimo ingénuos, no máximo cúmplices. Chegados aqui nem vale a pena discutir mais. Cúmplice ou ingénuo, nem um nem outro nos serve.

Este artigo foi originalmente publicado na edição de 7 de agosto de 2013 do jornal Público

8 comentários a Os mercadores de simpatias

  1. Realmente se conseguirmos com sucesso alertar um conhecido para a importancia de votar com cabeça nas proximas eleiçoes já ganhamos o dia.No meu municipio lista vencedora por maioria absoluta!! teve 19% dos votos; sem menos de 1/4 mas a culpa foi dos infelizes 63% que acharam que não adianta ir votar, e que continuamos a ver e ler ser defendido por “esclrecidos” opinadores. Se todos menos um forem votar continuam a ter a maiora absoluta, pensem nisso antes de irem para ocafé.

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  2. Pingback: Os Mercadores de Simpatias | Encontros de DD /Democracia Direta

  3. Par além das leis, devem existir regras de acesso a cargos públicos, paralelas às que constam nos contratos de trabalho privados. Pessoalmente não as conheço, mas talvez não fosse inútil que essa regras fossem tornadas públicas. E que fossem lembradas na hora do provimento dos cargos públicos.

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  4. Sinceramente estou a ficar cansado de tanto lodo nauseabundo, principalmente pela passividade de uma esmagadora quantidade de Povo que vive ao lado destes casos, e são tantos e tão dispendiosos para o magro bolso e miséria de tanta gente. A minha desilusão é não saber como lutar contra essa passividade, sou reformado do privado por enquanto não me tocam nos 475€ , até quando, mas reparo nos FP, quais? Militares, Politicos, e alguns mais (depende do medo) não são Funcionários Públicos? Já sei são os intocáveis.

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  5. Imoralidade.
    Sabemos hoje que eram ficção. Ora sendo inexistentes, está agora o contribuinte a cobrir o buraco. A única atitude séria de Cavaco Silva, Rui Machete e outros que lucraram com compra/venda das acções, seria devolver esse lucro, caso contrário o Senhor Presidente da República e o Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros ao manter esses lucros à custa do corte de rendimentos dos pobres, não merecem respeito…

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    • Estou 100% de acordo e sinceramente tenha cada vez menos paciência para quem não consegue perceber o que se está a passar, tendo conhecimento dos factos.

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