Como referem Eduardo Paz Ferreira, Nuno Cunha Rodrigues e Miguel Sousa Ferro, no texto de apresentação de uma conferência do IDEFF e do Instituto Europeu apropriadamente intitulada Alemanha Europeia/Europa Alemã, que decorreu a 26 de Novembro de 2014 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o escritor alemão Thomas Mann, num famoso discurso em 1953, poucos anos depois do fim da segunda guerra mundial, argumentava que o desafio que se colocava à Alemanha era saber se queria ser uma Alemanha Europeia ou criar uma Europa Alemã.
Ulrich Beck, o grande sociólogo alemão, numa das suas últimas obras, “Das Deutsche Europa” (2012) (A Europa Alemã), alertava que a Europa se estava a tornar na Europa Alemã temida por Mann e defendia um novo contrato por mais Europa, mais liberdade, mais direitos sociais, mais democracia e por uma “primavera europeia”.
Contudo, a tese do “stay the course” defendida, entre outros, pelo anterior comissário europeu finlandês Olli Rehn e por Wolfgang Schaüble, prevaleceu.
O resultado é que todo o sul da Europa se tornou, pelo menos temporariamente, mais alemão na frente externa.
Portugal, em particular, regista um desempenho externo nunca visto nos séculos de História em que existem registos (imperfeitos) das trocas comerciais com o exterior – nesta vertente da política macroeconómica do país, surge um “novo” Portugal alemão, um Portugal reconstruído “das cinzas” à imagem do modelo alemão.
Senão vejamos:

Em concreto, a balança de bens e serviços (a azul mais claro, no gráfico acima, com dados desde 1953) foi deficitária em todos os anos entre 1944 e 2011. Ora, desde 2012, a balança de bens e serviços é superavitária apresentando tendência crescente. 2016 perspectiva-se como o quinto ano consecutivo em que o país regista uma balança bens e serviços positiva (e crescente). A última vez que Portugal registou uma balança bens e serviços positiva foi entre 1941 e 1943, quando o embargo dos aliados às forças do eixo, resultou num enorme aumento do preço do tungsténio utilizado no fabrico de munições, que era exportado por Portugal.
Para se ter uma noção do que é este novo Portugal alemão e da terapia de choque a que está sujeita a economia portuguesa, nos 236 anos que antecederam este período, Portugal só registou balança de bens[1] positiva em 7 anos (incluindo os três anos de 1941 a 1943).

O ajustamento da balança de bens e serviços entre 2008 e 2015 foi gigantesco, uma melhoria de cerca de 20 mil milhões de euros, em termos nominais, 11,2% do PIB nominal. O custo deste ajustamento também foi evidente: o PIB real cai 5,7% entre o pico (2008) e o final de 2015; o PIB nominal só em 2015 atinge o nível registado em 2002; a procura interna em termos reais, (um indicador que melhor mede o nível de despesa e de vida dos portugueses) ainda não atingiu o nível atingido em 1999; a queda do nível do emprego e dos salários e a deterioração do nível de vida da generalidade da população são igualmente consequências deste ajustamento impostos pela nova Europa alemã.
O certo certo é que quando nos prometem que só temos de continuar o rumo (“stay the course”) por mais 30, 40 ou 50 anos, se esquecem de referir que já o fizemos nos últimos 17 anos e que, verdadeiramente, já chega e não faz qualquer sentido … porque, parafraseando Keynes, estaremos (quase) todos mortos, por conseguinte, “incapazes” de viver nessa terra prometida …
[1] Não tenho conhecimento da existência de estimativas sobre a evolução da balança de serviços no séculos XVIII, XIX e primeira metade do século XX.
Eu só me pergunto, Professor, qual o caminho que o País pode seguir se desejar manter um défice da balança comercial permanente. De uma forma ou de outra, seja à custa das remessas dos nossos emigrantes primeiro, seja à custa do endividamento externo, público e privado, depois, Portugal tem sustido esse défice importando capitais. Mas, como pode um País com um modelo produtivo pouco inovador e de fraco crescimento fazê-lo sem que mais tarde ou mais cedo se ressinta disso? Mesmo Países com economias inovadoras mas que mantêm fortes deficits da balança comercial, como os EUA e o RU, se ressentiram fortemente de uma crise como a de 2008, quando ocorreu o credit-crunch (e só não se ressentiram mais porque aumentaram imenso as dívidas públicas até 2010-2011)… Claro, podemos esperar que a Europa mude e se federalize sendo que as transferências orçamentais passarão a cobrir esse défice, mas alguém acredita que isto vai acontecer?
Caro Jaime Santos,
agradeço o seu comentário. A questão que coloca é muito pertinente. O facto é que para existirem países que exportam mais do que importam têm de existir outros países dispostos a importar mais do que exportam. Um pouco como a ideia que nem todos os condutores de carro podem ser “acima da média”.
Ora existem países, tipicamente potencias emergentes, que pretendem afirmar-se (e organizam a sua actividade económica) adoptando políticas mercantilistas com excedentes sistemáticos e recorrentes da balança corrente e da balança comercial. O resto do mundo está obrigado a acomodar tais estratégias económicas, importando mais do que exportam e financiando-se junto dos países exportadores.
Porque essa estratégia mercantilista me parece algo “doentia”, afigura-se-me que a melhor estratégia para o país é promover, tanto quanto possível, uma política de crescimento sustentável em termos macroeconómicos, i.e., que não conduza a défices externos excessivos. No concreto, significa organizar a actividade económica doméstica de forma a procurar crescer, sem que daí resultem défices externos excessivos. Essa é uma estratégia macroeconómica diferente da ideia generalizada de “competitividade internacional” ou do crescimento “virtuoso” com base no motor das exportações defendida por muitos economistas (sendo evidente que é importante exportar).
Professor, eu compreendo o que diz, assim como concordo igualmente com o que disse acima, a saber, que a única razão para a existência de superavits da balança comercial nos anos mais recentes se deveu a uma compressão brutal do poder de compra dos Portugueses, que teve igualmente efeitos nefastos no mercado interno. Mas, por um lado, não vejo a Alemanha sequer a reduzir o superavit da sua balança comercial, por exemplo aumentando os rendimentos da sua classe baixa e média, o que estimularia o crescimento no resto da Europa, quanto mais a consentir em maiores transferências comunitárias. Por outro lado, a única maneira de reduzir o deficit da balança comercial sem grandes efeitos no mercado interno seria desvalorizando a moeda, algo que não podemos fazer (e eu sou contra a saída do Euro, pelo menos enquanto o nosso sistema bancário continuar tão frágil, e de qualquer maneira isso é algo que tem que ser bem preparado e exige tempo, alguns anos pelo menos). Assim, não vejo nenhuma maneira de sairmos deste nó cego em que nos encontrámos a curto prazo só pelo nossos próprios meios…
Onde é que eu fiz o comentário que me cortaram?
Claro que existem estatísticas do comércio externo antes do século XX por menos exactos que sejam, o autor é que aparentemente não as conhece. E claro que a «Europa alemã» com que o autor fantasmiza não tem um comércio externo beneficiário; no conjunto da Europa, o comércio externo é equilibrado – uns países mais, outros menos – mas infelizmente Portugal tem tido praticamente sempre, antes e depois de aderir à UE e posteriormente ao Euro, uma balança comercial deficitária. O problema é de Portugal e não da Europa. Antes do 25 de Abril, o défice crónico da balança comercial era compensado e às vezes com ganho pelas remessas dos emigrantes. Finalmente, fora da emigração e do turismo, o autor não diz como era pago o défice comercial crónico. Por exemplo, não fala do papel das antigas colónias e, muito menos, no papel da dívida, como no caso da crise de 1890, etc., e ao qual pertence a actual dívida. Ou não será assim?
Caro Manuel Cabral,
agradeço o seu comentário. Eu referia-me a dados sobre a balança de serviços (sei que existem estimativas sobre a balança de bens antes do século XX, que aliás cito). Não abordo as remessas de emigrantes, nem se me afigura relevante para a questão analisada (balança de bens e serviços). A zona euro atinge excedentes externos recordes em 2015 e 2016. Por último, não é possível discutir todas as temáticas que refere num único post, nem é esse o objectivo do mesmo. Pretendia tão só chamar a atenção para a evolução da balança comercial (bens e serviços).
Claro que existem estatísticas do comércio externo antes do século XX por menos exactos que sejam, o autor é que aparentemente não as conhece. E claro que a «Europa alemã» com que o autor fantasmiza não tem um comércio externo beneficiário; no conjunto da Europa, o comércio externo é equilibrado – uns países mais, outros menos – mas infelizmente Portugal tem tido praticamente sempre, antes e depois de aderir à UE e posteriormente ao Euro, uma balança comercial deficitária. O problema é de Portugal e não da Europa. Antes do 25 de Abril, o défice crónico da balança comercial era compensado e às vezes com ganho pelas remessas dos emigrantes. Finalmente, fora da emigração e do turismo, o autor não diz como era pago o défice comercial crónico. Por exemplo, não fala do papel das antigas colónias e, muito menos, no papel da dívida, como no caso da crise de 1890, etc., e ao qual pertence a actual dívida. Ou não será assim?
Mas se a Europa alemã é a Europa dos excedentes externos – que de facto é o que sucede atualmente em quase todos os países da zona euro (a França é a unica exceçao relevante e mesmo assim o seu defice externo é de menos de 1% do PIB) – dir-se-ia que a Alemanha está a dar tiros nos seus proprios pés já que sao os defices dos outros que alimentam o excedente alemão. Talvez a Alemanha seja afinal o parceiro desinteressado que vela genuinamente pelos nossos interesses ? Afinal de contas, se o país saísse de euro, que remedio tinhamos nós senao viver com contas externas (e finanças publicas) equilibradas sob pena de termos continuamente de pedir ajuda ao FMI ?
Qual seria a razao para pedir ajuga ao FMI caso Portugal tivesse uma unidade monetaria propria e divida denominada, exclusivamente, na mesma? Ja alguma vez viu os EUA, O Reino Unido, o Japao, O Canada ou a Australia pedirem ajuda ao FMI? Paises com uma unidade monetaria propria, nominal, portanto nao convertivel a nao ser nela propria, jamais correm o risco de “default” ou bancarrota.
Portugal pagaria o petroleo, os avioes ou os automoveis que importa em escudos ?
Quanto aos paises que têm moeda propria nao falirem lembre-se do caso do default da Argentina em 2002 ou de Portugal em 1979 e 1982 que teve de pedir ajuda ao FMI para evitar o default. O que o FMI mais tem feito é resgatar paises com moeda propria. E sim tb ja socorreu o Reino Unido.
A Argentina apesar de ter moeda propria resolveu colar o valor da sua moeda ao dolar, tecnicamente a situacao nao e muito diferente da situacao que todas as moedas se encontravam aquando de Bretton Woods, “gold standard”….alem disso a Argentina contraiu divida publica e privada em dolares.
Os detalhes sao importantes, nao se pode misturar alhos com bugalhos.
O Reino unido pediu ajuda ao FMI em 1976 quando por razoes que nao interessam agora, resolveu lutar com os mercado e manter o valor da libra muito acima do valor que o mercado achou que seria o seu valor real. A situacao tem algumas semelhancas com “Black Wedenesday” mas neste caso o governo Britanico, sensatamente, resolveu abandonar o sistema de paridade monetaria europeu ou ERM….portanto a libra tanto num caso como noutro nao era uma “free floating currency”
Qual e a contribuicao relativa da contraccao das importacoes e da expansao das exportacoes para a melhoria da balanca? Eu suspeito que a melhoria e sustentada pela contraccao nao pela expansao.
Oh Rocha! Esse teclado foi importado, hein…