Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

26 de Novembro de 2016, 12:21

Por

Fidel Castro

Com a morte de Fidel Castro, desaparece uma das últimas grandes figuras que marcaram o século XX. Dirigente da única revolução socialista vitoriosa no Ocidente, enfrentou o maior poder da nossa era, o de Washington, e resistiu a invasões e agressões militares, a inúmeras tentativas de assassinato, ao bloqueio permanente e a todas as pressões. Fidel sai da vida como um vencedor.

À frente de um pequeno exército guerrilheiro, de apenas cinco mil homens e mulheres (só tinha sobrevivido uma dúzia quando desembarcaram do Gramna para iniciar a luta), conquistou Havana porque o povo não tolerava mais aquela combinação de ditadura e máfia dos casinos, a subserviência e a miséria que alimentava a corte de Fulgêncio Batista. A revolução cubana tinha essas raízes na esperança de uma vida digna e é por isso que, ao contrário de outros regimes, manteve uma base popular tão expressiva e se tornou um exemplo continental.

Fidel nunca dependeu estritamente de Moscovo: tentou criar a Tricontinental para desenvolver uma acção internacionalista autónoma, desencadeou sem autorização do Kremlin a operação militar para salvar Angola da invasão sul-africana – e venceu o mais poderoso exército de África, contribuindo assim para a futura derrota do apartheid – e prosseguiu uma política latino-americana baseada na estratégia de criação de um ciclo anti-imperialista. Também é certo que, noutros casos, se submeteu a razões de conveniência (Havana, como Moscovo e Pequim, opôs-se à independência de Timor). Em qualquer caso, a sua independência reforçou a posição de Cuba.

Durante estas décadas, Cuba sofreu de tudo: um bloqueio destruidor, uma vinculação económica aos interesses da URSS que lhe impôs a monocultura do açúcar e, depois, uma transição difícil, sem petróleo e sem indústria. Sobreviveu, com grande custo, mas constituindo uma notável excepção na América Latina, com níveis de desenvolvimento distantes de outros países e com resultados notáveis, sobretudo na medicina e educação. Internamente, manteve um regime de partido único, o que se impôs sempre contra a capacidade de expressão popular e de mobilização democrática, mas, ao contrário da história trágica da URSS e da mortandade de comunistas e opositores que foi a marca de Estaline, permitiu e até estimulou formas de diversidade cultural de que são exemplo a publicação dos livros de Leonardo Padura (leu “O Homem que Gostava de Cães” ou os seus romances policiais?) ou o cinema crítico (por exemplo, “Morango e Chocolate”, de Tomas Alea em 1994, no auge do período mais difícil da economia cubana). Foi portanto uma liderança popular e marcante.

Marcelo Rebelo de Sousa, homem de direita, resumiu tudo ao dedicar a sua visita a Cuba ao esforço de conseguir um encontro com Fidel. Agora, terminou esta história que nunca absolve, mas que compreende e que luta pela memória.

Comentários

  1. Desculpe mas um ditador ainda e um ditador. Ditou a dor de muitos que se lhe opunham. Ha muita gente que gosta de mudar a historia. Os factos continuam la. As marcas nas vidas das pessoas foram evidentes. Agora o ditador nao deixou de ser ditador. Nao vamos puxar lustro a historia.

  2. Como a análise aqui efetuada, contrasta com a pompa, o luxo, a sumptuosidade, a ostentação, do banquete patrocinado pelo Presidente Marcelo – um dos últimos detentores de cargos de Estado a visitar Fidel de Castro em Havana, há precisamente um mês. Agora é vê-lo, em todos os canais da televisão, bem juntinho dos reis de Espanha(mas que reis e princesas, duques e viscondes, viscondessas e damas de honor?), da elite babada, sôfrega por esta este jantar para aparecer nas revistas da socialite, da nobreza que se pavoneia pelo Palácio dos Duques em Guimarães. Que desfaçatez! Que ignomínia! Que humilhação para os necessitados, para as camadas de pobres e miseráveis, para o “povo” que o Presidente Marcelo diz amar. Que hipocrisia! Mas que República? É esta, a do Presidente Marcelo, aplaudido por todos, gabado pela sua garbosa capacidade de lidar com o “povo”? A indecência tem limites! Mandem as tocar trompetas , abram alas para as madames que trajam luxuosamente com casacos de peles de raposa em cima dos seus ombros; deixam passar os cavalheiros com as insígnias, as medalhas, as condecorações, os casacos com abas de grilo, os smokings, e as faixas das comendas; deixem os paparazzi fotografar os casais e casalinhos, mandem vir a fadista Carminho para cantar o fado para deleite deste snobismo presente na Sala de Jantar dos Duques. Não há vergonha! Deem mais uma vez palmadinhas em cima das costas do Presidente Marcelo e digam que ele é do “povo”, e só quer mesmo o “povo”; mas não deixem de dizer que as forças reacionárias, retrógradas, conservadoras, saudosas dos banquetes da Monarquia, onde não falta o “rei” ridículo sem trono(Duarte Pio), estão de volta. Não se mascare nem branqueie a realidade, e não se diga, não se divulgue tão grande banquete com protocolo de Estado!

  3. Melhor do que Fidel, só Isabel II. Mas se colocássemos Isabel II num país da América Latina, não sei se ela se safava…
    Nem se sobreviveria a 638 tentativas de assassinato (não foram “inúmeras”, foram centenas!!!).

    É verdade que resistiu a bloqueios e ódios, e que proporcionou uma qualidade devida acima da maior parte dos países da América Latina. Mas não ficou nem vai ficar por aí.

    A assistência médica internacional e em catástrofes com doenças como o Ébola, quando países poderosos não tiveram coragem. E as intervenções pela paz, como recentemente na Colômbia, que deu origem ao Prémio Nobel da Paz ao Presidente colombiano
    Cuba é hoje uma referência e usada para isso pelos mais diversos poderes. Há liberdade religiosa total e não há pena de morte nem presos políticos há mais de 10 anos. Até eleições livres (locais e controladas) já houve.
    Mesmo no investimento estrangeiro, baixaram as exigências de empresários com longos cadastros limpos. Até os “Tecnoformas”, com um pouco mais de exigência e de esforço, podem fazer bons negócios em Cuba…

    1. Este Nuno é um prato!
      Até eleições livres (locais e controladas) já houve! Deve a dialéctica que baralhou os neurónios.
      Controladas para que os lamentáveis não votassem ou não tivessem sequer hipótese de serem eleitos?

  4. A intenção do marxismo-leninismo é a Saúde, Educação, Alimentação, Habitação, e muito mais, mas o que produz é a fome e a miséria. Os ideais devem ser avaliados não só pelas intenções, mas também pelo resultados que produzem. Para quê insistir em endireitar a sombra da vara torta?

  5. Pois sim, mas … foi um ditador. Um ditador de esquerda, do mesmo modo que outros (Pinochet, Videla, Marcos…) foram ditadores de direita.

  6. Nem uma palavra do enriquecimento escandaloso dele e da sua família, da repressão implacável da oposição dos homossexuais, dos artistas dissidentes … (com campos de concentração incluidos)
    Da natureza profundamente racista do seu regime (quantos cubanos negros tem no topo da corte de dinossauros que comanda o PCC? Zero. Num pais de maioria negra), da ausência plena de meios de comunicação livres, da proibição de sair do pais para os nacionais, do escandaloso culto da personalidade, da permanência no poder durante mais de 50 anos, etc, etc, etc…
    Fidel, tal como o seu homónimo, o também ditador Augusto Pinochet, saiu realmente vencedor: morreu rico, idolatrado (por hipócritas) e sem nunca ter pago pelos seus crimes.
    Muito lúcido da sua parte, professor Louçã. Depois de alabar um carniceiro destes pode vir cá descansadinho neste mesmo espaço reclamar da nossa democracia e falar do 25 de Abril. É por causa da hipocrisia se pessoas como o senhor que até dá vergonha uma pessoa se assumir de esquerda.

  7. O autor desta narrativa, é cego ou é a voz do dono ou as duas coisas. Certo ê que Cuba não conhece enquanto país, como demonstra ser um profundo desconhecedores da realidade económico política onde o povo foi mergulhado. Não fosse uma ilha, tinha lá ficado o Fidel com os seus 5k de fortuna acúmuladamá companhia dos crocodilos. Qual educação, qual meficina num país onde não existem livrarias nem Internet . Onde não existe um olá no de vacinação. Onde a rede de cuidados de saúde primários são do nível que encontramos na Guiné equatorial. Qual embargo, onde tudo se arranja desde que se pertenaço ao partido. Venezuela Bolívia URSS China Equador Argentina Indonésia etc, até a Dilma estava a pagar a renovação do porto de Havana. Quando se escreve sobre um povo, devemos ter por ele espeito. Coisa que o autor, na medida do elogio e da prole fácil ao ditador sanguinário, poderia ter sido escrita numa qualquer esplanada . Dos menos maus tempos do Fulfencio Baptista sobraram uma sito estrada que nunca se acabou, o hotel nacional entre muita obra que este miserável que agora nos deixa nunca foi capaz de desenvolver ou acabar em cinquenta anos. Cuba é depois do Haiti o país economicamente mais miserável da América. Cinquenta lonhoz sons de morte e tortura para todos os que desalinharam. Fala o autor dum filme, dum livro e porque em vez de ficção não fala da realidade. Dos balseros que inicialmente para ter um peixe a mesa passavam horas sentados em câmaras de ar pescando. Quando regressavam exaustos ao Malecon tinham a polícia ar espera para os levar presos. Porque não fala do bordel internacional espalhado por todos is bairros de Havana. Onde ARS miúdas se prostituir por um frasco com de shsmpoo, uns jeans. Tenho pena do quão pequeninos se tornam estes articistas de esplanada que dobre tudo escrevem e nada relatam. Fica o mérito duma escrita que podia ser erudita, e só a nao o é, porque o autor fez um ensaio cego, ausente. Consulte sempre as cicunstancias. Sao pessoas como vc que estão a destruir um jornal de referência.

  8. Antes da revolução os comunistas diziam que a desgraça de Cuba eram os negócios com os EUA. Depois da revolução a desgraça passou a ser a falta deles.

  9. «Também é certo que, noutros casos, se submeteu a razões de conveniência (Havana, como Moscovo e Pequim, opôs-se à independência de Timor). Em qualquer caso, a sua independência reforçou a posição de Cuba.» Isto parece-me contraditório: por um lado, diz que Cuba se opôs à independência de Timor; por outro, diz que Cuba beneficiou com ela. Não quer explicar melhor o que pretende dizer neste trecho?

  10. O seu texto, é o melhor texto que, até aqui, tive oportunidade de ler, como evocação de Fidel Castro.Desde logo, por ser mesmo, a penúltima grande personalidade do século XX a desaparecer.Depois dele, só resta a partida da eminência parda de Henry Kissinger para se fechar a caixa de Pandora que foi o século XX .Mas ao contrário de Kissinger, Fidel nunca se dispôs a servir uma ideologia do primado da subjugação dos povos, da exploração dos recursos das nações, da afirmação de um poder imperialista de domínio de ricos e poderosos.Depois, porque se afastou quando a carne o atraiçoou e a revolução triunfante era já uma memória e um ícone de libertação, como acabam por ser as revoluções quando desaparecem os que as protagonizaram e, com isso, logrou alcançar o seu triunfo final e o estatuto de vencedor.Por último, porque a resistência abnegada que manifestou contra o bloqueio e o isolamento a que a potência imperialista norteamericana votou o seu país e o seu povo foi o derradeiro acto de uma peça que representou como herói.

    1. “Fidel nunca se dispôs a servir uma ideologia do primado da subjugação dos povos” . Como assim ? Ai ai essas vossas religioes nao vos deixam ver nada para alem do quintal. Cuba e´ uma ditadura. Nao ha volta a dar. Mesmo partindo do principio que Fidel queria o melhor para o seu povo o que é facto é que limitou activamente liberdades fundamentais. Só por ignorancia ou desonestidade se pode ignorar tal facto. ( e atencao que ignorando esse “detalhe” eu valorizo o tipo de sociedade que o homem quiz construir)

    2. Dá vontade de regurgitar ao ler os argumentos dos fãs do regime de Fidel.
      Vangloriam os ideais, escamoteando as evidências produzidas pela cruel realidade do regime, e sempre
      culpam terceiros pelos problemas impossíveis de esconder e impostos pelo regime.

    3. Um ditador é Um ditador é Um ditador é Um ditador é Um ditador.
      Por muitas loas que lhe despejem por cima nunca passará de um ditador.

  11. Cuba e Fidel só contam no mapa-mundi porque estão a 150km da Florida. Apesar de FL ter tentado fazer uma descrição objectiva sobre o legado de Fidel, acredito que lhe escaparam alguns pontos relevantes, entre os quais saliento: (i) Fidel não foi o único a lutar contra Fulgêncio; várias outras facções contribuíram para a queda desse sistema corrupto; (ii) Fidel foi um ditador e na sequência da revolução matou milhares de opositores, entre os quais os membros das outras facções que lutaram.contra Fulgêncio; (iii) ao longo dos quase 60 anos da revolução cubana, nunca se realizaram umas eleições livres, nunca existiu oposição, nunca existiu comunicação social livre nem liberdade de expressão; (iv) a sua sucessão foi essencialmente monárquica, passando literalmente o poder para o irmão Raul.

    Em qualquer outro regime (que não vendesse puros) estas 4 situações levariam a uma condenação generalizada, revolta, enfim, letras e letras de texto de críticas indignadas. Como foi uma revolução dita “popular” todos queremos tirar uma fotografia. Até Marcelo claro. Compreendo. Não é todos os dias que morre um dos últimos dinossauros que a história se encarregará de colocar no lugar certo.

    Por último, um comentário sobre Fidel nem sempre ter alinhado com a URSS. Provavelmente porque Fidel tinha memória e viu o que aconteceu na Hungria e Checoslováquia. Mas creio que a principal razão terá sido a entrevista de Yuri Bezmenov, um agente da KGB que desertou em 1970, a Jim Quinn, sobre os “idiotas úteis” (vale mesma a pena ver; está no youtube). Fidel foi um idiota útil durante muito tempo, mas fez questao de provar que não era “útil”, que era convicto, e assim optou, tragicamente, por manter a idiotia até ao final da sua vida, sacrificando um povo e várias gerações de Cubanos.

  12. O impressionante é que enquanto vivo foi praticamente invencível. Resistiu a tudo, e ainda viu os EUA – ali mesmo ao lado, a potência global que enfrenta agora a confusão da sua própria decadência – dobrarem-se-lhe. É um exemplo extraordinário do poder humano do pensamento fundado num ideal. Da sua pequena ilha brilhou ininterruptamente como um farol para o mundo.

    Ao fim de quase sessenta anos de libertação do Gran Casino Americano, o seu povo admirável (grande amigo de Portugal) conta-se hoje como um dos mais generosos e ilustrados do mundo inteiro.

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