Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

10 de Setembro de 2015, 08:19

Por

No tempo da tripa forra: as portagens e a dívida para pagar o buraco na segurança social

scutHá um partido que propôs que as portagens servissem para financiar a segurança social.

Há um partido que propôs que uma parte dos descontos obrigatórios para a segurança social passasse para uma conta individual nas mãos de fundos privados.

Há um partido que propôs usar o valor do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (cerca de dez mil milhões de euros na época) mais a emissão de dívida pública até 9 mil milhões de euros, para financiar a passagem para o novo sistema e compensar a perda de receitas. Total do custo da operação, acima dos 20 mil milhões de euros, contas do partido proponente.

Esse partido, já adivinhou, é o PSD. Em 2007, Marques Mendes, Aguiar Branco (membro do actual governo e agora candidato PàF), Miguel Frasquilho, Luís Montenegro (actual líder parlamentar de Passos Coelho e candidato PàF) e outros dignitários do partido submeteram ao parlamento um projecto de lei para transformar o sistema de repartição num sistema misto com contas individuais entregues à finança.

Explicavam então estas figuras do PSD:

“Do ponto de vista do PSD, a solução mais adequada para assegurar o financiamento do período de transição é o recurso ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, sem prejuízo da utilização de outras fontes de financiamento, como é o caso das avultadas verbas actualmente dispendidas no financiamento das auto-estradas sem portagem – SCUT. O PSD considera igualmente que, na estrita medida do necessário face à adesão ao novo sistema por parte dos trabalhadores por conta de outrem já inscritos na segurança social com idade inferior a 35 anos, que se justifica recorrer à emissão de dívida pública consignada de longo prazo até ao montante máximo de 9 mil milhões de Euros.”

Isto era o PSD. Mas era no tempo em que fazia propostas e apresentava as contas. Agora, junto com o CDS (que se absteve nesta proposta em 2007), retoma a mesma ideia, sob a forma do plafonamento, mas esconde a conta atrás das costas. Em vez de fazer com que todos descontem para os fundos privados, faz com que o desconto só comece depois de um certo nível salarial. Qual, é mistério. Quanto se perde em receitas da segurança social, é sempre muito mas é mistério. Como se paga esse buraco, é mistério.

Continuar nesta instabilidade é perigoso. Sem propostas e com cálculos camuflados, é de temer a pior das contas, a que vamos todos pagar.

Comentários

  1. Demagogia é o que não falta à classe política portuguesa, presente, passada e futura.
    Sou a favor do plafonamento das pensões mas, apenas no seu pagamento.
    A Segurança Social tem um importante papel na redistribuição da riqueza e na promoção da equidade.
    Sou de “direita”, isto é, se existe algo como ser de direita ou esquerda, porque quem estuda alguma história, perceberá que o chamamos hoje de políticas de “direita” ou de “esquerda” foram no passado implementadas por governos que face à definição actual seriam do lado oposto a estas, dou como exemplo o facto de Lincoln ser republicano e de Hitler um socialista, isto sem querer dizer que sejam exemplos absolutos, exactamente o oposto, sejamos um pouco isentos e imparciais na nossa análise e observação das políticas e dos políticos.
    Estabelecer um tecto para uma pensão, isto é, definir um valor máximo para uma uma pensão proveniente da Segurança Social, e NÃO estabelecer um tecto para o pagamento das contribuições sociais, por exemplo, a contribuição do trabalhador seria sempre de 11% do seu rendimento, independentemente do seu salário mas, a sua pensão não poderia ser superior a 5 salários mínimos nacionais, iria promover uma maior sustentabilidade do sistema, já que parte das contribuições não teria uma obrigação de contribuir para as pensões, ao mesmo tempo que permitiria uma alocação dessas verbas a beneficiários da Segurança Social, que pelas mais diversas razões não puderam contribuir em toda a sua dimensão para o sistema contributivo, e.g., pensionistas por incapacidade, portadores de deficiências, outros beneficiários.
    A sociedade portuguesa, e não apenas os políticos e os “iluminados”, deveriam contribuir para esta discussão, com as mais diversas ideias, permitindo sustentabilidade futura da Segurança Social, e em consequência do nosso modelo de sociedade.

    1. Excelente ponto de vista. No fundo, quando se fala em solidariedade, há uma tendência quase visceral a isolá-la do facto de ter que se abdicar de parte da nossa contribuição para terceiros que, como bem diz, por alguma razão não puderam contribuir. Sintetizando, o meu ponto de vista encerra o argumento de que nenhum homem (ou mulher) enriquece só com o seu trabalho. O seu sucesso depende e é fruto de inúmeras colaborações, directa ou indirectamente, pelo que uma parte dos benefícios caberá, solidariamente, aos incógnitos que permitiram esse acumular de riqueza. O plafonamento das pensões é um excelente meio para redistribuir e compensar participações não remuneradas, funcionando mesmo como um regulador social em casos gritantes de injustiça, quando a vida e o percurso profissional de certas pessoas não está contemplado nas definições de beneficiário da Segurança Social.

  2. Caro Senhor Professor Louçã,

    Embora seja militante de esquerda de longa data, nunca votei em si. No entanto sempre lhe reconheci qualidades que detestaria ver-me na contingência de rever.
    Ora da-se o caso que a resposta que o Senhor Professor deixa ao comentário assinado por MRocha me parece pouco sério, para dizer o minimo.
    Com efeito, basta o recurso a um qualquer motor de busca para encontrar declarações publicas suas de 2009 a recusar liminarmente qualquer possibilidade de coligação com o PS em cenário deste vir a vencer com maioria relativa ( como veio a suceder ) as eleições. Depois, já após o chumbo do PEC 4, também se encontram facilmente declarações suas no sentido de que só aceitaria coligar-se com o PS caso o então secretário geral não fizesse parte desse eventual governo. Na campanha eleitoral que se seguiu, nunca se coibiu de apelidar o Engº Sócrates de “senhor troika”.
    Ou seja, no essencial o seu discurso é o mesmo do Senhor Passos Coelho: José Sócrates é o culpado disto tudo e o senhor nada teve a ver com o que se passou. Ora desculpará mas tenho de ser muito directa: a desonestidade intelectual fica-lhe mal. Aliás, fica-lhe pior a si que a Passos Coelho. Afinal o Senhor Professor é um académico de méritos reconhecidos, não é um oportunista gerado nas novas oportunidades do PSD. Ou seja, nestas matérias o seu discurso parece descer ao nível das mistificações maquiavélicas do Dr Portas, outra criatura de inegável inteligência, mas para quem todos os meios são legítimos quando se trata de promover a sobrevivência politica da sua própria criatura. Ora confesso que detestaria ter o arrumar também a si na mesma categoria. O reconhecimento dos erros só nos engrandece.

    Cordialmente,

    Irene Zagalo

    1. Cara Irene Zagalo, agradeço o seu comentário. Sim, há declarações minhas a dizer que não faria um acordo com o PS e há declarações do PS a dizer que não faria um acordo comigo. Ambas são perfeitamente coerentes. Eu propunha uma reestruturação da dívida para libertar recursos para criar investimento e emprego, o PS recusava; eu recusava as privatizações, o PS tinha no programa a venda da TAP, CTT, EDP, REN e outros; posteriormente, eu recusei o Tratado Orçamental que nos impõe austeridade por mais vinte anos e o PS aprovou-o. Não havia base de entendimento. Não tinha nenhum sentido fingir que havia. São caminhos diferentes e a democracia ganha em escolher entre eles.
      Nunca me ouviu nenhum discurso de que “Sócrates é o culpado disto tudo”. E por favor, não use frases rasteiras como “desonestidade intelectual”, isso só serve para insultar, se pensasse isso não escrevia neste blog. Acho que é boa educação evitar esse tido de impropérios de cabeça perdida. O seu apoio ao PS é certamente bem pensado e nunca contesto a escolha de cada pessoa. Não é certamente por “desonestidade intelectual” que apoia o PS, será por honestidade intelectual sua. Ficamos conversados sobre isso. Mas não peça a quem não concorda com o corte na TSU ou com a redução das pensões que apoie essa política.

    2. Caro Senhor Professor Louçã,

      Não foi de todo intenção minha insultá-lo, e se lhe soou desse modo apresso-me a expressar-lhe as minhas sentidas desculpas. Porém, no mais, não retiro uma virgula ao que escrevi. Tenho 82 anos e há muito que percebi que na vida poucas são as coisas que se conseguem como idealizamos. Quando entrou para o Parlamento, o Senhor já tinha idade para saber que a Cidade se governa com princípios mas também com compromissos. No limite, se estavam em causa coisas que lhe eram caras, o mínimo que lhe seria exigível era a abstenção, pois não o suponho ingénuo ao ponto de não ter antecipado o que aí vinha. Como não me parece bem que tente passar a mensagem de que nada teve a ver com isso. Obviamente, teve. Teve o Senhor e todos quantos do PS e de toda a esquerda foram incapazes de colocar os interesses dos que os elegeram acima dos vossos tacticismos . E o resultado está à vista, com o descalabro social, do Estado Social e do Estado de Direito. Perante a realidade instalada, acha mesmo que fez tudo o que estava ao seu alcance para a evitar ??

      Cordialmente,

      Irene Zagalo

    3. Agradeço a sua correcção. Temos de facto opiniões diferentes, mas há pontos em que creio que está a lembrar-se erradamente dos factos: se eu tivesse abdicado dos meus compromissos eleitorais e traído o meu programa em nome do apoio ao Pec… o PEC chumbava na mesma. Dito isto, tem razão num ponto: nesse momento, não se fez tudo o que era possível para evitar a crise. Mas, na minha opinião, era preciso ir por um caminho muito mais corajoso contra a troika e o PEC era a capitulação (incluia cortes na sua pensão, Irene). Hoje, que fiz com amigos do PS e outros economistas propostas concretas para a reestruturação da dívida e a recomposição da economia fora do euro, não tenho dúvidas de que esse trabalho ou outros, com outras respostas mas que fossem consistentes, deviam ter sido feitos há muito mais tempo. Era preciso e é preciso esforçarmo-nos mais. Cordialmente também, F

  3. Parabéns Prof. Louçã, por mais este esclarecimento.

    Cada vez mais eu temo que se o actual governo ganhar as eleições, a tal “reforma do Estado”, é isto mesmo: entregar tudo aos privados e ás misericórdias, como no tempo da Rainha Louca.

  4. desde que a troika foi chamada pelo bloco central(ps+psd+cds) e que “foi alem da troika”(paf) que não utilizo autoestradas ou vias rapidas com porticos,eu e muitos outros,porque não quero sustentar um estado que desperdiça(ex.estadios de futebol ou jipes para “agricultores) ,mas quero um Estado Social que invista e saiba administrar bem a causa publica(saude e educação).

  5. Muito bem!

    E conviria ainda lembrar aos leitores o papel que o autor deste excelente artigo teve na viabilização da agenda de direita que agora tão bem critica. Para quem está sempre, e bem, a recordar o passado, não lhe ficaria nada mal que o fizesse por inteiro.

    1. É cansativo registar que alguns membros do PS não perdoam a Sócrates ter pedido a Cavaco para convocar eleições em 2011. Podia ter apresentado outro plano, podia discuti-lo com a esquerda ou com a direita, mas preferiu eleições. Outros membros do PS têm outra postura: foi com alguns deles que se fez o Manifesto 74 pela reestruturação da dívida e foi com um vice-presidente da bancada do PS e outros economistas que apresentei uma proposta concreta para a reestruturação da dívida. É gente que quer soluções e não anda a chorar por uma derrota eleitoral de há quatro anos.

    2. Caro F Louçã,
      Percebo que tente passar ao lado dos meus reparos invocando o meu suposto sectarismo, mas falha completamente o alvo.
      Já fui eleitor do PS mas não sou do PS. Como tb já fui eleitor do BE sem ser do BE. Nas legislativas que conduziram ao ultimo governo minoritário do PS, votei BE. Pensei que dessa forma iria contribuir para contrariar a deriva de direita que me incomodou durante o governo maioritário liderado por JSócrates, e para a qual tinha contribuído. Mas a verdade é que não houve nenhuma politica do PS que me tenha provocado a sensação de traição que experimentei com o seu contributo enquanto lider do BE para o chumbo do PEC IV.
      Os seus argumentos de principio em defesa do seu voto, fazem-me lembrar os de um estimado amigo quarentão que sonha casar-se e ter filhos mas não se casa porque…..não consegue lidar com a ideia de que a noiva possa não ser virgem e imaculada.
      A politica em democracia faz-se de cedências e de compromissos, não de radicalização de princípios, por muito razoáveis que sejam, como bem se viu recentemente na Grécia. Não me parece que vc tenha percebido isso. Não lhe perdoou o contributo que deu para o avanço da direita. E lamento que, à semelhança de outros, tb vc se apresente com um discurso de quem nunca tem dúvidas e nunca se engana.

    3. Pois é, estamos em desacordo. Mas tem que ter uma certeza sobre mim: nunca trai nem nunca trairia a confiança dos eleitores aprovando privatizações, cortes no SNS e nas pensões e redução do apoio aos desempregados, ou “expulsão” dos inquilinos, como se propunha no PEC4. Preferia que eu tivesse apoiado essas políticas. É a sua escolha. Lembre-se só que o argumento do PS é que o Pec4 tinha sido aprovado pela Merkel; resulta estapafúrdio pensar que pudesse ser negociado com a esquerda, o que aliás Sócrates sempre recusou. Insistir em que o PS não devia ter ido a eleições (e não tinha que ir) quando escolheu ir a eleições, isso é que me parece argumento de alguém que nunca se engana e raramente tem dúvidas.

  6. Quem estiver disposto a dar o seu voto à coligação deveria ter consciência que o plafonamento proposto a descapitaliza na medida do alívio mais ou menos moderado que irá proporcionar apenas àqueles que auferem rendimentos maiores, sobrecarregando os restantes se se quiser assegurar o mesmo nível de protecção na velhice no futuro, e permitindo a esses mais afortunados direccionarem para a sua própria reforma o que antes pagava a reforma de todos. E seria importante que quem está disposto a confiar o seu voto ao PS tivesse consciência de que irá viabilizar trajecto que apenas difere do anterior na porta escolhida para iniciar o assalto. A fórmula escolhida pelo PS para aumentar o consumo sem sacrificar os Belmiros que com eles no poder poderão continuar a enriquecer pagando salários de miséria também descapitaliza a Segurança Social e também permite àqueles que auferem rendimentos mais elevados canalizarem para a sua própria reforma o que antes se destinava a pagar a reforma de todos: ao contrário de todos os que vivem cada mês a contar todos os tostões, para os quais cada euro a mais será consumido integralmente, a partir de certo nível de rendimento e de forma crescente começa a haver capacidade de poupança, poupança essa que aumentará com a redução do desconto para a Segurança Social, poupança essa que garantirá a própria velhice, e apenas a própria. Resumindo: venha o diabo e escolha. O diabo, porque nós não somos obrigados a escolher nenhuma das duas soluções finais para a SS.

  7. Um PAIS pobre com tantos portugueses à imigrarem e um governo armado em Rico so para receberem mais dinheiro da Europa politicos patetas seja de direita ou esquerda , portugueses abrem os olhos nao se deixem enganar basta ver n’a televisao esse parvo de Marcelo rebelo de Sousa armado em esperto mentirosos e leva para casa 11000 euros

  8. Que me perdoe o Dr. Louçã, mas continuo a defender que o chamado plafonamento da pensões é uma medida interessante e capaz de contribuir para a sustentabilidade da SS.
    Limitar a pensão máxima um valor algures entre os 2 e os 3 mil euros, permitia uma reforma digna a qualquer pensionista (na Suiça a reforma máxima pública é de cerca de 2.000€uros) e seria uma medida com impacto positivo na sustentabilidade da SS.
    Com efeito, sendo, conforme as estatísticas o confirmam, as classes sociais com mais altos rendimentos, aquelas que apresentam uma longevidade significativamente maior, são as pensões de valores mais elevados aquelas se são pagas durante muitos mais anos.
    Pelo contrário, e porque as pessoas com pensões mais baixas, infelizmente, mercê das “agruras” da vida, do menor acesso aos cuidados de saúde, etc., por norma vivem menos anos, sendo, consequentemente, as pensões mais baixas pagas durante menos tempo.
    Existem estatísticas que permitem quantificar as pensões por escalões e longevidade dos pensionistas, mas isto não interessa aos previlegiados….

    1. Como viu, o estudo do PSD na sua proposta de 2007 é que essa sustentabilidade seria prejudicada por um buraco de mais de 20.000.000.000 euros e que seria necessário emitir mais dívida pública. Palavra de PSD.

  9. Disparar certeiro. Cortes nas despesas que se justificam: – DEVE PORTUGAL ABOLIR AS «FORÇAS ARMADAS»?

    «O orçamento da Defesa prevê uma despesa total consolidada de 2.216,1 milhões de euros, representando um acréscimo de 1,8% face à estimativa de 2014, segundo o relatório da proposta de Orçamento do Estado para 2015 […] As despesas operacionais e com o efectivo militar dos três ramos das Forças Armadas representam 77,8 por cento da despesa total para 2015, no total de 1.729,4 euros.» Fonte: http://www.ionline.pt/284903, (15/10/2014).

    «Claro que, de barato, e para que fique barato, pode qualquer estado decidir desembaraçar-se das suas forças armadas, e ficar equipado apenas com polícias. Historicamente, alguém pagará pela opção, mas essas são outras contas. O que não se pode é manter forças armadas de ficção, às quais se cometem mais missões e responsabilidades, mas com cada vez menos meios.» Nuno Rogeiro, JN, (27/08/2010)

    Austeridade, Impostos, TSU, Segurança Social, Portagens, encerramento de serviços públicos etc… tudo são formas de “mexer” no bolso dos cidadãos, exigindo mais contribuições e obrigações e deveres… e, cada vez menos “direitos” – no acesso à educação, saúde, justiça e protecção social. Como tal, importa que existam vozes esclarecidas que tornem numa linguagem acessível ao cidadão comum, a sofisticação engenhosa das fórmulas dos cálculos dos tecnocratas e o linguarejar dos agentes e promotores políticos, que frequentemente vendem más reformas, penalizadoras para o contribuinte, como boas e responsáveis políticas sem soluções alternativas – estimo, mais uma vez, Francisco Louçã por esse importante contributo neste blog.
    No entanto, por desencanto ou realismo, por vezes fica-se com a sensação de que andamos a disparar contra os pardais, que voam sobre seara, e nem consideramos a forma como mal guardamos as sementes e repartimos o pão.
    Desde a Antiguidade aprendemos que as sociedades mais prósperas são aquelas que produzem “excedentes” – que, em tempo de paz, dinamizam o comércio externo e servem de sustento interno à formação de elites políticas e intelectuais, mais as classes ociosas mais ou menos criativas, na divisão clássica do trabalho; e, em tempo de guerra, alimentam os exércitos. Uma sociedade que produz “excedentes”: cresce e prospera! Ao contrário, uma sociedade que não produz “excedentes”, tornada exígua ou hipossuficiente (derivando neste comentário para uma linguagem provocatoriamente “malthusiana”!) está sujeita à degradação das condições de vida (cujo ajuste demográfico, na antiguidade, se fazia pela via implacável da mortalidade: entre “pestes”, “epidemias” mais as “guerras” motivadas pela disputa ou domínio dos escassos recursos, juntando-se ainda os “exôdos” das populações em debandada) e do agravamento da dependência em relação ao exterior que, em última circunstância, determina a sua existência enquanto comunidade autónoma ou nação soberana. Há, portanto, decisões e escolhas que, na oportunidade de cada época ou geração, tem de ser ponderadas.
    Na teoria económica, o “conflito de decisão” clássico opõe a escolha entre “manteiga” ou “armas”. Ou seja, gastar mais em “armas” significa menos recursos disponíveis para produzir “bens de consumo” – ainda que logo se argumente que dispor de armas seja relevante à protecção (ou expansão) dos pastos, das vacas, dos donos das vacas e da produção de manteiga! É claro que historicamente o equipamento e sofisticação dos exércitos incentivou a inovação técnica e científica e dinamizou certas indústrias – mas isso são as contas de outros ganhos colaterais e contrapartidas (quando as houve) à despesa pública na fabricação de armas e fornecimento de apetrechos, motivados pela fidelidade da Defesa.
    – Ora, fará sentido Portugal dispor nos dias de hoje de Forças Armadas regulares, com os gastos que isso implica (carreiras militares, mais os custos operacionais (juntos, 80% do orçamento!), mais importação de equipamento altamente sofisticado em submarinos, helicópteros, tanques, etc.), quando a escassez dos recursos elege outras necessidades mais urgentes e que mais directamente afectam a qualidade de vida, e a própria sobrevivência, a prazo, dos portugueses?
    – Fará sentido falar em «Defesa Nacional» quando:
    a) a participação na CEE/UE trouxe um novo quadro de Paz dentro da Europa, diluindo a fronteira com o principal “inimigo” ou “rival” histórico e que hoje é um importante aliado – a Espanha;
    b) o fim do Império e a Independência das Colónias veio extinguir o desígnio estratégico do conquista, domínio e defesa dos territórios ultramarinos;
    c) a evidência de que Portugal não dispõe de meios próprios e de recursos tecnológicos capazes – e que a defesa do território depende do apoio ou aliados externos, nomeadamente da participação na UE ou ainda da NATO;
    d) o posicionamento de Portugal perdeu relevância geoestratégica no acesso ao Atlântico, junto dos seus aliados, como o demonstram o menor interesse dos EUA pela Base das Lajes e a manutenção do comando de Oeiras pela NATO;
    e) a proposta (embora longe de aceite ou consensual) para a criação, a prazo, de um «Exército Único Europeus», e que a ser concretizado deve provir directamente das dotações orçamentais da União;
    f) ou, ainda, que o “prestígio” externo do país poderá melhor ser granjeado cultivando uma posição de “neutralidade” (ex. Suiça) e no empenho na promoção e mediação da Paz; etc.
    Depois, como bem observa Nuno Rogeiro, há a questão da “modernização” das Forças Armadas – de resto imprescindível à participação de Portugal em “missões”, de guerra ou paz, para as quais por dever, honra ou prestígio nacional é convocado. Ora, entre a “ficção” de “ter” e a realidade de “não ter” – deve impor-se racionalmente esta última.
    É a tal escolha que tem de ser feita entre comprar “armas” ou produzir “manteiga”. Ou, numa linguagem mais acessível, desconcertante e prosaica, a escolha de num dado momento se comprar submarinos à Alemanha, para depois, sem outras contrapartidas, aumentar impostos e cortar nas pensões para pagar a dívida!

    Neste sentido, a atitude mais pragmática na publicidade útil ao corte das despesas do Estado – antes de mexer na Segurança Social! – seja convocar os portugueses a manifestarem-se em REFERENDO sobre a pertinente questão: – CONCORDA COM A ABOLIÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS REGULARES?
    O que equivale, implicitamente, conduzir os portugueses a tomar uma opção: pretende manter a “ficção” de que as Forças Armadas ainda servem a “Defesa Nacional”, continuando a contribuir para uma instituição ultrapassada, ou pretende garantir melhor «Protecção Social» para a as famílias, garantindo a preservação do Estado-social.

    Mas, poder-se-á retorquir: – Será que desprovido de Forças Armadas o país ficaria desprotegido?
    Não necessariamente! Parte dos recursos despendidos na Defesa poderão melhor ser empregues no reforço da SEGURANÇA INTERNA:
    1. POLÍCIAS – Já nos habituámos às suas queixas e reivindicações. Sim, melhores forças policiais, com mais efectivos, viaturas e capacitação – da PSP e GNR à Polícia Marítima, dos Serviços de Inteligência à PJ – é possível!
    2. PROTECÇÃO CIVIL – Todos os anos o país vive um verdadeiro “combate” contra os incêndios florestais. E, todos os anos se lamenta a escassez de recursos e meios – por cima dos milhões de euros literalmente queimados! Enquanto isso, os «militares» estão entregues ao ócio e aos “jogos de guerra”, inoperacionais, numa demonstração da sua real inutilidade para o país! Vigilância, patrulhamento e até limpeza das florestas (ex. propriedades do Estado e baldios); engenharia e construção de acessos, pontos de água, cartografia, cadastro florestal, outros; disponibilização de meios de combate terrestre e aéreos (ex adaptação de helicópteros); acções de formação, graduação e profissionalização de bombeiros, etc. – tudo isto pode ser melhor feito com a reafectação de recursos da Defesa.
    3 AJUDA HUMANITÁRIA – tomar como desígnio nacional, na promoção da PAZ, Solidariedade e Cooperação internacional, actuar com equipas especializadas em cenários de crise humanitária, motivada por catástrofes naturais ou junto de refugiados.

    ESTADOS SEM FORÇAS ARMADAS REGULARES:
    Há vários Estados que pelo seu tamanho confiam o “protectorado” a Estados vizinhos ou potências militares – ex. Andorra (Espanha, França), Mónaco (França), San Marino e Vaticano (Itália), Liechtenstein (Suiça), Panamá (EUA).
    ISLÂNDIA – membro da NATO, não dispõe de Exército permanente, tendo reforçado as competência da Guarda Costeira e das forças policiais, além de acordos de cooperação com EUA, Noruega e Dinamarca
    (vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7as_Armadas_da_Isl%C3%A2ndia
    COSTA RICA – este país da América Latina aboliu o Exército em 1949, tornando-se num estudo-de-caso de “pacifismo” e “estabilidade política”, num continente marcado por guerrilhas e golpes de estado. As despesas com a Defesa foram reconduzidas para a Saúde e Educação, cujos resultados se verificam na alta taxa de alfabetização e no índice de desenvolvimento humano.
    (Vide: http://www.publico.pt/mundo/noticia/costa-rica-a-felicidade-de-nao-ter-um-exercito-1617064?page=2#/follow )

    SUIÇA – prestigiada pela “neutralidade”, é um caso específico. Possui Exército e a conscrição torna o serviço militar obrigatório. Porém, possui um baixo número de militares efectivos, confiando a defesa nacional à mobilização de “milícias”.
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%A9rcito_Su%C3%AD%C3%A7o
    PORTUGAL – a História da fundação do país começa com a destreza militar de D. Afonso Henriques, “o conquistador”, na emancipação contra Leão e Castela e na cruzada desferida aos Mouros. A rivalidade com Castela/Espanha. A expansão marítima, o Império e o fim da Guerra Colonial – ou até as derrotas, como a queda de D. Sebastião em Alcácer-Quibir – tudo isso dignifica a razão da afirmação heróica do Estado-Nação – Portugal – ao longo de quase 900 anos!
    Do cimo “maturidade” que advém da longa idade que tem Portugal, pergunto: Será que depois de termos feito a Guerra, assimilado as conquistas, erguido e finado o Império, e assimilado finalmente a Paz, ainda precisamos de um Exército para nos afirmarmos enquanto Nação?

    «Onde quer que, entre sombras e dizeres, / Jazas, remoto, sente-te sonhado, / E ergue-te do fundo de não-seres / Para teu novo fado!
    Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo, / Mas já no auge da suprema prova, / A alma penitente do teu povo / À Eucharistia Nova.
    Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido, / Excalibur do Fim, em geito tal / Que sua Luz ao mundo dividido / Revele o Santo Gral!» – Fernando Pessoa, Mensagem / O Desejado

  10. Faz tempo que quem está atento, sabe, que andam atrás do “pote” dos fundos da SS, (onossonaoodaalamona), para se lambuzarem. E tudo farão para meter a mão nas restantes toneladas de ouro. Não foi à toa que aumentaram o endividamento nacional! Se os “tugas” voltarem a ir na conversa, até os PECs que juraram combater, irão ressuscitar. Basta que pensemos no tempo que gastam a falar do “socas” e nas “manigancias” que até hoje, (eaolongosdos4anospublicaram) ou copiaram dele! Podemos ter de aguentar muito mais. É bom que nos preparemos para o pior! À Grécia, até de, mendigosdesalojadoserefugiados, a encheram. Estava tudo programado mesmo antes dos “esquerdistas” terem chegado ao poder!

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