Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

23 de Janeiro de 2016, 10:21

Por

O Titanic acabou de chocar contra o Novo Banco

Os Estados de Direito Democrático baseiam-se, em não pequena medida, numa conquista civilizacional única: a noção de que a “carne” que ocupa temporariamente o poder é “fraca”. E, consequentemente, o reconhecimento dessa natureza humana obriga à existência de limites e de controlos a esse poder.

Nas instituições de governo da União Europeia, movidos talvez pela noção de que licenciaturas, mestrados, doutoramentos e pós doutoramentos – a um nível de educação sem precedentes na História – tornavam esses controlos civilizacionais artefactos do passado, não se criaram controlos com a robustez e recursos necessários. Consequentemente, impera o poder quase absoluto dos homens, mas não das leis. Haverá talvez menos de 100 homens e mulheres – a maior parte dos quais tecnocratas – que, na prática, influenciam e em grande medida determinam as decisões das instituições de governo da União Europeia.

Vimos esse poder exercido em relação à Grécia, em que a posição das instituições europeias, qual enorme muralha de aço, parecia invencível, colocou a Grécia “de joelhos” sem qualquer esforço. Estamos agora a assistir a algo de similar com Portugal. Apesar do actual governo utilizar uma estratégia negocial de não confrontação, diametralmente diferente da do governo grego (o Primeiro Ministro Português, provavelmente, considera que a relação de forças é tal que um confronto teria um desfecho similar ao caso grego ou pior) as instituições de governo europeias (e também o FMI), na prática e em larga medida, determinam o que deve ocorrer em relação à banca, às empresas nacionais, ao orçamento de Estado, ao salário mínimo, às pensões e ao mercado laboral.

Só que me parece que o excesso de poder tem disto: excesso de confiança (“hubris em inglês”), a ideia do Titanic a navegar a toda a velocidade com a banda a tocar por um mar pejado de icebergs. Acabamos de viver dois momentos desses, primeiro com o Banif e depois com o Novo Banco.

E, tendo o conhecimento e a noção das consequências pessoais e humanas das decisões tomadas pelas “instituições”, é necessário e fundamental conhecer o momento da História em que nos encontramos. Porque creio que é a primeira vez (pelo menos desde a criação do euro) que as instituições de governo europeias, ou melhor, alguns dos homens e mulheres que detêm o poder nessas instituições, estão “em perigo”.

Senão vejamos. Adivinho uma certa preocupação em círculos de Bruxelas, Frankfurt e Madrid com a atenção mediática que estes casos estão a ter. O “passa culpas” e os enredos com histórias alternativas que são apresentados nos média, são disso sinal. Ao pânico reage-se por vezes “criando confusão”; procurando tornar a imagem menos nítida; abandonando o navio que se afunda à sua sorte (neste caso o Conselho de Administração do Banco de Portugal).

Porém, os homens e as mulheres, desconhecidos, que determinaram os contornos destes dois casos cometeram erros:

1. Muito provavelmente violaram leis europeias e regras das suas próprias instituições;

2. Abriram várias frentes de guerra ao mesmo tempo:

– mandando intervencionar dois bancos em meros 10 dias;

– exigindo ajudas públicas de enorme dimensão no caso Banif;

– mandando pagar para “vender” o Banif ao Santander – um banco espanhol – por “dois tostões”;

– impondo perdas de 100% a grandes credores internacionais.

Em consequência, a relação de forças nas negociações entre as instituições de governo europeias e o governo nacional alteraram-se:

– Não obstante a passividade do governo português com o que ocorreu entre 19 e 29 de Dezembro, aguardando tranquilamente os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito;

– As instituições europeias estão a ser atacadas pelos credores internacionais e estão a defender-se mal, jogando à defesa e revelando fragilidades;

– A opinião pública portuguesa parece estar agora muito crítica em relação às intervenções, responsabilizando o Banco de Portugal;

– Alguns dos homens e mulheres que detêm o poder nas instituições europeias, correm o risco de “cair em desgraça” e, para se protegerem, estarão dispostos a muito.

– Os casos existentes têm o potencial para se tornar escândalos, potenciando alterações no modo de funcionamento e no controlo das instituições.

Resta desejar que o Governo Português seja capaz de saber utilizar a força negocial que ganhou, com os erros desses senhores e senhoras desconhecidos….

Comentários

  1. “Alguns dos homens e mulheres que detêm o poder nas instituições europeias, correm o risco de “cair em desgraça” e, para se protegerem, estarão dispostos a muito.”

    Pode ser o que salve os europeus, os sociopatas não gostam de cair sozinhos.

  2. Caro Ricardo Cabral a palavra húbris existe em português, é parte da herança greco-romana dos latinos e gregos, e é um dos principais tópicos da tragédia grega.

    “excesso de confiança (“húbris em inglês”)” está errado. Húbris é a pretensão de passar acima da sua própria condição (que pode conter ou não o excesso de confiança). Não é uma palavra do inglês, é uma palavra que os germânicos foram copiar à herança greco-latina.

    Os germânicos não têm conceitos complexos, saíram da pré-história há muito pouco tempo e o seu atraso cultural milenar não lhes permite ter condições para perceberem conceitos vindos de um tipo de vida que eles nunca conheceram. Húbris tal como economia, saúde, justiça e demais conceitos da civilização greco-romana, são conceitos completamente distorcidos pela barbárie medieval. De entre os disparates medievais o que mais sobressai é esse de dizerem que economia quer dizer “regras da feira” e que se rege pela regra do “feirante e do freguês” (oferta e procura).

    Infelizmente do atraso cultural milenar da actual europa bárbara faz-se notar principalmente nos comportamentos execráveis das “instituições” e afins imbecis com poder (passo a redundância, uma vez que o poder é uma coisa de imbecis).

    1. Errado, o poder é a capacidade de alterar o comportamento dos outros. Sem poder institucional, muitas pessoas gostariam de matar e roubar à sua vontade, pois são mais musculosas, têm armas, treino militar, etc. É o poder do Estado que as impede. Quando um médico te manda tomar um medicamento, ele está a exercer poder sobre ti. Quando o professor manda os meninos sentarem-se, é poder o que ele exerce. Os exemplos não acabariam. Hoje não te cobro a lição, mas devia!

      RC: Foi eliminada a segunda palavra deste comentário. Espero que compreenda, caro Liberal

    2. “Poder” decorre do latim potere, de posse [poti (dono, esposo, amo) + essere (ser) = ser dono]. Do termo posse decorrem palavras como possuir, possessor.
      É característico dos ignorantes inventarem significados para os termos que encontram. Para um ignorante 3+2= ao que ele decidir, ou ao que é usado lá na bairro dos ignorantes.
      A puerilidade das explicações revela o grau intelectual das criaturas e dos meios de onde elas fazem parte.

      A húbris dos ignorantes caracteriza-se frequentemente pela pretensão saloia de querer ensinar o seu analfabetismo.

    3. Agradeço-lhe Ricardo Cabral. Lá o que poder queria dizer em latim, em que claro a palavra era outra, e o mundo era outro, é coisa que ninguém tem que saber para usar a palavra portuguesa em 2016, pois, ao contrário do que o nosso Happycure imagina nos seus delírios cómicos, não vivemos em Roma no tempo de Augusto. Eu bem que gostaria de o mandar para lá com o estatuto de escravo numa mina, mas não vivo numa húbris de omnipotência infantil como a dele. Já agora, no meu dicionário não consta a palavra portuguesa húbris, ela é de facto de origem grega antiga, tanto quanto eu saiba, mas é possível que o Happycure minta quando diz que é palavra portuguesa. Estes maluquinhos são tortuosos…

    4. “ninguém tem que saber para usar a palavra portuguesa” é claro que não, uma palavra tem o significado que cada um quiser, e usar termos sem saber o seu significado é completamente normal entre os ignorantes.

      “no meu dicionário não consta a palavra portuguesa húbris” deve ter um dicionário liberal, desses comprados aos chineses com o melhor preço de mercado e significados liberais, à vontade de quem o escrever.

      “não vivemos em Roma no tempo de Augusto” nem no tempo de Pitágoras, por isso o teorema de Pitágoras também deve ter perdido a validade. Não se esqueça de avisar todos sobre a validade da razão e, já agora, também não se esqueça de informar as novas razões que entretanto decidiu inventar.

    5. Faço apenas notar que apesar de pródigo em muitas graçolas da mais reles sofística o nosso Happycure “esqueceu-se” de nos “informar” sobre os dicionários de qualidade que incluem como palavra portuguesa “húbris”. O meu é bom, já agora, mas não tenho que andar aqui a dar satisfações a feirantes da palavra.

    1. Caro Pedro Martins,

      Tem razão. Pretendia dizer que é uma palavra muito utilizada na língua inglesa.

  3. O que se está a passar tem muito a ver com o que se passou em Março de 2013 no Chipre, quando o Piraeus Bank (grego) a necessitar de ser capitalizado adquiriu 300 balcões pertencentes a 3 bancos cipriotas. Talvez Ricardo Cabral tenha em memória este caso, pelo que seria interessante comparar os contornos.

    1. Caro Arons VC,

      é capaz de ter razão. Lembro-me do caso mas não analisei em detalhe os contornos da operação. Mas foi também uma operação estranha.

  4. Olhe que não, Ricardo Cabral, olhe que não! É mesmo a lei que deixou a Grécia de joelhos, a lei que assinou e que NUNCA cumpriu, e com dolo. Continua a não querer cumprir. Não aprende.

  5. A força negocial do governo português está no fio da navalha e depende de um sopro dos bancos americanos que mandam no BCE e na Comissão Europeia. Vivemos o pesadelo do império e dele não sabemos sair. Portugal encontra-se com uma espada sobre a cabeça, a espada dos mercados. Na Grécia a situação foi mais agressiva por ter sido explícita, contrária a um referendo e exemplarmente punitiva. Mas tem razão o articulista, com Portugal passa-se o mesmo. Ainda assim acredito que Costa, António, encontrará o rumo, não seja o território minado (como está a ser) pelo Banco de Portugal. Esperemos que tudo isto se reequilibre e a sociedade se mantenha como está.

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