Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

11 de Junho de 2015, 08:31

Por

Tratado Transatlântico a todo o vapor?

Com António José Seguro, o PS foi o primeiro partido de oposição na Europa a aprovar o Tratado Orçamental. E, assim, Portugal foi o primeiro país da Europa a aprovar o dito cujo. Servia então à campanha eleitoral de Sarkozy e confirmava a reverência europeia dos partidos como o PSD, CDS e PS.

Três anos depois, o PS é o primeiro partido a inscrever no seu programa eleitoral a aprovação do tratado que institui a Parceria Transatlântica (TTIP), entre a União Europeia e os Estados Unidos. Porquê a pressa, perguntarão os leitores com boa memória? Pois a pressa é muita, porque é preciso fechar este dossier e já há dois milhões de europeus que assinaram um manifesto contra este acordo.

Apesar disso, Martin Schultz foi ontem obrigado a adiar a votação no Parlamento Europeu, recorrendo a um truque regimental inabitual, simplesmente porque temia que fossem aprovadas alterações substantivas, que poderiam inviabilizar as negociações. Para desgosto dos socialistas atlantistas – de que Vital Moreira tem sido um arauto inesquecível – a Parceria ainda não foi aprovada e não vai ter vida fácil.

Do lado da aprovação, estão interesses económicos poderosos. A Parceria institui uma relação de mercado (um pouco mais) aberta entre os dois principais blocos económicos mundiais, com vantagem para algumas exportações europeias (em alta tecnologia) e norte-americanas (em produtos de baixa tecnologia mas agora isentos de condicionalismos). E com vantagem para as multinacionais, dado que lhes assegura um seguro de investimento que exigiam há muitos anos: um governo que tome medidas que as prejudiquem pode ser punido em tribunal, mesmo que essas medidas sejam a definição de regras ambientais ou de protecção do consumidor, ou outras. Ou seja, o mundo fica mais plano para a acumulação predadora.

A segunda grande razão para esta pressão para a aprovação rápida desta Parceria é o interesse estratégico dos Estados Unidos. À cabeça da potência dominante, a administração Obama tem-se envolvido em sarilhos crescentes: o Médio Oriente está intratável, os seus aliados militares apoiam o Exército do Estado Islâmico, a Rússia fez-lhe frente na operação ucraniana e, pior do que tudo, a China tem avançado no Pacífico, em África e na América Latina (e na Europa, veremos por exemplo quem vai ficar com o Novo Banco).

Esta parece ser a preocupação prioritária. A China criou o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), condenado por Obama, mas isso não impediu a Alemanha, França, Reino Unido, Nova Zelândia, Singapura, Tailândia e muitos outros países (mesmo Portugal) de se inscreverem na operação. O interesse é óbvio, porque o cálculo do valor de novos investimentos na Ásia é esmagador: 8 triliões de dólares entre 2010 e 2020, dos quais dois terços em novas estruturas, com 51% em electricidade, 29% em estradas, 13% em comunicações. Negócios para todos. Acresce ainda que a China tem as maiores reservas de divisas do mundo e só pode ser levada a sério.

Para responder à capacidade de iniciativa chinesa, Obama procura um acordo com o Japão para uma Parceria Transpacífica (TPP), envolvendo países que representam 40% do PIB mundial mas excluindo a China. Só que as negociações com os representantes japoneses estão difíceis, por causa de desacordos sobre exportações de produtos agrícolas e de automóveis.

Mais uma razão, então, para que Obama queira fechar já o acordo com a Europa, para reforçar o controlo de mercado sobre as mais importantes zonas económicas do mundo. A União Europeia mobilizou a sua diplomacia no mesmo sentido e, para o facilitar, os diversos Estados delegaram na Comissão a sua representação na negociação. Evitavam assim os percalços criados por legislações nacionais demasiado exigentes, esperando depois a submissão de todas as regras a este tratado. Para já, a coisa não correu bem em Estrasburgo e aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.

Mas, em Portugal, já sabemos com o que podemos contar. O PS apoiará o que o PSD e CDS fizeram no governo para garantirem que a Comissão Europeia, em nome de todos, acorde com os Estados Unidos uma grande operação de liberalismo entusiástico. Para os que se lembram de um PS “europeísta”, apresenta-se agora um PS regressado ao “atlantismo”. Afinal, quem manda no mundo manda mesmo e o que tem que ser tem muita força.

Comentários

  1. Pingback: Adeus, TAP | PINN
  2. Numa busca por TTIP no motor de busca do Publico.pt, há 6 entradas no ano de 2015 (e já vamos a meio do ano), sendo que 4 são crónicas, havendo apenas duas notícias sobre o assunto, nos dias 8 e 9 de junho. Ou seja, até ao último dia 8 o Publico.pt apresenta zero (!!!) notícias sobre o assunto em 2015. Eu não acredito em bruxas, mas…

  3. O Tratado Transatlantico significa a destruição total dos direitos dos mais fracos, nomeadamente os trabalhadores por conta doutrem como também da soberania dos próprios estados assim como a democracia dos cidadãos. É a LEI DA SELVA. Esperemos que os estados da Europa se lhe oponham.

  4. O processo de avançada negociação do Grande Tratado Transatlântico ” União Europeia/United States of America beneficiou ” de medidas excepcionais nos últimos meses do consulado de Durão Barroso à frente da Comissão Europeia. Mais uma vez,o lusitano distinguiu-se por um excesso de zelo monumental. Et pour cause: Barroso precisa de ” agradar ” aos USA para encontrar novo Job internacional. Mesmo se o futuro da União- nos seus sectores agricolas de Saúde e Educação, principalmente- ficarem sugeitos a uma concorrência demencial, sem limites e totalitária da parte dos empresários yankees, com a instauração da regulação dos diferendos comerciais, ou ISDS, que arraza toda a jurisprudência protectora do Mercado Único Europeu… Os USA manipulam uma rede gigantesca de 58. 800 filiais de empresas e serviços na Europa, principalmente na UE. As medidas ultra-liberais que estruturam o Tratado Transatlântico irão criar, caso não sejam discutidas e controladas, o fim da qualidade alimentar, sanitária e educacional da Europa. Merkel também acicatou Barroso para negociar na sombra dos gabinetes de Bruxelas. O ECIPE( Centro Europeu de Economia Politica Internacional) divulgou um estudo recentemente em que sinalizava as baixissimas repercussões do Tratado nas economias dos dois blocos, do crasso e inacreditável nivel de 0,06 por cento no Pib comunitário, sobretudo só a partir de 2029.

  5. Ao citar MARCELO CAETANO enveredarei pela via do politicamente “incorreto”. Primeiro, dado o anacronismo, pois já passaram mais de 40 anos sobre a Revolução de Abril, depois, porque Caetano é daquelas “vis” figuras “derrotadas” que ficam para a história – nem glorificam o velho regime finalmente derrotado, e menos servem o novo regime que as substitui e condena… Mas vale a pena recordar aquela célebre frase pronunciada no exílio que ficou como vaticinio para o futuro:
    “Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar a falar de independência nacional. Para uma Nação que estava a caminho de se transformar numa Suiça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o Sol, o Turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em massa” […] “Veremos alçados ao Poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a presidentes de câmara, deputados, administradores, ministros e até presidentes de República”.
    As palavras de Caetano, em tom ressabiado, afiguram-se estranhas – nem tanto pela postura anti-democrata, prognosticando o mau augúrio da decadência das “virtudes políticas” em razão da queda da suposta superioridade moral que representava o Estado Novo, na defesa abnegada dos valores da Nação – antes, por querer comparar o aparente “isolamento” de Portugal (sujeito a pressão internacional pela posição colonial) à “neutralidade” respeitável da Suíça!
    E daqui outra pertinente questão – o que andaria a cogitar o então Presidente do Conselho nas vésperas da Revolução, tomando a Suíça como referência, numa altura em que o Reino Unido rumava à CEE – deixando para trás a EFTA que fundara e dinamizara?
    Ora, é sobre o papel que a EFTA ainda poderá vir a desempenhar na Europa (Portugal, sublinha-se, foi membro fundador, em 1961) que trata este comentário. Chegados ao presente, um dos erros de apreciação da política externa é a tendência para se ignorar a relevância da EFTA na construção da integração europeia. A EFTA (hoje Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia), porém, não só não morreu como poderá vir a readquirir um novo estímulo com o interesse da reaproximação britânica – e isto explica-se pela preferência do Reino Unido por um modelo de integração europeia do tipo “confederal”, fundamentado nas relações “intergovernamentais” entre Estados, em vez da opção tendencialmente “federalista” da UE. Outros países como Dinamarca ou Suécia – ex-EFTA, e não-aderentes ao Euro – poderão, de outra forma, ser chamados “a prazo” a pronunciaram-se sobre a sua participação na UE – e o futuro da Europa.

    Além disso, a Confederação Suíça e a Noruega são para o mundo bons exemplos de desenvolvimento, democracia, preservação da soberania nacional e de cooperação internacional. Ao preservar a estrutura da EFTA, unidos, estes países pretendem ainda ter maior peso negocial nas relações desproporcionais com a UE.
    Notícias recentes dão ainda conta do bom momento negocial entre a EFTA e o Mercosul ou a Turquia – apresentando-se dessa forma, (apesar da dispersão geográfica dos 4 Estados-membros) como um importante “bloco” económico europeu, fora e/ou alternativo à UE, a levar em conta.

    Posto isto, coloca-se a derradeira questão. Trocar a EFTA pela CEE pode parecer-nos lógico – e uma melhor opção, dada a amplitude do “mercado-comum” que nos é geograficamente contiguo. Porém, os pressupostos da “integração europeia” foram substancialmente alterados com a formalização da União, mais a adesão ao Euro (também aqui por imposição do PS e PSD – sem convocação de Referendo, como se exigiria a um regime verdadeiramente democrático!)… Uma vez perdido o “espírito” comunitário, pacífico e solidário da CEE… Está na hora de repensar ao lado de quem – de que valores europeus e em que tipo de Europa – Portugal quererá participar e melhor convergir!

    HÁ MAIS EUROPA PARA LÁ DA UNIÃO EUROPEIA! E HÁ MAIS MAR AO ATLÂNTICO!

    EFTA – TURQUIA: http://www.tax-news.com/news/EFTA_Turkey_Make_Headway_On_Upgraded_FTA____68310.html
    EFTA – MERCOSUL: http://www1.valor.com.br/brasil/4087954/mercosul-e-associacao-europeia-discutem-acordo-comercial

  6. Entre um acordo de comercio com os EUA e os trilões de barcos carregados até ao tutano de tralhas chinesas que chegam todos os dias a portugal sem pagar impostos, sem inspeções, sem regulação nenhuma, que venha o diabo e escolha.
    Mando vir uma porcaria qualquer da china chega cá por tuta e meia sem pagar alfandega
    Mando vier um produto dos EUA levo uma ripada catastrófica da alfândega.

    1. Suponho que sabe que muita conversa de café não faz uma verdade. O que escreve não tem qualquer fundamento em factos.

  7. Caro Francisco Louça,

    faltou ainda referir o secretismo em volta das negociações, que parece ter como objectivo evitar uma onda de contestação por toda a Europa. Um paradoxo, para o auto-intitulado “Mundo livre”.

  8. Prezo que tenha trazido a público esta problemática. Parece que a natureza humana tem uma tendência muito forte para não aprender com os seus erros no que toca à sua organização económica. Passados meros 7 anos da eclosão de uma crise que ainda hoje projeta as suas consequências em grande parte do planeta, eis que a filosofia que esteve na sua origem volta a imiscuir-se sorrateiramente para um novo assalto. A oposição a este novo esquema já é muito forte nos EUA com Bernie Sanders e Elizabeth Warren a liderar as hostes. Na Europa já se nota uma centelha de revolta. E com cidadãos atentos como o Sr. Prof. Louçã Portugal não deixará de levantar a sua voz. Parece que a luta contra o “establishment” irá tornar-se ainda mais acérrima.

  9. É realmente vergonhosa a figura subserviente que a Europa tem feito neste caso.
    Essencialmente estamos a trocar aquilo que distingue a Europa como exemplo, nas questões dos direitos humanos, da igualdade de género, das preocupações ambientais, dos direitos laborais e todos os outros avanços civilizacionais que resultam da longa e conturbada história da Europa, pela promessa de trocas comerciais mais fáceis com um parceiro que tem revelado ser um “bully” e tem demonstrado um enorme desprezo por todos os aspectos mencionados.
    Tem sido notória a tentativa desesperada de convencer os cidadãos europeus de potenciais benefícios deste TTIP, veja-se o “ingénuo” artigo de Franscisco Assis aqui no Público ou outros dois ou três publicados recentemente, sempre com perspectivas mais ou menos pacificadoras das preocupações que alguns (infelizmente poucos) vão levantando.
    A verdade é que este TTIP é uma ameaça aos mais básicos princípios que fazem da Europa o que ela é e, mais grave ainda, aos direitos dos cidadãos europeus.
    E se mais provas de tal fossem necessárias que aquelas que têm vindo a público, o simples facto de que as “negociações” estão envoltas em secretismo deveria ser suficiente. Por que será preciso esconder dos cidadãos algo que lhes traria vantagens?
    Este TTIP pode ser o maior acordo comercial alguma vez feito no mundo, pode. Mas também pode ser um dos maiores recuos civilizacionais da Europa.

  10. É assim que pouco a pouco se destroem das soberanias Nacionais em favor de de um Governo Mundial exercido pelas grandes Multinacionais e Banqueiros…O poder económico sobrepôe-se ás soberanias nacionais, e por trás de maquinarias financeiras e Comerciais (tal como faz a O.M.C) “discretas” formaliza-se a sentença de escravidão perpétua das populações ao Capital Anónimo Global, os “Sagrados” Mercados cuja lógica perversa do Capitalismo mais selvagem que todos estamos obrigados a submeter-nos.

    O inimigo das populações, (os donos disto tudo) esconde-se no anonimato da Finança e dos Mercados em elaborados sofismas manhosos, que as massas assumem como verdades incontornáveis.

    Obviamente, a banca privada e muito particularmente o processo de criação de dinheiro nas mãos da mesma, é uma forma institucionalizada de expropriação, gigantesca fraude, massivo roubo e esvaziamento total da riqueza e soberania das populações em benefício da Banca e da Finança Global.

    É o que dá oferecer-lhes o soberano poder (á Banca privada), comungados com os respectivos Bancos Centrais independentes o privilégio de criar dinheiro do nada através do crédito concedido a todos nós os devedores que o temos de transformar em trabalho e bens que temos depois de lhes devolver com juros acrescidos…..Este poder totalitário foi dado á Banca privada e aos Bancos Centrais, que constituem um círculo fechado independente, que eles utilizam em proveito próprio, assumindo-se assim como donos do dinheiro que circula na Economia, logo, donos de todos nós.

    Para além desta “varinha mágica” multiplicadora do Capital financeiro á custa de todos nós, ofereceram-lhes outro fantástico presente, que é os Estados financiarem-se na banca privada, em vez de se auto financiarem, escravizando-os aos juros e uma dívida perpétua aos “Sacro-Mercados”….Estabeleceram-se assim as maiores fraudes a que a Humanidade se deixou submeter.

    Enquanto estas realidades não mudarem (e não mudarão), seremos simples marionetas nas mãos de “meia dúzia” de Psicopatas Parasitas Mundiais.

  11. Amigo Louçã,
    Para quando um comentário às propostas do Bloco?
    E um comentário a este discurso do Varoufakis?
    http://yanisvaroufakis.eu/2015/06/09/greeces-future-in-the-eurozone-keynote-at-the-hans-bockler-stiftung-berlin-8th-june-2015/
    A mim, que sou leigo, parecem-me propostas bem diferentes uma da outra.
    Talvez a diferença inevitável entre quem sabe que não chegará ao poder e quem, tendo-o alcançado, se vê confrontado com a dura realidade, tentando a todo o custo, apesar disso, manter a coerência.

  12. Afinal para que serve o Clube Bilderberg, senão para isso (agora o vestuto Balsemão vai passar a pasta ao Burroso)?

    “Enquanto os mass media evitam cobrir o encontro Bilderberg, considerando-o apenas um grupo de debates, inúmeros exemplos de poder da organização e seus impactos directos sobre a política global foram documentados nos últimos anos, com diversas acusações de que o grupo é fundamentalmente de natureza antidemocrática.

    Em 2010, Willy Claes, ex-secretário da OTAN e membro do Bilderberg, admitiu que os participantes do grupo são obrigados a implementar as decisões políticas que são formuladas nos encontros.

    Em 2013, o advogado italiano Alfonso Luigi Marra solicitou ao Ministério Público de Roma para investigar as actividades criminais clandestinas do grupo, questionando se a reunião de 2011 foi responsável pela escolha de Mario Monti como primeiro-ministro da Itália. Em 2009, o presidente do Bilderberg, Étienne Davignon, gabava-se que a criação da moeda única da Comunidade Europeia, o Euro, foi uma criação do grupo.” – portugalmundial.com

  13. AJ Seguro .. onde é que já vai .. agora vamos baixar a TSU e aumentar o Orçamento .. faz sentido .. se faltar .. os states enviam para cá aviões que sempre se criam mais 200 empregos na Lajes ..
    e numa fezada até o oil é nacional

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