Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

21 de Dezembro de 2016, 17:24

Por

A cura pode matar?

O BCE impôs ao Monte dei Paschi o prazo de 31 de Dezembro de 2016 para realizar um aumento de capital de 5 mil milhões de euros. O banco procura obter esse capital junto de investidores privados. Se não conseguir, como parece provável, o governo italiano intervirá realizando, na prática, uma injecção indirecta de capital público, de uma forma que aparentemente contorna as regras da União Bancária, dando a Comissão Europeia a entender que essa intervenção não seria considerada ajuda de Estado. O Estado italiano prepara, aliás, um pacote de 20 mil milhões de euros de resgate à banca italiana.

Os últimos dias de Dezembro passaram a ser dias perigosos. Porque quase parece que as autoridades europeias, no passado recente, aproveitaram a atenção das pessoas com as festividades de Natal, para operar grandes intervenções na banca. Este ano a atmosfera no ar é similar, sobretudo neste caso do Monte dei Paschi di Siena.  Este activismo das autoridades europeias incomoda porque é realizado de forma pouco transparente, sob a capa da necessidade de evitar pânico e corrida a bancos.

No prospecto de venda de acções para o referido aumento de capital, o Monte dei Paschi está obrigado, por lei, a informar sobre os principais riscos para o seu negócio como, aliás, ocorreu no malfadado aumento de capital do BES de Junho de 2014.

Um dos riscos que o banco refere está relacionado com um requisito de liquidez introduzido nos acordos de Basileia III relevante para os testes de stress do BCE e da Autoridade Bancária Europeia. Especificamente, segundo o Financial Times, nesse prospecto o Monte dei Paschi informa que, se ocorresse uma saída de depósitos de 10,4 mil milhões de euros ao longo de um mês, o banco só seria capaz de cumprir as suas obrigações de liquidez, para além desse prazo, se recorresse a outros instrumentos. Por exemplo, operações de cedência de liquidez não regulares do Eurosistema. Mas isso significa que o banco não cumpriria as suas obrigações regulatórias em relação a esse critério de liquidez.

Ou seja, a banca está obrigada a informar sobre o que prevê possa acontecer no futuro se o seu negócio correr muito mal (i.e., se ocorrer uma enorme fuga de depósitos). E se essa previsão sobre o que pode ocorrer no futuro for suficientemente má (falta de liquidez), o futuro ocorre hoje, de imediato, ou porque as autoridades intervêm ou porque o pânico se instala e aquilo que era um cenário sobre o futuro torna-se realidade porque os agentes acreditam que o cenário sobre o futuro vai mesmo ocorrer.

Parece, novamente, um filme de ficção científica com Tom Cruise (“Minority Report”). Com efeito, o requisito de liquidez acima referido afigura-se ser um mau instrumento de política regulatória bancária, porque não é possível prever o futuro com certeza e sobretudo porque é uma perversão do Estado de Direito Democrático, condenar no presente pessoas e empresas por “crimes” que ainda não ocorreram (o banco não ter liquidez no futuro para satisfazer as suas obrigações).

É de acompanhar com atenção o que ocorre ao Monte dei Paschi di Siena. Porque tudo indica que o Estado italiano não irá deixar que a União Bancária e as instituições europeias façam o que bem entendam com a banca italiana, expropriando-a e vendendo-a a interesses estrangeiros.

 

 

 

 

P.S.- Já depois de escrever o texto acima, o Financial Times informa esta tarde que o aumento de capital privado do Monte dei Paschi falhou, pelo que o Estado Italiano irá intervir, nacionalizando o banco, com previa acima.

P.S.S. (5.1.2017) – Corrige a palavra “Siena”.

Comentários

  1. pelo que diz mata de certeza – ou mata o sistema bancário Italiano (como matou o nosso) ou mata qualquer ilusão que alguém tinha de que há regras “europeias” para estas coisas. No segundo caso, que Ricardo augura como mais provável, fica fora de quaisquer dúvidas de que Portugal se deixa miseravelmente tratar como uma colónia para todo o serviço. Nesse caso desconfio que não serei o única que fica noutra expectativa: a da marcação de um novo desembarque no Mindelo.

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