O Jornal de Negócios num artigo publicado há dois dias intitulado “Como vai a dívida da Fosun aumentar os lucros da Fidelidade?” explica que “O conglomerado chinês está preocupado com a rentabilidade da seguradora portuguesa. Mas já tem solução: diversificar investimentos, incluindo dívida da própria Fosun.”
A assim anunciada operação de diversificação de investimentos na Fidelidade, determinada pela Fosun, tem algumas semelhanças à que o Grupo Espírito Santo (GES) fez na Tranquilidade. De facto, também a Tranquilidade – de acordo com o regulador (ISP) – adquiriu, sobretudo a partir de Abril de 2014, cerca de 150 milhões de euros de dívida comercial de sociedades do GES. Contudo, no caso GES, essa dívida comercial entrou em incumprimento pouco tempo depois, com a falência de diversas sociedades desse grupo, resultando em perdas, previsivelmente, totais para a Tranquilidade.
Não estando a sugerir que isso venha a ocorrer com a Fosun, parece todavia uma situação em que ocorre um conflito de interesses entre o accionista (a Fosun) e a aplicação de uma significativa parte dos activos da companhia, que são meramente geridos pelo accionista.
A Fosun pagou 1100 milhões de euros pela Fidelidade. A Fidelidade tem activos de cerca de 12 mil milhões de euros (cerca de 6 vezes a dimensão da Tranquilidade). Esses activos não são todos da Fosun. Destinam-se em larga medida a pagamentos a segurados quando ou se necessário.
Daí que as regras de supervisão – nos seguros, como na banca[1] – deveriam ser tais que impedissem esses grupos de utilizar os activos das empresas que controlam para adquirir dívida de quaisquer empresas relacionadas com o accionista. E deveriam, na sequência do que ocorreu no BES, no BPN e na Tranquilidade, reforçar os cuidados e procedimentos existentes na tomada de tais decisões de investimento.
Ou seja, a Fosun não deveria poder utilizar os activos da Fidelidade para comprar dívida da Fosun, nem dívida de empresas relacionadas directa ou indirectamente com a Fosun.
Republicado a 25.6.2015.
[1] Problema similar se colocará, após a privatização do Novo Banco prevista para este verão, mas desta feita em relação à aplicação, pelos futuros accionistas, dos depósitos dos clientes do Novo Banco.
Sem comentar o essencial do seu postal, apenas uma nota de pormenor.
Os ativos de uma seguradora não visam pagar os prémios aos segurados quando e se necessário.
Parte dos ativos cobre um passivo (as chamadas provisões técnicas). Nesse sentido são bens de terceiros.
Outra parte corresponde à margem de solvência mínima exigida à seguradora em função do volume de negócios e do nível de sinistralidade. Dito de outro modo: a seguradora tem de ser suficientemente rica para poder cobrir os riscos que cobre.
Os ativos restantes é que são propriedade livre dos acionistas.
Desculpar-me-á a imprecisão de conceitos (a situação é mais complexa do que aqui digo, mas fica o essencial para a compreensão das garantias financeiras necessárias ao são exercício da atividade seguradora)
Caro José Neto,
Agradeço o seu esclarecedor comentário.
Reescrevi com maior precisão o que pretendia afirmar: refiro-me agora não a todos, mas a uma parte significativa desses activos. E indicando que parte dos activos se destinam a pagamentos a segurados quando “ou” se necessário. Parece-me, mas corrija-me por favor se estiver errado, que tanto as provisões técnicas como a margem solvência mínima se destinam a tais fins.
“A Fidelidade investiu no ano passado cerca de mil milhões de euros de títulos de dívida emitidos pela Xingatao Assets Limited, um veículo detido pela sua maior acionista, a Fosun, que tem como finalidade captar financiamento. A emissão de dívida de longo prazo por parte desta sociedade controlada pela empresa chinesa faz parte do reforço das fontes de financiamento para poder sustentar uma política de aquisições agressiva.” (1)
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“Company Overview
Xingtao Assets Limited is a debt issuing vehicle. The company is headquartered in British Virgin Islands. Xingtao Assets Limited operates as a subsidiary of Fosun International Limited.” (Bloomberg)
– http://www.taxjustice.net/2014/01/22/china-leaks-bvi-became-chinas-tax-haven-choice/
http://www.icij.org/offshore/leaked-records-reveal-offshore-holdings-chinas-elite
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“O conglomerado chinês tem vindo a financiar uma onda de aquisições internacionais com base sobretudo em dívida cujo valor atingiu 16,7 mil milhões de dólares (15 mil milhões de euros) no final de 2014. Esta política tem acendido luzes de alerta nas agências de rating que seguem a Fosun. Desde 1992, o grupo terá investido cerca de 31 mil milhões de dólares em aquisições e fusões, de acordo com dados da Thomson Reuters. Na calha estão novos investimentos da ordem dos sete mil milhões de dólares (6,2 mil milhões de euros), onde se incluem o Novo Banco e a sociedade imobiliária da Morgan Stanley na Austrália.” (1)
“Moody’s warned explicitly in May of the risk of a downgrade if Fosun maintained its aggressive, debt-funded growth.
Fosun’s financial profile has remained weak because of its large debt-funded investments. Its investments have exceeded its internally generated cash. For instance, its recurring ebitda is barely enough to cover its interest expenses and tax payments,” the May report said.”(2)
1- http://observador.pt/2015/06/04/fidelidade-investiu-mil-milhoes-em-divida-do-acionista-chines/
2- http://www.scmp.com/business/companies/article/1566929/fosuns-debt-fuelled-shopping-spree-worries-analysts
Concordo consigo que deve ser limitado até para controlar o risco sistémico, mas atenção que esta estratégia é praticada pelo mundo todo. Exemplo: Berkshire Hathaway Inc.e a GEICO. AXA e a BNP Paribas também tinham um acordo desse tipo até há pouco tempo.