Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

20 de Setembro de 2017, 22:00

Por

É possível ambicionar mais

As notícias na frente económica têm sido excelentes, uma espécie de ciclo virtuoso: crescimento económico ao nível mais elevado dos últimos 17 anos; subida significativa do emprego e baixa na taxa de desemprego muito superior à prevista; bom desempenho das contas externas; muito boas perspectivas para o défice público de 2017; queda das taxas de juro da dívida pública portuguesa; subida do rating da República pela S&P de “lixo” para a classe de investimento.

Os ventos parecem soprar de feição ao Governo que, no entanto, aparenta ter ficado desiludido com uma decisão expectável do Eurostat: o défice público irá ser revisto em alta devido à obrigatoriedade de contabilizar a recapitalização da CGD.

A contestação social, nomeadamente de diversos sindicatos e associações de “funcionários públicos”, sobe de tom, o que também não surpreende.

A actualidade do País é já marcada pela negociação em torno do Orçamento do Estado de 2018, de modo mais vivo, justificado pela campanha eleitoral. Governo e partidos à esquerda que o suportam, trocam mensagens nos meios de comunicação social. Diversos membros do Governo defendem que não há folga orçamental e que é necessário continuar o caminho da consolidação. Os partidos à esquerda não aparentam estar satisfeitos com esta virtuosidade orçamental.

Neste artigo, descreve-se os principais resultados de um estudo[i] que procura contribuir para este debate designado “Estratégias orçamentais 2017-2021: as opções de política”, que é apresentado hoje, às 17 horas, no ISEG, em Lisboa.

O estudo revisita o “Programa de Estabilidade (PE) do Governo para 2017-2021” e apresenta uma “Variante ao Programa de Estabilidade (VPE-PE)”, com base nos seguintes pressupostos:

Primeiro, o PE 2017/21 tem subjacente uma estratégia orçamental que se afigura muito difícil de implementar e que é demasiado restritiva. Por exemplo:

Na despesa com pessoal, é estimada uma subida, em termos nominais, de 0,6% entre 2016 e 2017, e 4,9% entre 2017 e 2021. Este aumento de despesa não somente é insuficiente para descongelar as carreiras de trabalhadores em funções públicas e funcionários públicos como, sobretudo, não permite manter o poder de compra desses trabalhadores entre 2017 e 2021. Note-se que os salários brutos nominais na função pública recuperaram em 2017 o nível de 2010, mas após impostos directos e contribuições, são ainda inferiores.

Nos consumos intermédios, cerca de 70% dos quais para o sector da saúde, o aumento programado no PE, mais 3% entre 2017 e 2021, é igualmente insuficiente para fazer sequer face à inflação nesse período.

O PE prevê para 2021 um saldo orçamental positivo, de +1,3% do PIB, um saldo primário, antes da despesa com juros, de +4,9% do PIB, estimando-se nesse estudo que, de acordo com os planos do Governo, a dívida pública se situe em 110,5% do PIB nesse ano (cerca de 20 pontos percentuais abaixo do registado em 2016), no pressuposto de não serem feitas quaisquer injecções de capital público nesse período, nomeadamente na banca, o que não é fácil de garantir.

Segundo, o estudo actualiza alguns dos dados do PE (ver Tabela 1 abaixo), ao considerar o efeito orçamental da revisão em alta do crescimento económico em 2017 e de algumas variáveis orçamentais, como a taxa de juro da dívida pública ou o efeito do programa alargado de compras de activos do BCE nas receitas públicas, só parcialmente consideradas no PE.

Tabela 1. Programa de Estabilidade vs Variante ao Programa de Estabilidade proposta

Tabela 1

F: Estratégias orçamentais 2017-2021: as opções de política

Terceiro, embora a VPE mantenha os objectivos do Governo para o défice público em 2017 e 2018 (1,5% e 1,0% do PIB, respectivamente), em 2018, 2019 e 2020 propõe objectivos para o défice público ligeiramente superiores. O processo de consolidação orçamental continua, mas de forma menos restritiva que o PE.

Ou seja, procura-se tornar a política orçamental menos restritiva sobretudo entre 2019 e 2021. O objectivo é colocar a economia a crescer de forma sustentada mais rapidamente que a dívida. Mas não se pode dizer que a estratégia orçamental proposta na VPE é expansionista. O saldo primário em 2021 seria +3,6% do PIB (mesmo assim provavelmente demasiado exigente) mas o PIB em 2021 seria cerca de 5 mil milhões de euros (+2,3%) mais elevado do que no PE. E estima-se que a dívida pública em percentagem do PIB ficaria 0,3 p.p. do PIB abaixo do Programa de Estabilidade (110,2% do PIB).

Quarto, a margem orçamental assim conseguida é utilizada para realizar mais despesa pública (incluindo investimento público) e para reduzir impostos. E é esse aumento de despesa que contribui para o crescimento da economia e das receitas de impostos e contribuições sociais, acima do previsto pelo Governo.

A estratégia orçamental proposta na VPE cumpre a regra da redução da dívida acima dos 60% do PIB em 1/20 avos em cada ano. O desafio principal é o Objectivo de Médio Prazo (OMP) que a Comissão Europeia definiu para Portugal – um saldo estrutural de +0,25% do PIB – o segundo mais elevado da União Europeia!

O OMP será revisto em 2018, de acordo com uma metodologia existente. É essencial que o Governo pugne por uma revisão do OMP, visando um saldo estrutural de -0,5% do PIB (enquanto a dívida for superior a 60% do PIB) meta exigida no Tratado Orçamental. Mesmo esse objectivo para o saldo estrutural é irrealista e exagerado, pois resulta, no longo prazo, num nível de dívida pública excessivamente baixo. Na prática estas regras fazem o “frontloading” do ajustamento orçamental, a ideia que é necessário “sofrer” primeiro a austeridade, para mais tarde beneficiar. Mas “mais tarde” pode ser tarde de mais para as actuais gerações. Por conseguinte, é melhor procurar crescer mais rapidamente do que a dívida, de forma sustentada é claro. É, aliás, o que fazem as empresas privadas.

Além de dever defender uma alteração ao OMP, o Governo deve utilizar toda a “flexibilidade” existente no Tratado Orçamental, para diminuir o nível de ajustamento estrutural em cada ano, por exemplo: contabilizando a comparticipação portuguesa em investimento com fundos estruturais e com o plano Juncker; argumentando que reduzir de forma sustentada a despesa com juros é reduzir a despesa estrutural. Note-se que  maioria dos analistas concorda que o saldo estrutural é um péssimo e impreciso indicador para orientar a política orçamental e bem fizeram os quatro ministros das finanças, incluindo o português, que voltaram a criticar o cálculo do saldo estrutural junto da Comissão Europeia.

O Governo, junto da Comissão Europeia e dos seus parceiros europeus, deve procurar rever em baixa o OMP para Portugal e reduzir o “volume” da discussão em torno da alegada necessidade de ajustamento estrutural. É possível argumentar que, com uma estratégia orçamental menos restritiva, a economia cresce mais rapidamente e a dívida pode descer de forma sustentada, mais sustentada até do que seria possível com exigências ad-hoc em relação à redução da despesa estrutural.

 

 

 

 

[i] Estudo publicado pelo IPP da autoria de Paulo Trigo Pereira, Luís Teles Morais, Joana Vicente e Ricardo Cabral.

Comentários

  1. O que este post relata é uma posição já assumida pelo seu autor, Prof. Ricardo Cabral, quase até à exaustão: menor consolidação orçamental(em suma, não é preciso ter um deficit tão baixo e por outras vias é possível baixar mais a dívida) e maior libertação de recursos para o crescimento da economia, através do consumo e do investimento. Mas a questão agora surge do interior do PS, o que tem mais força, e é subscrita por mais três economistas, conforme deu a conhecer Paulo Trigo Pereira nas páginas do PÚBLICO(páginas 6/7 da edição de 21.09.2017. A novidade é que joga, com insistência e apego, no arrefecimento do ímpeto do BE/PCP, em ordem a aceitarem uma velocidade menor na reposição de rendimentos. Veja-se bem: reposição do que se perdeu desde 2008. Aqui nada de substancial se ganha. É uma gestão da miséria, da pobreza e da precariedade social e laboral. Ainda não estamos ao nível de 2008…para lá caminhamos e o Prof. Trigo pretende que moderemos a marcha. Em nome de quê? De uma Europa pensada em abstracto que beneficia sempre o mesmo e agrava a vida de todos os outros?

    Mas, o “colete-de-forças” europeu mantem-se. Lemos o que se diz na actualidade sobre a Alemanha e os seus problemas, em vésperas do dia 24(domingo) e concluímos que os tempos, para os frágeis países europeus, nos quais se inclui Portugal, vão ser certamente ser difíceis. O QE que vai acabar, Merkel que vai orientar a subida das taxas de juro para defender os fundos de pensões alemães, que têm perdido muito dinheiro.É preciso pensar que o sistema de Segurança Social alemão tem uma forte componente do 3º. pilar, as poupanças pelos próprios beneficiários do sistema, às quais se juntam as contribuições de patrões e trabalhadores. E os fundos de pensões têm perdido muito dinheiro com esta história do desatino da inflação que não sobe porque, na verdade, o desemprego é alto, com a manutenção das baixas de taxa de juro e do QE. E isto tem muita força num país envelhecido, a Alemanha, com uma taxa de fecundidade pouco superior à portuguesa, com a agravante de incluir a maior fertilidade das famílias imigrantes, cerca de cinco milhões de habitantes. Logo, pela lógica do mais forte, Draghi deve ter os dias contados. É só aguardar algum tempo após o próximo domingo.

    Estas chamadas de atenção para o interior do PS dificilmente resultarão. Era o que faria Trigo Pereira se, porventura, fosse ministro das Finanças e não deputado?

    O principal problema de Portugal são as redes clientares dos partidos do centrão. Faça lá as contas Prof. Trigo aos rios de dinheiro que isto custa ao país. Depois, apresente as suas reformulações …Conheço o manual do Prof. Trigo e consulto-o sempre que faço uns EXERCÍCIOS de macroeconomia. É uma actividade que me diverte mas que, como temos visto, não se aproxima da realidade. A economia é uma ciência social. Veja em Sedas Nunes – onde está tudo explicado, há mais de quarenta anos. É um importante a-priori na abordagem deste assunto. Tudo mexe – Europa, Merkel, economia, empresas e trabalhadores do público e do privado.

    O que há de genuíno aqui é a sugestão, já com algum tempo de formulação, do Prof.Cabral. Déjà vu, portanto.

    1. Estive em viagem a Lisboa para participar na apresentação do estudo e só agora consegui publicar o seu primeiro comentário.

  2. Espero que o autor,que suponho ser economista,saiba porque se instituiu o défice máximo de 3 porcento e a dívida de 60 porcento do Pib.Não foi por deitar búzios ,como a maioria imagina

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