Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

3 de Maio de 2016, 08:01

Por

Bicho escondido com rabo de fora, ou o TTIP a descoberto

Finalmente, podemos conhecer uma parte da negociação secretíssima entre a União Europeia e os EUA acerca de um novo tratado para as trocas comerciais e financeiras (TTIP). Os documentos reservados, 248 páginas, foram divulgadas pelo Greenpeace, mas não estão ainda completos, pois não incluem as partes sobre e-comércio, serviços financeiros, regras de origem, coerência regulamentar e recursos comerciais.

Os textos revelam negociações difíceis e não se vê como poderiam estar concluídas no final do ano, como Obama terá tentado convencer Merkel na sua visita recente à Europa.

Há duas razões principais para esta dificuldade. A primeira é que os negociadores dos Estados Unidos são muito agressivos (por exemplo, ameaçam boicotar as exportações de carros europeus para os EUA se a Europa não aceitar os alimentos transgénicos produzidos por empresas norte-americanas) mas não apresentaram propostas em alguns dos dossiers chave do tratado. Pior ainda, recusam as propostas para que as empresas da UE tenham acesso aos concursos nos mercados públicos norte-americanos, ao passo que exigem uma inversão da política europeia, aceitando que as empresas tenham a última palavra quanto a regras de saúde pública ou de protecção do consumidor. Assim, o Tratado imporia a abdicação do princípio de precaução na introdução de produtos que potencialmente afectem o ambiente, a alimentação ou outros bens. Os analistas registaram igualmente que as normas que estão a ser negociadas nada garantem sobre protecção ambiental ou sobre os objetivos de descarbonização que foram desenhados para evitar as alterações climáticas.

Talvez por essa intransigência, para já não parece haver cedência dos negociadores europeus em alguns destes dossiers que estão incluídos nestes documentos, segundo o New York Times ou o Le Monde.

Em segundo lugar, outras dificuldades acrescem a estes impasses negociais. Houve três milhões de pessoas que assinaram a petição contra este Tratado e o movimento contestatário é sobretudo forte na Alemanha. Nos EUA, Hillary Clinton tem recuado no seu apoio à iniciativa e Bernie Sanders e Donald Trump opõem-se ao Tratado.

Estará ele morto? Não precipitemos o funeral, porque o bicho mexe. A força da liberalização dos mercados não é somente uma doutrina, é uma vantagem económica imediata para as maiores multinacionais. E essas falam por governos. Será certamente uma corrida contra o tempo, mas os protagonistas desta negociação procurarão salvar o Tratado e impô-lo por cima de todas as razões.

Comentários

  1. Só não percebo uma coisa
    Porque tanto medo do livre comercio com os EUA
    quando todos os dias chegam aos portos europeus barcos do tamanho de montanhas carregados de tralha chinesa
    numa politica catastrófica para as economias europeias, principalmente de países mais pobres.
    Os chineses podem vendilhar livremente cá para depois com o dinheiro nos comprarem a LIBERDADE e os americanos não podem cá vender os Ford Mustangs ?

  2. Prova provada do crescente e temivel sindroma abstencionista patenteia-se na ausência objectiva de reacções da opinião pública lusitana ao acordo em gestação de partenariado económico entre os EUA e a União Europeia, o famigerado TIIP, em relação ao qual Durão Barroso na fase final do seu mandato em Bruxelas revelou todo o seu deprimente servilismo em face aos celerados objectivos dos yankees, o que originou um massivo e muito repercutido protesto da nata da nata dos intelectuais do Velho Continente congregados por Costa Gravas. Destaque para as análises de Bernard Marx, que sinaliza que o objectivo politico número 1 do TIIP é ” fabricar ” uma OTAN económica- presa e submissa aos lobbies e dogmas unilateralistas dos agro-industriais do Novo Continente, e erguendo um insofismável boicote ao expansionismo económico chinês, principalmente.

  3. Em boa verdade a Europa, a pretexto do chamado dia D, foi ocupada pela América e, não por acaso, mais de setenta anos depois a Europa continua a ser um continente ocupado militarmente.

    A Europa é um continente com uma história de guerras entre as suas nações e onde se cruzaram impérios ainda mal resolvidos.

    A Europa é responsável pela criação de cerca de 25% di PIB mundial e exportou cérebros para todo o mundo, mas designadamente para os EUA.

    Em nome da paz fizeram-se os acordos do carvão e do aço e ulteriormente do nuclear para controlar os fatores da guerra tudo sob a vigilância da potência ocupante, os EUA.

    Em golpes apressados multiplicaram-se Tratados redigidos e assumidos por não eleitos que desaguaram numa estrutura supranacional não eleita que procura, enxameado de tecnocratas, convencer eleitos da soberania que nunca lhes foi outorgara.

    Quase um século a construir um edifício de subjugação do continente europeu à potência ocupante, os EUA.

    Neste contexto a negociação do TTIP no secretíssimo é, para os negociadores, tão natural como o ar que respiram. Para eles o estranho é a resistência popular que se expressa contra essa negociação a partir de todos os pontos da Europa.

    Os negociadores europeus não têm a confiança dos cidadãos das nações europeias e muito menos qualquer legitimidade.

    Não haja ilusão alguma sobre o desastroso efeito do TTIP para os cidadãos das nações europeias, mas que ninguém duvide que o modo eficaz de travar essa nova peça da subordinação das nações europeias aos interesses dos EUA é a ação dos povos recorrendo às formas mais visíveis possível na denúncia da negociata e na mobilização de cada vez mais cidadãos para a travar.

    Estes documentos agora trazidos à luz do dia permitiram a objetivação de alguns efeitos maléficos do TTIP. Têm de ser trabalhados, explicitados, compreendidos e usados na mobilização dos povos das nações europeias.

    A exigência da transparência do processo negocial para todos percebermos como nos querem tramar pode ser um eixo central da mobilização. “Quem não deve não teme!” Mostrem lá o que andam a negociar para nos tramar. Queremos saber!

  4. Ninguém percebe porque a Europa não se defende deste autentico assalto de gangs americanos e encerra definitivamente a questão. Que sentido faz estabelecer contratos com Organizações e Estados orientados para a sobrexploração social ao nível dos lumpens asiáticos ? Nenhum. Pelo contrário, os seus produtos e influência devem ser barrados e banidos sob pena da própria Civilização ficar ameaçada e em retrocesso. Trump vai ganhar ( está escrito nas estrelas, por muito que a manipulação das sondagens o tentem dissimular) e o mundo vai ficar ainda mais perigoso. Será devastador para própria Europa o estertor dessa agressiva polícia global com a sua propaganda hollywodesca atascada na astronómica dívida e no pesadelo do quotidiano americano falido. Só armas e a fantasia dos filmes, mas isso é a negação de um horizonte civilizacional digno.

  5. Como é verdade tudo isto. E se há uma verdade suprema que esta ambígua negociação nos promete é a de que nenhum acordo comercial alguma vez beneficiará os cidadãos, de um e outro lado. Um acordo comercial, no estado faccioso em que se encontra o mundo, globalizado pelo interesse económico e não pelos ganhos civilizacionais, só poderá tender para uma desestabilização constante das nações, já que a globalização é parcial e não contempla nunca a globalização dos direitos, o que sugeriria que então não fossem necessárias negociações, pois o mundo seria uma única nação. Assim, dificilmente nos veremos livres do desfecho trágico que o “progresso” nos reserva, sabemos, como diz F.L. (que acredita, com alguma ingenuidade, na eficácia dos esforços em contrário) que as multinacionais não vão largar a presa, se mais não fosse porque essa é para elas uma questão de sobrevivência, a globalização do comércio foi iniciada por apelo de todos os implicados e essa disponibilidade inicial é o garante de que ela se fará, é uma questão de tempo, a menos que o capitalismo shumpeteriano tolerasse um revés do tipo social…sonhamos com certeza, que mais nos resta?

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Tópicos

Pesquisa

Arquivo