
Qualquer um dos leitores é capaz de identificar um momento na sua vida pessoal ou profissional em que teve de fazer uma escolha difícil e em que soube caracterizar intuitivamente as opções que poderia tomar nesse momento:
– a escolha mais fácil, com menos custos no curto prazo, e que é com frequência a opção de menos resistência e menos “chatices”;
– no extremo oposto, a opção mais difícil, cheia de incertezas e cujos benefícios só se adivinham num futuro por vezes longínquo;
– e ainda um gradiente de escolhas de dificuldade entre os dois extremos.
Vêm estas reflexões a propósito da decisão do governo de apoiar a resolução do Banif proposta pelo Banco de Portugal, com um financiamento de, pelo menos, 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos (e do Fundo de Resolução) no imediato, a que acrescem 746 milhões de euros de avales públicos. O “Público” estima que a factura total poderá subir até 3,8 mil milhões de euros.
A decisão do governo, e em particular do Ministro das Finanças e do Primeiro Ministro, foi certamente muito difícil. Recém-empossados, são confrontados com uma solução para o Banif já quase pré-determinada. Mas será que foi a melhor decisão que podiam tomar? E será que foi a opção mais fácil ou a mais difícil?
Enumero, de forma simplificada[1], as opções que considero seriam possíveis:
Opção A – Financiar a resolução do Banif com cerca de 3 mil milhões de euros de dinheiros públicos, com impacto no défice público. Promover a sua venda apressada a um dos bancos a operar no país, com despedimentos e redução da concorrência no sector bancário (em particular nas Regiões Autónomas), mas garantindo os depósitos. É certo que esta opção tem algumas vantagens: minimiza-se o risco de uma corrida à banca; faz-se a vontade à Direcção Geral da Concorrência (DG-COMP) da Comissão Europeia, ao BCE e ao Banco de Portugal; e o governo pode ainda, legitimamente, atribuir a responsabilidade do resgate do Banif ao anterior governo.
Opção B – Nacionalizar o Banif, injectando o capital necessário, provavelmente contra a vontade das autoridades europeias, mas com custos menores para o erário público que a opção A e mantendo (ou não) o Banif como banco independente. De acordo com o Ministro das Finanças, esta seria a variante preferida do Governo, mas enfrentava a oposição da Comissão Europeia. Teria como consequência provável uma investigação e um processo da DG-COMP contra o Governo. Contudo, qualquer Estado membro pode discordar e contestar as decisões da Comissão Europeia, embora essa solução pudesse criar (algum) atrito com a Comissão Europeia e BCE. À semelhança da opção A, teria impacto no défice público;
Opção C – Aceitar a resolução bancária defendida pelo Banco de Portugal, mas não a financiar com dinheiros públicos, obrigando na prática o Banco de Portugal a impor perdas a depósitos acima de 100.000€ e a credores. O Fundo de Garantia de Depósitos sofreria perdas significativas;
Opção D – Convencer o Banco de Portugal a não aplicar a resolução bancária ao Banif e a aguardar pela decisão do BCE que, a partir de Janeiro, já poderia aplicar uma medida de resolução ao Banif, nos termos da nova lei da União Bancária, impondo perdas a depositantes e credores (o “bail-in”)[2]. Corria o risco da corrida ao Banif continuar e o Banif poderia ser forçado a recorrer à Assistência de Liquidez de Emergência do Banco de Portugal;
Opção E – Favorecer o encerramento (a liquidação) do Banif, que se traduziria em enormes perdas para os depositantes, com prejuízos ainda para clientes e trabalhadores do banco.
Parece-me que o caminho escolhido pelo governo (a opção A) foi o caminho de menor resistência ou o mais fácil no curto prazo, com menores custos políticos e riscos operacionais.
E, com esta análise, afigura-se que o governo optou por uma das piores alternativas possíveis em relação a uma solução para o Banif.
“O euro não parou” no Ministro das Finanças nem no Primeiro-Ministro.
Na hora H o governo fraquejou. Perdeu a batalha mesmo antes de começar. Deixou que a decisão fosse tomada pelo Banco de Portugal e pela Comissão Europeia – por meros funcionários –. Deixou que Portugal fosse espoliado entre 2,2 a 3 mil milhões de euros.
Foi assim muitas vezes ao longo da História de Portugal, como ouvi dizer numa interessante e recente conferência. O país “rende-se antes da batalha”, perante forças incomensuravelmente mais fortes (pelo menos na mente de quem toma a decisão).
O governo merecerá o benefício da dúvida, teve muito pouco tempo para encontrar uma solução para o Banif e tem outros dossiers (e.g., Novo Banco e Orçamento de 2016, que certamente considerará mais estratégicos e mais importantes para o país) – e “um bom general sabe perder uma batalha para ganhar a guerra”.
Espero, contudo, que o governo não perca na secretaria mais nenhuma negociação que irá (necessariamente) ter de travar em nome do país e dos portugueses …
E que “o euro passe a parar” no Terreiro do Paço ou em São Bento!
[1] Os detalhes ficarão para outro post.
[2] É interessante constatar que alguns responsáveis nacionais que apoiaram a aprovação legislação sobre a União Bancária a queiram evitar agora a todo o custo, aplicando a resolução ao Banif antes de Janeiro de 2016, data da entrada em vigor dessa lei.
É bom fazer falência e não sofrer quaisquer consequências. Abençoado Estado Social que socorre a todos os necessitados! Está altura de criar um rendimento mínimo para banqueiros, mas com dignidade. Com muita dignidade! (€€€)
Mais uma vez, a questão revela a fraca consistência da nossa elite política, que não ousa tomar decisões genuinamente políticas e prefere adorná-las na economia. Portugal precisa, antes de tudo, encontrar um líder político que seja surdo no tilintar das moedas, que não oiça os murmúrios da praga de gestores financeiros que infesta a praça pública e que corroem as instituições e os homens. A opção”C” seria sem dúvida a mais acertada (para que serve um fundo de garantia de depósitos, se jamais é accionado?), pois se há mensagem que essa gente não ouve desde há dezenas de anos, é a de que “pisar o risco tem consequências”, mas infelizmente não tem, eles sabem-no bem e colocam-se deliberadamente do lado errado do risco, contando despudoradamente com a elite política. A mensagem seria simples e caustica “a partir de hoje está abolido risco sísmico”, todos estes anos temos vivido envoltos numa conspiração da finança, apadrinhada pela nata dos economistas, acobardando-nos com a ideia de que a falência de um banco provoca ondas sísmicas de incalculáveis consequências, o que não passa de um manto poluto sob o qual se confortam os políticos que nos caem no prato da sopa. O desplante é tanto que, perante as vagas enormes que a instabilidade financeira provoca, conseguimos dificilmente imaginar maior atrito que o que provocam estas soluções de salvamento da banca…serão as perdas com a “liquidação” de alguns, maiores que as perdas a liquidar por todos? Creio que se Truman governasse hoje, teria à entrada da sala o seguinte aviso: “The economist stops here”.
Nota: A sua opinião é importante e pertinente, gosto até do seu posicionamento aqui, o que digo acima não é contra si nem contra os economistas, é sobretudo contra a forma como se olha para a economia, distorcendo a sua função e o seu lugar…compreenda.