Rio+20, corrupção e compromissos

Por Luís Bernardo, investigador convidado do Sistema Nacional de Integridade e membro da TIAC

As reacções à cimeira Rio+20 têm sido mistas. Por um lado, a sua organização contou, pela primeira vez na história das conferências da ONU, com a participação alargada da sociedade civil, especialmente das ONG. Por outro, os resultados ficaram, como sempre, aquém das expectativas. O documento final, intitulado “The Future We Want” parece vago, não contém compromissos suficientemente concretos e manifesta uma falta de imaginação política que aflige as vozes mais críticas. Três problemas que parecem inerentes a cimeiras do género (vide o caso de Copenhaga). A sociedade civil reunida na Cúpula dos Povos reagiu sem hesitações e rejeitou os resultados. Contudo, a cimeira não foi um fracasso. Longe disso: tal como Frances G. Beinecke, do Natural Resources Defense Council, e Trip van Noppen, da Earthjustice, afirmaram num op-ed do New York Times,  “Podemos fazê-lo nós mesmos. (…)  Colectivamente, devemos forçar os nossos governos e as nossas empresas a fazer o que é melhor para o planeta e respectivos recursos. (…) E devemos responsabilizá-los, quando não o fizerem.” E, acrescentamos, a promoção da transparência e o apoio ao combate à corrupção fazem parte integrante deste processo.

A corrupção figura num único ponto, o .266, ao passo que transparência e accountability surgem dispersas. A integridade, no sentido semântico que nos preocupa aqui, foi esquecida. A participação cívica e o co-governo, dois ideais republicanos e participativos, surgem como panaceias para problemas de governança que não são facilmente solucionáveis por meio de visões estreitas e soluções chave-na-mão. Apesar do esforço de abertura da ONU, os problemas de governo partilhado, em especial no mundo multilateral, continuam a não ter solução. E a construção de instituições transparentes, íntegras e com capacidade de resposta, condição necessária a uma resposta integrada ao problema das alterações climáticas, depende de compromissos que países como Portugal ainda não parecem dispostos a assumir. A título de exemplo, Portugal é um dos poucos países da Europa Ocidental que ainda não assumiu o compromisso de aderir à iniciativa Open Government Partnership, que pretende incrementar a participação democrática e a transparência das instituições públicas – uma forma possível de enfrentar a crise de legitimidade enfrentada pelas democracias de mercado, especialmente na Europa do Sul. Depois da Rio+20, o Governo português deve assumir compromissos e mostrar que o fim último das políticas públicas é a promoção de uma sociedade bem-sucedida. A promoção da transparência e da participação cívica é, sem dúvida, uma dessas políticas públicas.

Tal como as alterações climáticas, o combate à corrupção e a promoção da transparência dependem de uma visão sistémica e holística – o documento final da Rio+20 não indica uma evolução nesse sentido. O nosso país é signatário de um número interminável de tratados e convenções, mas a participação da sociedade civil na produção de políticas públicas continua a ser um verbo de encher na boca de decisores. Num país onde as organizações estão, finalmente, a acordar para os problemas do governo partilhado e para a necessidade de construir uma comunidade política digna do nome, cimeiras como a Rio+20 devem sugerir um caminho, de ligação a parceiros (organizacionais e individuais) e mobilização. Esperemos que seja esse o caminho.

Deixar um comentário

O seu email nunca será publicado ou partilhado.Os campos obrigatórios estão assinalados *

Podes usar estas tags e atributos de HTML:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>