Manuel Carvalho da Silva e António Chora foram os dois sindicalistas mais influentes em Portugal nos últimos vinte anos. Ao terminarem os seus mandatos, ambos foram vítima de campanhas de difamação, geradas por rasteiros ajustes de conta, que desmerecem e atingem o grande movimento social em que se destacaram. Um porque se doutorou e dedicou ao ensino e à investigação, não reduzindo a sua actividade nem querendo ficar dependente de prebendas, o outro porque diz o que pensa, baseado na sua experiência. Agora ambos foram ou são chacinados metodicamente nos abismos anónimos das redes sociais e da intriga partidária.
António Chora começou a trabalhar numa fábrica aos 12 anos e, cinquenta anos mais tarde, reformou-se, depois de um percurso particularmente notado pela sua capacidade ímpar na mobilização dos trabalhadores da AutoEuropa. Não há nenhum outro sindicalista que trabalhou toda a vida na fábrica e que possa apresentar este sucesso. Nenhum.
Chora criou uma tradição de democracia que não tem paralelo: não há nenhuma outra grande empresa ou sindicato que consulte sempre os trabalhadores em plenário e referendo sobre os acordos que estabelece ao negociar com o patronato. Só na AutoEuropa, e isso deve-se a Chora. Só este contributo valeria pelo seu efeito histórico. Com revezes e aprendizagem: quando em 2009 a CT e Chora perderam um referendo sobre um acordo com a administração, seguiram a escolha dos trabalhadores, negociaram de novo, conseguiram mais vantagens e o novo acordo foi ratificado pelo referendo seguinte.
Sendo o sindicalismo o maior movimento social em Portugal e estando sob ataque pela estratégia da liberalização, do predomínio dos mercados e da flexibilização do trabalho, não devia deixar-se enfraquecer por escolhas estratégicas que levam a vida interna fechada às novas gerações, se desinteressa dos trabalhadores precários, está desatenta a transformações tecnológicas e sociais e é frequentemente dirigida por quadros há dezenas de anos afastados das suas empresas. Haver um sindicalista cuja história é trabalhar na sua empresa e, ao representar os trabalhadores que o elegeram, submeter sempre as suas decisões e compromissos ao veredicto da democracia, isso é uma resposta exemplar ao poder da multinacional.
Com Chora e os seus companheiros, a Comissão de Trabalhadores da AutoEuropa participou activamente no comité mundial da Volkswagen, envolveu-se sempre em todas as lutas em solidariedade com outras fábricas do grupo e mereceu o mesmo apoio quando foi necessário. Em contraste com um sindicalismo internacional amarrado a organizações paralisadas, este empenho em mobilizar os 400 mil trabalhadores da VW deu frutos.
Com Chora, a maior fábrica de Portugal participou nas greves gerais, não se desviando da responsabilidade da luta mesmo quando esta não era um sucesso e cumpria agendas diversas. Não virou a cara. Por isso, ganhou todas as eleições em que participou (na última eleição, elegeu 11 representantes contra 3 da principal lista alternativa). Conhecer bem a relação de forças é a forma de estabelecer uma posição forte em defesa dos trabalhadores, e isso deveu-se a Chora e à sua equipa.
Democracia, dirigentes na fábrica, solidariedade internacional, empenho na luta, o sindicalismo precisa disso para viver. E é bom que não se fantasie: a representação sindical está estruturalmente enfraquecida (segundo dados de 2013, a sindicalização em empresas até 10 trabalhadores é de cerca de 1%, até aos 50 é de menos de 4%, dos 50 até aos 100 anda pelos 8%, entre 250 e 500 está nos 17%, e só nas empresas de mais de 500 trabalhadores ronda os 30%) e precisa de recuperar em representatividade, em amplitude e em abertura. Desastres recentes, como a deserção de dirigentes dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo, que trocaram a defesa dos postos de trabalho pela sua própria indemnização abundante, merecem reflexão.
Em vez de caluniarem um homem que lutou por todos e que conseguiu ao longo de anos recentes das maiores vitórias do trabalho contra o capital, os sectários bem podiam lembrar-se de que uma esquerda que não tenha uma orientação unitária não serve e que um sindicalismo que não seja democrático falta aos seus.
O acordo feito pela CT foi rejeitado pelos trabalhadores. Perante esse facto, a greve pode ser interpretada como um acto de rasgar e espezinhar um acordo já anulado. Na falta de melhor designação, direi que é um sindicalismo de palermas.
Depois de ouvir e ler as declarações do Chora na comunicação social, sobre a greve decidida pelos trabalhadores da AE em plenário. Tenho muita dificuldade em compreender que alguém apareça aqui a defende-lo , é a vida.
Exacto. É a vida e a trajectória de um dos dirigentes operários mais importantes das últimas décadas que está em causa na campanha de ajuste de contas.
É lamentável que alguns dirigentes do BE se tenham demitido de defender o Chora e se tenham aproximado das posições do PCP. Agora um antigo alto quadro do BE aparece a defender o Chora. Parabéns Francisco Louça!
Espero que compreenda que este blog nem se destina a marcar posições partidárias nem a reduzir o debate a questões desse âmbito.
É verdade que Chora era um bom sindicalista, mas também é verdade o ditado que diz, “Quem não Chora, não mama” (desculpem mas a piada é irresistível).
Os tempos hoje são outros, as pessoas são outras, incluindo a administração que também é nova, e as propostas também são outras.
Não tem mal nenhum fazer um dia de greve, no meio de negociações complicadas, como acontece nas outras fábricas da Volkswagen lá fora. Os trabalhadores da Autoeuropa já demonstraram que são os mais responsáveis e os mais competentes de todo o grupo VW, e que não fazem greves “por dá cá aquela palha”.
Nada a ver com os estapafúrdios 90% de aumento em 3 anos, que 2 sindicatos dos enfermeiros da UGT estão a propor para todos os enfermeiros, com especialização ou não, sabendo que não há dinheiro para tal e com este governo a contratar novos profissionais, apoiados pela bastonária da Ordem Rita Cavaco do PSD, também conhecida como a “Raínha Herodes das maternidades inocentes”.
Daí que este enssarilhado mediático em volta da AE não passa de aproveitamento político de quem está fora da fábrica.
Desculpe, Prof., mas esqueci de referir que esta greve na Auto Europa também não tem nada a ver com a greve marcada dos juízes, uma greve que nem os próprios juízes, que são quem mais percebe de leis, sabem porque é que sendo eles um órgão de soberania, têm eles próprios direito à greve.
Há coisas do camandro, e nunca explicadas, mas que toda a gente sabe que esta greve foi marcada dias depois das eleições para prejudicar a nossa democracia.
E toda a gente sabe que quando dois poderes entram em colisão, o que tem mais armas, é quem ganha, e por isso devemos estar preparados, incluindo na requisição civil, e no limite com tanques à porta dos tribunais, até que validem as eleições (e não sem antes avisar os parceiros internacionais e as agências de notícias, do facto de termos juízes irresponsáveis, apesar de bem pagos, e que esse facto será corrigido).
Chora não precisa de paternalismo e muito menos Carvalho da Silva e, ainda menos, os trabalhadores do mundo, de Portugal e da Autoeuropa em particular. Em boa verdade o paternalismo é reacionário.
Chora está reformado. Quem está no ativo faz o que tem a fazer sem sebastianismos.
O ataque que aqui faz ao movimento sindical é injusto, mas será certamente honesto e proporcional ao desconhecimento dos méritos inacreditáveis do sindicalismo.
O sindicalismo avança no mundo e transforma as relações laborais e as vidas das sociedades no contexto da globalização.
O poder da organização patronal fundido com o poder dos Estados avança também perdendo nuns territórios e ganhando noutros onde o divisionismo de quem vive do trabalho se instala e a unidade na ação se deixa minar.
No conjunto o mundo humaniza-se e a humanidade cresce e amadurece.