“A política é a continuação da guerra por outros meios”, Michel Foucault, 2003, invertendo o sentido da frase de Carl von Clausewitz
“Não é aceitável nem legítimo um sistema em que o BCE assumirá uma intervenção de carácter europeu, com dentes, força e o poder de alterar completamente a estrutura de um banco (…) e impor a substituição da administração, mas depois entregará a resolução de um banco declarado insolvente nas mãos de uma entidade de resolução nacional com fundos apenas nacionais [….] A supervisão não pode funcionar com a força que lhe está atribuída e com a capacidade intrusiva que tem, sem um mecanismo igualmente credível e sólido de resolução. E para que o mecanismo seja forte e único não pode ser constituído por vários fundos nacionais” declarações da eurodeputada Elisa Ferreira em Janeiro de 2014 (sublinhado do autor).
Os defensores da União Bancária no Parlamento Europeu argumentavam que o BCE, ao contrário dos Bancos Centrais nacionais, seria capaz de “mostrar os dentes”.
Mas como se podem compreender as duas intervenções sucessivas no Banif e no Novo Banco nas últimas semanas, mesmo antes da passagem da competência sobre a resolução bancária do Banco de Portugal para o BCE?
Os dois bancos cumpriam os rácios mínimos de capital e não existia qualquer fundamentação legal para uma intervenção, em qualquer deles, antes (ou após) Janeiro de 2016. Mas aparentemente o BCE, nos “bastidores”, exigiu uma resolução bancária de ambos os bancos e deverá ter influenciado os contornos das duas intervenções. O Banco de Portugal aparenta ter agido seguindo as instruções do BCE, como mero agente deste.
Porquê?
Afigura-se que uma explicação lógica seria a seguinte:
A partir de Janeiro de 2016, entra em funcionamento o mecanismo único de resolução bancária e o acordo entre o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu estabelece que os custos de resoluções bancárias realizadas a partir de 1 de Janeiro de 2016 serão mutualizados em 40%[1], subindo essa percentagem até 100% ao fim de 8 anos.
A Alemanha e outros países sempre se opuseram a essa mutualização dos custos da resolução bancária – uma forma de transferências fiscais entre países membros –, mas esta foi a condição necessária para fazer aprovar a legislação do Mecanismo Único de Resolução no Parlamento Europeu.
Face ao observado nas últimas semanas, parece que parte do compromisso informal de cavalheiros então assumido poderá ter sido: o BCE comprometer-se-ia, antes de Janeiro de 2016, a limpar o “lixo tóxico” de forma a evitar, no caso português, que 40% dos custos de uma eventual resolução – do Banif ou do Novo Banco – fossem mutualizados (i.e., assumidos pelos contribuintes de outros países).
E, na dúvida, seja ou não seja necessária resolução no Novo Banco e no Banif, exista ou não o alegado “lixo tóxico”, o BCE obriga o Banco de Portugal e o governo português a aplicar a resolução nesses dois bancos.
Parece, igualmente, que existem grupos financeiros interessados em adquirir o resultado destas “dentadinhas” de Natal do BCE, que se afiguram muito lucrativas … qual presente de Natal.
Parece ainda que o BCE contou com a chegada do novo governo ao poder e fez movidas rápidas no xadrez das políticas … qual guerra económica.
A Europa e o BCE sabiam que o novo Governo de Portugal, não pretendia logo no seu primeiro diferendo com a Europa passar de “bom aluno” a “aluno rebelde” tipo “Tsipras ou Varoufakis”. E, por conseguinte, o Governo de Portugal, apanhado de surpresa, terá cedido em toda a linha em relação ao Banif. E uns prováveis telefonemas de Draghi a Pedro Passos Coelho e a Cavaco e Silva terão selado o negócio.
Banif “arrumado”, houve ainda tempo para “arrumar” o Novo Banco, numa operação arbitrária, muito duvidosa, e extremamente arriscada[2] que aumenta os rácios de capital para 13%, muito acima do mínimo legal exigido (8%). E, novamente, sem qualquer fundamentação legal.
O Banco de Portugal age como mero executante e o Governo de Portugal … assiste.
Estas jogadas de xadrez do BCE têm o resultado colateral de enfraquecer os apoios à esquerda do Governo do PS e, quiçá, criar as condições para uma aliança do bloco central.
São, por outro lado, de uma arbitrariedade completa, em que o Estado de Direito é completamente “atropelado”, e os direitos de alguns investidores, contribuintes, trabalhadores e mesmo gestores são completamente “esmagados”.
Opus-me sempre à União Bancária – e à posição defendida pela maioria no Parlamento Europeu – precisamente pela razão que agora está à vista: a concentração de enormes poderes (política monetária, supervisão bancária, resolução bancária) numa única instituição, super-independente, que enfrenta conflitos de interesse e que já antes da União Bancária estava fora de controlo porque não enfrentava quaisquer contrapoderes significativos.
Esperemos que a razão e a civilização prevaleça sobre o poder absoluto que se revela nestes actos que o País acabou de observar!
[1] Isto é suportados pelos fundos de resolução de todos os países membros do mecanismo único de supervisão.
[2] Entre outros riscos legais, afigura-se-me que detentores das obrigações do Novo Banco que não foram transferidas para o BES podem procurar declarar vencimento antecipado ou mesmo incumprimento do Novo Banco, uma vez que obrigações do Novo Banco mudaram para outra entidade sem consentimento dos credores. Ou seja, afigura-se-me que existe o risco legal de um credor do Novo Banco (que não foi transferido para o BES) solicitar a falência do Novo Banco.
E radicais são os que não querem o euro…
Podiam me informar senhores jornalistas de todos os jornais portugueses, o que tem de interessante a mae do Ronaldo para andarem sempre a falar nela . se e para mostrar au monde a mulher portuguesa ,entao mostrem o que temos de mais belo, e nao pessoas atrasadas que vivem gracas ao dinheiro do filho , que esquecerem. se de onde veem nao sabem ser humildes so nisso aprecio Messi .
Caso o Primeiro-Ministro António Costa tivesse optado por vender o BANIF em 2016, altura em que entraram novas regras comunitárias para resgate de bancos insolventes, a carga para os contribuintes seria menos 1,3 mil milhões de euros, em comparação com o resgate que se efetuou em dezembro de 2015. Assim aparenta ser pelas minhas contas, tendo em consideração as declarações do ministro Mário Centeno no Parlamento.
Não me parece que tenha havido corrupção ou favorecimento na venda do banco, nem mesmo ingerência do BCE, mas foi claramente uma opção política “à la socialista” (vede BPN), que lesou os contribuintes em 1,3 mil milhões de euros. Caso se tivesse esperado uma semanas, entraria em vigor a nova diretiva comunitária com novas regras para o resgate de bancos insolventes, regras essas que fazem uso das parcelas dos depósitos acima de cem mil euros, para a recapitalização dos bancos. Tendo em consideração as declarações do ministro da finanças Mário Centeno no Parlamento, existem 7411 depósitos acima de cem mil euros, tendo esses depósitos um montante médio de 283 mil euros. Aritmética da mais elementar e conclui-se que, de acordo com as novas regras comunitárias, os contribuintes pagariam menos cerca de 1,3 mil milhões de euros pelo resgate do BANIF ((283.000-100.000)*7411).
Foi esse o montante que António Costa imputou aos contribuintes, por opção política. Colocou, de facto, cada português a pagar 130 euros, para salvar a parcela acima de cem mil euros de 7411 depositantes. A isto denomino de socialismo financeiro.
Caro Ricardo, uma pequeno reparo.
Não penso que Foucault tenha parafraseado Clausewitz. A mim parece-me que inverteu, contrariou completamente a relação entre política e guerra proposta por Clausewitz; inverteu a relação entre as causas e as consequências. Clausewitz dizia que a guerra era a continuação da política por outros meios; Foucault, disse que era o contrário, que a política era continuação da guerra por outros meios. Esta inversão muda muita coisa e exprime uma perspetiva e uma relação completamente diferente com a visão da política e do poder típica da civilização ocidental. Vale a pena aprofundar o assunto.
Caro Marco,
obrigado pelo seu comentário. Tem razão, Foucault não parafraseou mas sim inverteu o sentido da frase. Corrigi no texto.
Na verdade, Foucault sustentou, no curso proferido no Collége de France em 1975-76 («É preciso defender a sociedade»), que havia sido Clausewitz a inverter uma noção clássica herdada da antiguidade grega, segundo a qual a política seria a continuação da guerra por outros meios. Essa noção, embora nunca formulada em termos tão explícitos como o fez Clausewitz, assenta na etimologia de vocábulos como ‘Ágon’ (oposição, luta) ou ‘Polemos’ (guerra, disputa, combate), remetendo para a natureza da pólis grega enquanto uma entidade política formada pelos seus soldados-cidadãos e que encontra na guerra, enquanto experiência colectiva determinante, a sua razão de ser.
No argumento de Foucault, essa noção de que toda a política é fundada em relações de poder que têm a guerra enquanto operador fundamental seria o entendimento dominante até à modernidade, quando emergiram outras narrativas, nomeadamente a que faz as instituições políticas derivar de um contrato.
Felizmente que a política já não é a continuação da guerra por outros meios! Segundo o raciocínio de Ricardo Noronha, Clausewitz limita-se a anunciar a modernidade à Europa, e a queda das autocracias no mundo ocidental. Mas aparentemente o filósofo Foucault sofre de nostalgia e ainda continua a falar de uma humanidade que deixou de existir… Se ele fosse português, diríamos que tem saudades de outras eras! As saudades das guerras são comuns, são mesmo de uma grande vulgaridade. Esse é um sentimento que, entendo eu, deve ser combatido e desmascarado, pois tem subjacente a ambição de fazer voltar a guerra.
“Resolução” é o novo nome pomposo para nacionalização sem indemnização (roubo) de empresas em mau estado, ou que alguém diz que estão em mau estado. Não consigo vislumbrar razões convincentes para que todos os europeus tenham que pagar essas operações. Não espero que os alemães paguem a nacionalização do BES, como não estou disposto a amanhã pagar a nacionalização do Deutsche Bank, se o governo da RFA a decidir fazer. É uma porta aberta à irresponsabilidade dos Estados, não terem que pagar eles mesmos o que fazem. Como é uma má ideia, ela será posta em prática.
Caro Ricardo, uma pequeno reparo.
Não penso que Foucault tenha parafraseado Clausewitz. A mim parece-me que inverteu, contrariou completamente a relação entre política e guerra proposta por Clausewitz; inverteu a relação entre as causas e as consequências. Clausewitz dizia que a guerra era a continuação da política por outros meios; Foucault, disse que era o contrário, que a política era continuação da guerra por outros meios. Esta inversão muda muita coisa e exprime uma perspetiva e uma relação completamente diferente com a visão da política e do poder típica da civilização ocidental. Vale a pena aprofundar o assunto.
Peço desculpa, Liberal, o anterior comentário era para o Ricardo Cabral e não para ti. Mas já que estás aí, aconselhava-te a leres o Nascimento da Biopolítica, do Michel Foucault. Uma ferramenta para te conheceres a ti próprio.
Feliz 2016
Desculpas aceites, Marco, também me acontece. Mas escusavas era de me mandar ler cripto-comunistas, …. pá!
Foucault não é um cripto-comunista. Foucault merece, pelo legado que deixou, que deixe uma referência: a obra “Vigiar e Punir” é estudada universalmente em cursos superiores no campo dos métodos e técnicas no âmbito das ciências sociais. Descreve o aparecimento da prisão, depois da humanidade ter experimentado o suplício, a punição e o reforço da disciplina. A obra foi publicada em 1975, pelas Edições Gallimard(“Surveiler et Punir”. É um livro canónico no campo das ciências sociais.
Acredito em si Nelson Faria, não sou da área de humanidades. Mas muitos marxistas mais ou menos disfarçados fizeram trabalho interessante, quando não estavam a ser possuídos pela “luta de classes”. Até aqui o bloguista Louçã por vezes diz alguma coisa de jeito… O resto é que é pena!
A expressão “Deutscher Zollverein” diz-lhe alguma coisa, caro Ricardo Cabral?
O processo que levou à criação da confederação alemã e posteriormente ao 2º Reich.
E já experimentou comparar o processo de desenvolvimento da “Deutschen Zollvereins” (União Aduaneira Alemã) com o processo de desenvolvimento da “Europäischen Zollvereins” (União Aduaneira Europeia)? Serão muito diferentes?
Gosto muito do que escreve, mas lamento que assuma logo de início que este governo cedeu em toda a linha ao BCE só para não ser comparado aos gregos e que uns telefonemas ao Passos e Cavaco terão ajudado o BCE levar a sua avante. O tema em si já se assume relativamente como teoria de conspiração (a qual eu acredito), mas aquele parágrafo a que me refiro soa apenas a wishful thinking partidário. Não é construtivo nem fundamentado e apenas divide o país. Evite-se isso, por favor.
Bom ano,
Ricardo
Caro Ricardo,
agradeço o seu comentário. Sou politicamente independente e não comento neste blog nem a favor do partido A nem a favor do partido B. Agora parece-me que “as verdades” (ou neste caso as leituras possíveis dos factos) têm de ser ditas e escritas, doa a quem doer.
Por último, faz uma leitura incorrecta do que disse. Eu não disse que o governo cedeu só para não ser comparado aos gregos. O que me parece – a leitura que faço – é que a estratégia negocial do Governo português é diferente da do Governo grego e que o BCE e as autoridades europeias, ex-ante, compreenderam qual era a estratégia negocial do Governo e adaptaram a sua própria estratégia negocial em conformidade.
Bom ano também para si.
Os seus artigos sobre o caso Banif são os melhores que li sobre o assunto… Muita coisa passa a fazer sentido!
Caro Vasco,
Obrigado.