Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

12 de Agosto de 2016, 09:10

Por

O meu marido é tão boa pessoa, hoje nem me bateu

As reacções à decisão da Comissão Europeia de não sancionar Portugal e Espanha foram variadas e todas reveladoras.

Houve quem se regozijasse com a vitória da diplomacia portuguesa. Suponho que terá sido a maioria e ainda bem. As sanções seriam uma provocação política, uma humilhação deliberada e uma ameaça imediata. Portanto, só podemos festejar a sua eliminação (para já).

Houve quem ficasse calado, como tinha estado calado quando se discutia a ameaça, não é nada comigo, cá se fazem e cá se pagam.

Houve quem, como o PSD e o CDS, tivesse entendido que as sanções eram inevitáveis porque o actual governo não teria negociado duas décimas de classificação do Eurostat para 2015 ou não cumpriria o Orçamento para 2016, ou tudo junto, e em todo o caso é um governo mau e portanto tinha que ser chamado à pedra. Portanto, desilusão, a Comissão não teve mão no assunto.

Mas é ainda outra atitude que é a mais reveladora de como certa intelligentsia portuguesa olha para a frente. É essa curiosa mistura de alívio e de entusiasmo com a confirmação da bondade europeia: afinal, aqui está, a Europa corrige-se, vai ao sítio, ouve as pessoas, lá no fundo tem bom coração, está tudo a encaminhar-se para a grande reforma, o euro também está no início do fim da crise, a Europa vai pelo mesmo caminho. Ou, como escreve alguém na imprensa, assim se vê como o PS tem razão ao esperar a redenção de Juncker e de Merkel.

Essa atitude é um perigo. Por duas razões. A primeira é que ignora os factos. A segunda é que ignora as consequências dos factos. Ignora os factos porque este processo de sanções foi revelador de tudo o que constitui a desagregação de uma instituição: o predomínio do arbítrio (a França não, “c’est la France”), o absurdo do processo de decisão (duas reuniões da Comissão e duas do Eurogrupo para discutir isto!), a incapacidade de estabelecer prioridades e de procurar soluções, a total dependência da estratégia alemã (o telefonema de Berlim resolveu o assunto). Mas também ignora as consequências, porque pretende que não continua a haver um cerrado controlo dos procedimentos e das escolhas orçamentais nacionais, para as condicionar criando políticas recessivas e usando o pretexto para as “reformas estruturais”, como seriam a mudança de regime da segurança social e das regras da contratação dos trabalhadores. Pior, ignora que a estratégia do governo Merkel não inclui uma Europa do sul com viabilidade na União, se por viabilidade se entender capacidade de auto-governo democrático.

A posição dos euroconfortados é portanto perigosa, porque quanto mais se acentua a divergência europeia como consequência desejada das suas regras discriminatórias, mais nos pedem que “aguentemos, aguentemos”, para lembrar um célebre dito de um banqueiro. O Tratado Orçamental existe precisamente para garantir que, no percurso até 2034, Portugal estará todos os anos sujeito a multas e reprimendas, se não cumprir as determinações orçamentais de vigilantes comissários europeus. A não sairmos desse colete de forças, os próximos vinte anos da nossa vida vão ser esta farândola de sanções, até haver o governo que transija e cumpra o receituário recessivo.

Augurar que a pressão da União Europeia virá a ser aliviada é proceder exactamente como aquela vítima da violência doméstica que nos assevera que o marido até é boa pessoa, porque hoje não lhe bateu.

Comentários

  1. Venho a Portugal 2 semanas cada Agosto e tento perceber como é possível o país insistir em querer viver de cócoras sobe um abuso doméstico cada vez mais próximo da escravatura. A natureza do abuso já não é negada por ninguém, como nota Louça, nem pelo presidente da comissão “parce que c’est la France”. Cada ano percebo menos o que falta para dar-mos início ‘a revolta. Entre os imigrantes, pelo menos aqueles com quem me dou, estamos prontos.

  2. Não sei se a metáfora sugerida pelo título será a melhor. Eu ia mais para aquela do indivíduo que batia sucessivamente com a cabeça numa parede. Quando lhe perguntaram porque o fazia disse simplesmente: “vocês nem imaginam o prazer que uma pessoa tem nos intervalos!”.

  3. Por falar em mulheres e nos seus direitos… yahoo.com/sports/news/olympic-officials-to-iranian-fan-take-down-sign-or-leave-194533334.html

  4. É certo que a tutoria da UE não é nada dignificante para a Tugalhada – mas que fazer então a um bando infrene de ladrogem crónica lá no extremo ocidental da europa que capta fundos mais para alimentar clientelas que para o desenvolvimento, de chulice descarada entre a clique partidária sem interesse no bem comum nem no futuro do país, que se endivida à bruta para cobrar comissões para a boyzada de topo sobre megaobras completamente inúteis, com uma banca com prejuízos sem fim, a ferrar calotes a tudo e a todos, a incautos e ao próprio erário público?

    1. Que sejam julgados em terreno próprio, ou seja nos tribunais do estado português.E que esses crimes, praticados por uma ínfima minoria, não sejam pretexto para que poderosos governantes europeus, pretendam impor metodologias de governo, de acordo com as suas conveniências.

  5. É este o nosso problema…podemos desviar a atenção falando nas tropelias dos Secretários de Estado que aceitam ofertas de entidades privadas…mas é aqui que deve residir a nossa atenção permanente.

    Temos que ter em mente que são estes senhores que nos governam verdadeiramente – António Costa, temos de o reconhecer, não está nas decisões mais importantes.

    Devemos, então, colocar como Mínimo Garantido a democracia – não devemos permitir que o ministro das Finanças alemão opine desbragadamente sobre as nossas decisões. Deve respeitar este Governo eleito, repito eleito, embora não seja do agrado do Partido Popular Europeu. Isto deve ser o ínfimo, enquanto o menor dos minorantes. Ninguém pode ultrapassar este limite, a menos que a UE seja uma falácia, um engano, uma arteirice. Tal como deve ser abominado o comportamento indecoroso do citado político perante a crise grega. Até onde vai a arrogância deste senhor e dos restantes políticos da direita europeia?

    Devemos pugnar para que se verifique a convergência económica. O PIB português representa cerca de 75% do PIB médio europeu. A Europa tem como principal ponto fundacional a convergência económico-social. A nível nacional, porém, a iniciativa privada deve ter uma expressão que se adeque ao combate pela atenuação das desigualdades económicas e sociais. A expansão da iniciativa privada deve ter um supremo, ou seja, um limite que corresponda ao menor dos majorantes. Devemos evitar situações já ocorridas, com relevo para os desmandos na Banca.

  6. É fácil resolver o problema. Parem de pedir dinheiro emprestado. O governo que poupe. Que mostre as contas. O Tribunal de Contas que trabalhe. Exijam o dinheiro do BPN e do BES de volta (sabem onde ele está, não sabem? eu sei!). E depois prendam-nos. 3% de défice? Por amor a quem? Aqui em casa se quisesse poupar 3% num ano, conseguia fazê-lo facilmente. A minha família tem que dar lucro, nem que seja pouquinho. Um país não pode dar lucro? Só nos faltam 3% de esforço, pelos vistos. Em juros pagamos mais.

  7. – Menino Francisco, venha aqui indicar no mapa o que nos separa da Venezuela.
    O menino Francisco aponta e diz seguro: – O Oceano Atlântico Sra. Professora!
    – Muito bem!
    – Hummm….Sra. Professora, tenho dúvidas se a resposta certa não será Bruxelas – disse o Carlitos.
    – És mesmo burrinho Carlitos. – disse a Professora, rompendo a aula numa gargalhada desenfreada.

    1. Isso foi porque disseram ao Carlitos que Bruxelas anda á deriva e já estava até a inchar. Pensou então que fosse lá para os lados do Atlântico. Realmente a atitude da professora não terá sido a melhor. Não estaria vesida de amarelo? Aposto!

  8. Nenhum europeísta espera que a Europa se corrija de um dia para o outro mas sem dúvida que foi uma batalha ganha. Se a nossa situação dentro da Europa é difícil nada nos garante que fora seja melhor. Por isso mais vale teimar, estabelecer alianças, e lutar por uma Europa melhor. Conformismo é que não, seja o que diz que «a Europa é assim» como o que diz que «a Europa será sempre assim». Sair dela só no último, derradeiro, recurso.

    PS: Atenção aos «false friends»: «to pretend» não tem nada, mas mesmo nada, que ver com pretender.

    1. Gostei do seu comentário! Embora eu pense que os medíocres políticos que actualmente governam a Europa não têm consciência que poderão estar a destruí-la, sou adepto de uma Europa constituída por uma federação de estados, tipo Estados Unidos da Europa. Tudo está a ser feito para impedir tal objectivo. Compreendo e aceito que os EUA o tentem impedir. Agora que políticos europeus embarquem nisso, confesso que não compreendo.

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