O leitor lembra-se das revisões das classificações (“rating”) da dívida soberana portuguesa em 2010 e 2011 que levaram os meios de comunicação, os comentadores e as autoridades nacionais (incluindo o Presidente da República) e europeias a um crescendo de “histeria”. E que culminou no resgate a Portugal.
Parece que foi há muito tempo e noutra era. Mas o facto é que o rating da dívida soberana portuguesa continua em “non-investment-grade”, vulgo “lixo” (“junk”) excepto para uma pequena agência de rating canadiana – a DBRS – que classifica a dívida pública portuguesa na classe mais baixa de “investment-grade”.
Essa classificação, por essa pequena agência de rating, é fundamental porque dela depende em parte o acesso da banca portuguesa à liquidez do Eurosistema.[1] Se essa agência vier a baixar a classificação (“downgrade” do “rating”) da dívida portuguesa seria provável que também a maior parte dos títulos de dívida privada em Portugal fossem revistos em baixa, e que o sistema bancário português se visse forçado a recorrer à assistência de liquidez de emergência (“ELA”) que seria cedida pelo Banco de Portugal em substituição do Eurosistema. Como vimos no caso da Grécia, essa liquidez de emergência pode ser interrompida, a qualquer momento, se mais de 2/3 dos membros do Conselho de Governo do BCE votarem contra a mesma, o que provavelmente provocaria uma crise bancária em Portugal (como a que ocorreu na Grécia e em Chipre). O mero facto da liquidez de emergência ser accionada levaria a um aumento das taxas de juro nos mercados secundários, e as comparações de Portugal com a Grécia seriam inevitáveis.
Esta situação de elevadíssima vulnerabilidade ao rating da DBRS já ocorre desde o fim do programa de resgate, em Junho de 2014, e continuará no curto (e médio?) prazo seja qual for o primeiro-ministro que venha a ser indigitado pelo Presidente da República.
Não faz sentido algum que a estabilidade do sistema financeiro nacional dependa das decisões de uma pequena agência de rating canadiana, mas a União Europeia e as suas instituições (em particular, o Banco Central Europeu) têm destas regras arbitrárias que, na minha opinião, “brincam com o fogo” alheias aos estragos que tais “jogos” podem causar nas economias reais dos países afectados.
Devido a essa regra, bem como ao facto do Governo ter de aprovar o mais rapidamente possível um Orçamento do Estado para 2016, o Presidente da República está mais limitado nas suas opções do que a generalidade dos seus conselheiros e dos comentadores dos media considera que está.
Assumindo que António Costa informa na terça-feira o Presidente que tem o apoio para formar governo da maioria absoluta dos deputados da Assembleia da República (o que não é certo, porque a situação é muito fluída), o Presidente da República:
– Se indigitar Passos Coelho como primeiro-ministro, sabendo que o seu programa de governo será rejeitado por uma maioria no Parlamento, perde tempo (duas semanas? mais?) e prolonga a incerteza política no País sem que se encontre uma solução definitiva. Arrisca-se a que ocorra uma eventual descida de rating da DBRS, por exemplo devido à incerteza política, numa altura em que estaria em funções um governo de gestão.
– Se indigitar António Costa como primeiro-ministro com um apoio maioritário na Assembleia da República de uma coligação de esquerda, corre de igual modo o risco de que, daqui a uns meses, a DBRS venha a baixar o rating da República. Porém, se tal viesse a ocorrer, a responsabilidade não lhe poderia ser atribuída mas sim ao governo em funções. Mas, por outro lado, o governo de António Costa teria plenos poderes para implementar políticas orçamentais que “tranquilizem” a DBRS, evitando o referido “downgrade”.
Por conseguinte, afigura-se que Cavaco e Silva se prepara para “engolir um sapo” indigitando António Costa. Porque provavelmente não quererá ficar na História como o Presidente que trouxe um 2º resgate, ou uma crise bancária, ou, no pior cenário, a bancarrota a Portugal…
[1] Vide alínea a), nº1 do artigo 82º e alínea b) (i) do artigo 84º do Regulamento 2015/510 do Banco Central Europeu de 19 de Dezembro de 2014. A banca nacional, desde que permanecesse adequadamente capitalizada (o que é questionável), poderia em teoria continuar a aceder à liquidez do Eurosistema. Mas teria de ter activos de elevada qualidade que pudesse oferecer como colateral e sabe-se que não dispõe de um nível suficiente desse tipo de activos “investment grade”.
Ou seja, a grande interrogação de Cavaco será: “Ó Maria, a que horas chega o carro do lixo aqui à Travessa do Possolo?”. É inegável que a resposta está nas mãos…do PS!
A última? Houve mais alguma?
Bom, se for esta, esperemos que seja mesmo..a última! Deixem-nos trabalhar! Safa!
Imaginemos, Ricardo Cabral, que o Banco Central Europeu, por ingerência e determinação do FMI, do Banco Mundial e, quem sabe, do tesouro americano, tem mão sobre as decisões da agência de rating canadiana – a DBRS. Afinal todos têm interesse em demonstrar que Portugal é efectivamente um “bon élève”. A “Europa” tem necessidade disso como de pão para a boca. Não tenha ilusões, aconteça o que acontecer, Cavaco não tem nada a perder enquanto Portugal for uma “jóia” do Eurogrupo..
“tem sido agitado e fomentado o papão…” que a austeridade para alem da troika resolveu alguma coisa em Portugal o que não é verdade,alias Portugal pelo acção deliberada deste governo aumentou a divida,aumentou os desempregados,aumentou a imigração,aumentou a probreza…e é este governo que o sr.cavaco quer à força,dar posse.Parabens…por semelhante feito.
De facto, o método grego apresenta resultados mais seguros e “satisfatórios”. Vamos experimentar?
Mas podemos continuar com a corda ao pescoço enquanto algum “brincalhão” não a estique….
Para que não restem dúvidas, é mais uma demonstração de que o Euro não é uma moeda única e que o BCE não é um banco central.
Tirando claro aquele “pequeno pormenor” de a moeda ser usada em todos os 19 países no comércio e nos bancos… Eu ainda estou por perceber a espantosa asserção das “esquerdas” segundo a qual a crise económica na Europa é uma consequência do euro. Será tão difícil compreender que a crise financeira que está na sua origem rebentou em 2008 nos EUA? On y est pour rien!
O Euro é um garrote para economias fracas como a portuguesa… e o que acha que se pode fazer?
Não posso concordar com a opinião aqui expressa por Ricardo Cabral. Tem sido agitado e fomentado o papão da instabilidade desde 4 de Outubro, mas esse bicho não mete medo a nenhum observador externo, incluindo à DBRS. Porque a instabilidade de que se fala é a simples recondução do actual primeiro-ministro, com uma maioria relativa fortíssima. O PS, em teoria, pode bloquear a acção do governo, sujeitando-se a pagar isso nas urnas com língua de palmo, mas não o fará, porque não é um partido de maluquinhos – só fantasias tresloucadas podem ver Sérgio Sousa Pinto como um caso isolado. O PS sabe bem que esta não é altura para derrubar o governo de Passos Coelho, e agirá em conformidade.
São, certamente, opções, mas com consequências nas eleições. Os partidos que perdem a razão de existir tendem a perder muitos votos.
PASOK diz-lhe alguma coisa?