Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

1 de Março de 2016, 23:31

Por

Tranquilo, tranquilo, está tudo sempre bem …

Pacheco Pereira tem um artigo excelente no Público de sábado que nos faz recordar o fado que condena os portugueses. As coisas são más e não há nada a fazer, ou como Pacheco Pereira o coloca “Há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são”. Nesse mesmo dia, o Expresso publica uma entrevista ao Governador do Banco de Portugal que me fez lembrar a frase de Pacheco Pereira.

Das mensagens do Governador Carlos Costa, saliento duas.

A primeira é que, aparentemente, não “liga” aos custos para o erário público envolvidos nas decisões em que participa. A displicência com que apresenta os custos da venda do Novo Banco suscita fundadas dúvidas. Os custos para o erário público e para o Fundo de Resolução das sucessivas operações para recapitalizar o Novo Banco são muito superiores aos 4,9 mil milhões de euros que refere (abordarei este assunto num futuro post). Por outro lado, mesmo que tivesse razão e que as perdas do Estado com a venda do Novo Banco fossem de 2 mil milhões de euros como sugere (serão muito superiores), tal montante de perdas é inaceitável.

A segunda mensagem é que, apesar de referir que a decisão sobre o futuro do Novo Banco é uma decisão de “policy”, i.e., do Governo, insinua que a mesma não cabe ao proprietário do Novo Banco (Governo em representação do Estado Português) mas sim à Comissão Europeia (em resultado da carta de compromissos existente). Isto é, segundo o Governador, o Estado está obrigado a vender o seu património com elevado prejuízo e dá a entender que o Governo deve aceitar este estado de coisas. O Governador parece subordinar-se à Comissão Europeia, apoiando-a. Não informa que a situação que se desenha é fortemente prejudicial ao interesse nacional, como lhe competia. Não avisa dos problemas com a solução que se desenha.

As estrelas parecem alinhar-se para que o governo de esquerda venda o Novo Banco em saldo a um grande banco europeu (demasiado grande para falhar), com enorme prejuízo para contribuintes, para particulares e para a economia portuguesa, num remake do que ocorreu ao Banif no final de Dezembro. Os custos somam e seguem e medem-se em demasiado numerosos milhares de milhões de euros. E os dinheiros dos contribuintes portugueses (e de particulares portugueses) servem para recapitalizar grandes bancos europeus, estrangeiros, com o amém do Banco de Portugal.

Mas os portugueses podem estar tranquilos, está tudo bem… está tudo sempre bem …

 

Comentários

  1. Gostaria de colocar a questão ao contrario:se Angela Merkl “nacionalizar” o deutsch bank ou a isso for obrigada,se serão os contribuintes alemães a suportar o estrago? ou no caso do santander,se serão os espanhois a pagar? porque a “crise” foi inventada para reparar os estragos de meia duzia de “investidores” profundamente desonestos,mas tem sido os contribuintes europeus a pagar as loucuras destes “gestores”(nós ate tinhamos o melhor gestor da europa,era o da PT,lembram-se?),e neste momento a economia não funciona porque os bancos não só cortaram o financiamento como se recusam inclusivamente a dar acesso a contas poupanças dos proprios titulares.Ou seja,os bancos que digam se nós,cidadãos ainda podemos pagar com notas de euro,ou se temos que começar a pensar seriamente em usar outra moeda de troca.

  2. Lamento contrariar a ideia de que ao fazer cair Carlos Costa se está a prestar um bom serviço à causa cidadã. Na verdade Carlos Costa é o único garante de que não estamos errados quando afirmamos que o BdP não é um órgão autónomo e muito menos será um garante dos interesses portugueses no território, o BdP será contudo o garante de que Portugal (tal como toda a Europa) se presta a ser governado por um consórcio de bancos de grande dimensão e para tal, Carlos Costa, que está bem consciente disso mesmo e incumbido de o anunciar e defender, consegue ser a voz mais lúcida de todas quantas acreditam ainda que o Estado não é cada vez menos Estado e que desaparecerá em breve, dando lugar a uma hegemonia bancária que determina tudo, e a todos, enquanto performance financeira. Pelas linhas que nos deixa, Ricardo Cabral parece acreditar que as premissas do governo bancário que se dissipa pelo planeta económico ainda poderão ceder a princípios filosóficos e a comiserações latentes da razão. A história civilizacional diz-nos que a razão nunca venceu a cegueira e que se alguma vez esta foi contrariada, tê-lo-á sido pelo acaso ou por determinações do caos. O ser humano nunca soube nem nunca terá sido capaz de inverter as causas de um desmoronamento civilizacional, sempre assimilou esses ensinamentos depois do acto consumado, com os seus resultados, mas infelizmente nunca lhe terão sido de grande ajuda, pois acredita sempre que os conhecimentos conseguidos entretanto através da ciência e da investigação, do poderio financeiro e da resiliência humana, alguma vez desmontarão as incursões da natureza contra o que é desvirtuado e desregulado nela. Os erros acumulam-se e, contrariamente à história, se até aqui migrávamos de continente em continente, chamando a nós a valentia da conquista de novos mundos, ali, onde havia apenas a usurpação dos direitos dos povos que já lá estavam, hoje, os continentes tornaram-se num imenso arquipélago, finito e sem escapatória. Antes do erro consumado não há história desse erro…tal parece ser este o lema do progresso.

  3. Um governo que, como diz, “venda o Novo Banco em saldo a um grande banco europeu, com enorme prejuízo para contribuintes, para particulares e para a economia portuguesa, num remake do que ocorreu ao Banif no final de dezembro” obviamente NÃO É UM GOVERNO DE ESQUERDA.

    E para acabar de vez com a ficção de que o governo está obrigado pela Comissão Europeia a vender o Novo Banco – em vez de mantê-lo, como instituição autónoma na esfera pública, nem absurdamente partido aos bocados nem absurdamente integrado na CGD – veja-se a esclarecedora resposta oficial da Comissão à pertinente pergunta sobre a “alegada impossibilidade de manutenção do BANIF na esfera pública”, formulada por iniciativa do eurodeputado João Ferreira, do PCP:

    http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-%2F%2FEP%2F%2FTEXT+WQ+E-2016-000113+0+DOC+XML+V0%2F%2FPT

    (Clicar em “Resposta(s)” no topo à direita).

    Vale a pena ler tudo, mas cito um troço da pergunta e um troço da resposta.

    «Inviabilizou a Comissão toda a qualquer solução que passasse pela manutenção do BANIF na esfera pública? Em caso afirmativo, com que fundamento o fez?»

    «No caso do Banif, o Banco de Portugal adotou a decisão de resolução e competia-lhe definir a estratégia dessa resolução. A estratégia escolhida incluía a alienação do banco que constitui um dos instrumentos de resolução estabelecidos pela Diretiva relativa à Recuperação e Resolução Bancárias.

    (…) Desde que a transação de alienação e a entidade resultante estejam em conformidade com as regras em matéria de auxílios estatais, a posição da Comissão é neutra quanto à nacionalidade e aos direitos de propriedade do comprador.»

    É de facto uma vergonha que Costa, Centeno e o governo PS, no Banif, agora no Novo Banco, na banca em geral, não se desviem um centímetro de como procederia Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e o governo PSD/CDS.

    Há que valorizar a (incipiente) recuperação de rendimentos e direitos, mas é uma evidência que neste país, em muitas das questões mais estruturantes para a nossa vida e futuro coletivos, ainda não se rompeu com a política de direita.

    Já agora, para uma política de esquerda a sério, que em vez de lesar defende os trabalhadores, a população e o país, divulgue-se o projeto apresentado pelo PCP, no passado dia 23 de fevereiro na Assembleia da República, para manter público o Novo Banco, ao serviço das famílias, da economia nacional e do país:

    http://pcp.pt/determina-manutencao-do-novo-banco-na-esfera-publica-assegurando-sua-propriedade-gestao-publicas-ao

    Nele se defende sensatamente a manutenção como instituição bancária autónoma, isto é, não integrada noutro banco, se defende sensatamente a integridade da instituição, isto é, afastam-se soluções (como por exemplo a divisão em bancos regionais) que desarticulariam a unidade, a funcionalidade, a relevância e a viabilidade do banco e, muito premonitoriamente, antes de conhecido o anúncio da intenção de despedir 500 a 1000 trabalhadores, se alertava para a necessidade e a oportunidade de defender os postos de trabalho.

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