Por Luís de Sousa, Presidente da TIAC
Todos o conhecemos, numa ou noutra encarnação, com um ou outro cambiante: é carismático, expedito e desembaraçado. É um homem simpático, de trato fácil, rápido a fazer amigos e feroz na defesa dos “seus”. Ao cidadão médio, aparece muitas vezes como um aliado – ou, pelo menos, como alguém de quem queremos ser próximos, alguém que, acreditamos (ou queremos acreditar), saberá olhar por nós.
Na verdade, este protetor é bem mais do que “um tipo porreiro”. É o resultado de uma transformação, verificada ao longo de anos, na relação, hoje cada vez mais promíscua, entre as esferas pública e privada. É o resultado da dinâmica cartelizada de um sistema democrático com pouca ou nenhuma renovação política. Na verdade, este chefe populista e bem relacionado é o paradigma de uma nova estirpe de políticos: o “político de negócios”.
O “político de negócios” está no centro da corrupção política dos nossos dias. Trata-se de um indivíduo hábil que se move entre as veredas do palácio do poder e o mundo empresarial com enorme apoio e proteção política; percecionando o interesse público como o interesse de um “clã” e os recursos públicos como privilégio pessoal ou familiar; distribuindo benefícios discricionariamente com base na lealdade e serviço prestado ou para comprar silêncio (sem subestimar o papel da intimidação); recolhendo “comissões” para os seus protetores e “donativos” para o seu partido; compensando o seu baixo capital profissional próprio com a audácia de desafiar a lei sempre que o valor partidário fale mais alto; e consciente de que “os seus” nunca o deixarão cair.
São, regra geral, indivíduos com uma personalidade forte e, tal como Janus, pequenos deuses intocáveis com duas faces: uma esculpida pela sua arrogância, exibicionismo e audácia; outra pela sua capacidade empreendedora, inovadora e adaptativa.
Para este género de políticos, o reconhecimento é de ordem clandestina e de natureza económica. A sua principal função é a de mediação entre os diversos participantes no pacto de corrupção, quer se trate de criar contactos ou de facilitar as negociações entre as partes (duas ou mais) implicadas nessa troca oculta. Os principais recursos consistem em conhecimentos e informações ‘reservadas’ que são assim recolhidas e transacionadas nos mercados ilícitos.
Parte da impopularidade dos partidos políticos nos últimos tempos, sobretudo os do arco do governo, deve-se à má publicidade dos escândalos de corrupção associados a estas figuras que entram na vida partidária com uma lógica de vassalagem: servir-se do poder conferido para enriquecimento pessoal próprio e do seu partido. As receitas conseguidas para o partido, ou mais concretamente, para o seu protetor dentro do partido, são compensadas com cargos de nomeação política em posições estratégicas, que possam ser posteriormente rentabilizadas.
Infelizmente, a multiplicação e o sucesso dos políticos de negócios não nos deixa acreditar que estes sejam casos isolados de umas quantas “maçãs podres”. As poucas tentativas de limpar a casa por parte dos partidos políticos nos últimos anos deixaram a impressão de que as lideranças partidárias reagem demasiado tarde e de forma demasiado tímida, em resposta a pressões da opinião pública e não em obediência a uma vontade clara de mudar de rumo. As poucas tentativas sérias de mudar a narrativa política que dá origem a estes protagonistas (e houve algumas, ao longo dos anos) ficaram esquecidas nos anais das ideias bem intencionadas, que não saíram do papel.
Resta a última linha de defesa: o eleitor. Quando tudo o resto falha, quando o sistema político desvaloriza a integridade, quando os líderes públicos voltam as costas à ética, quando a justiça é ineficaz cabe ao cidadão tomar a última atitude de exigência, de respeito pelas instituições, de proteção da democracia. Quem nos dera a nós, cidadãos, podermos dizer que, pelo menos nesse último reduto de integridade democrática, cumprimos o nosso dever.
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Eu, neste teu texto muito bem feito, só mudava “sobretudo os do arco do governo” para “sobretudo os do arco dos governos”, porque isto é válido para os governos nacionais, regionais e locais; e vezes demais se polariza a corrupção e os “polítcos de negócios” como coisa somente real no plano nacional e a maior fatia de poder está a nível local, seja nos municípios seja nas concelhias partidárias.