“Uma década para Portugal”, o relatório ontem apresentado por António Costa e Mário Centeno, é o primeiro esboço do programa eleitoral do PS. Com alguma confusão, porque o texto tanto é “um virar de página” como “não é uma Bíblia”. Em todo o caso, foi galhardamente apresentado e não é um “cenário”, nem uma mera proposta à consideração, é um plano concreto que marca mesmo o começo da campanha eleitoral do PS.
Um plano de horizonte curto e de nome equivocado: o título é “Uma década para Portugal”, mas o plano é só para cinco anos. Evita assim a projecção dos seus números para além de 2019. Mas ainda bem que foi publicado, porque era necessário desde há muitos meses. Espero que os outros partidos façam o mesmo, contribuindo para o debate público e para tornar evidentes as suas propostas, os seus custos e os seus efeitos.
O entusiasmo deslumbrado
O texto desencadeou um eflúvio de entusiasmos. Um jornalista bem preparado, Pedro Santos Guerreiro, normalmente mais contido, foi desta vez impositivo: “Queriam uma política de esquerda, anti-troika e centrada nos trabalhadores? Ei-la, apresentada por um grupo de economistas no Largo do Rato. Nunca o PS foi tão diferente do PSD. Depois disto, António Costa e Passos Coelho nunca poderão estar no mesmo governo”.
Um blog oficialista do PS conseguiu ser mais moderado, mas afinou pelo mesmo diapasão: “O contraste entre o documento do PS e o DEO governamental é significativo. A única coisa em comum é o respeito pelas regras europeias”.
Pedro Lains, analista qualificado, desdobrou-se em parabéns aos autores, declarando mesmo dispensar-se de conhecer o modelo: “Faltava a encomenda, que em boa hora chegou. Já li, já gostei e gostei do conteúdo eminentemente político, assim como da forma política como foi apresentado. Tão político que nem peço para ver o modelo formal, que um dia deverá ser depositado em lugar público. Parabéns, é a palavra certa”.
Lains tinha gritado uns dias antes a sua angústia a propósito do ultraje que representa a proposta do governo para a redução da TSU patronal, porque “a descida da TSU beneficia sobretudo as maiores empresas, aquelas que mais aparecem nas fotografias do Governo”. Nesse texto criticava o silêncio do PS e exigia uma alternativa ao disparate da redução da TSU patronal: “Entretanto, o PS não reage ou reage com pouca força. Um discurso aqui e outro ali não chegam. É preciso uma equipa a repetir o sentimento de ultraje relativamente à medida proposta. O tempo dos estudos, dos ‘modelos’, está a acabar. São precisas vozes. Juntem-se, falem em conjunto, repitam a mesma palavra sempre que são ouvidos, a ver se a mensagem de ultraje não passa para cá. Sem isso, o Governo não deixa de fazer a agenda. Eles têm equipa, naturalmente. Queremos uma – e só uma – no maior partido da oposição. E não é pedir muito. Afinal, trata-se de saber que governo alternativo propõem, quem são as pessoas que lá vão pôr, quais são as ideias que essas pessoas têm para o lugar que querem conquistar. A normalidade democrática é isso mesmo. É demais, esta coisa da TSU, novamente. Se não for desta que ouvimos vozes de ultraje generalizado, será quando?”.
Quando o PS rompeu o silêncio e apresentou as suas propostas, terá Lains reparado que o relatório, tão cheio de parabéns e cujo modelo nem precisa de ser lido, propõe precisamente a redução da TSU patronal, sem que isso o ultrajasse?
O facto é que, uns por terem lido e outros por não terem lido, muitos correram a felicitar o relatório e o seu relator, Mário Centeno, bem como a iniciativa patrocinada por António Costa. No Expresso, Henrique Monteiro foi talvez a única excepção e concluiu, com algum prazer, que esta escolha do PS é um corte com a esquerda, “um corte claríssimo a partir deste documento”. Em contrapartida, o DN garante que “o PS encosta à esquerda”. Em que ficamos então? “Uma política de esquerda, anti-troika e centrada nos trabalhadores”, “encosta à esquerda” ou faz um “corte com a esquerda”?
É o que vou discutir de seguida, apreciando primeiro a escancarada ideologia do documento, depois as suas medidas concretas e, finalmente, avaliando a sua viabilidade.
A ideologia do mercado
O relatório (com as suas propostas) é claramente ideológico. Isso pode ser bom ou mau, ideias são sempre precisas e ainda bem que são apresentadas com clareza. Mas o que escreve não é o que estamos habituados a ler ou a ouvir, nem sequer no PS. Há um deslizamento para posições que o leitor ou a leitora apreciarão por si.
Primeiro exemplo, a função do Estado. Ouviu falar do Estado regulador, do Estado estratego ou de investimento público? Esqueça tudo. O texto, logo quando apresenta os seus objectivos, afirma que se pretende “Reforçar a credibilidade e a qualificação do Estado concentrando‐o nas suas funções exclusivas de soberania (funções soberanas, regulação, salvaguarda de interesses estratégicos nacionais) bem como nas de prestação de serviços com relevância para a sociedade (educação e saúde) e no seu insubstituível papel de redistribuição de riqueza e proteção contra os riscos” (p.9). Investimento público? Nada. Porque “na actual conjuntura os meios de que se pode dispor são extremamente limitados” (p.27).
Estado estratego? Nem vê-lo. Não há no relatório nenhuma estratégia para conduzir ou influenciar a economia e, por isso, a direita que ontem o criticou não tem razão: não há qualquer regresso aos modelos de investimento em infraestruturas de José Sócrates, nem qualquer outro e diferente investimento estratégico. Esqueçam mesmo a herança do governo Sócrates ou qualquer alternativa para investimento público qualificante. De facto, o relatório propõe a continuação da redução significativa do investimento do Estado, seguindo Passos Coelho.
Segundo exemplo: ouviu falar em crítica aos despedimentos e à ignomínia da política de promoção do desemprego? Esqueça tudo. Já nem há despedimentos, há simplesmente “separações entre empresas e trabalhadores” (p.10).
Terceiro exemplo: ouviu falar de crítica à desvalorização interna, ou seja, ao corte nos salários por via da prepotência das políticas governamentais e da troika? Esqueça esse detalhe. É o mercado que se “ajusta”: “Importa ainda destacar que, ao contrário do que é frequentemente referido, o mercado de trabalho revela capacidade de ajustamento dos salários, registando-se no período mais recente reduções de remuneração nominal na ordem do 20% quer por via dos novos contratos quer dos trabalhadores que permanecem” (p.20).
Quarto exemplo: ouviu falar de recuperação dos contratos colectivos, do valor da negociação e do compromisso? Dispensável, o contrato colectivo já só deve servir para os que recebem salário mínimo (que são precisamente os que têm o salário fixado por lei e não por contrato): “Somente para os trabalhadores que auferem o salário mínimo a contratação colectiva tem algum impacto e este deve ser acautelado” (p.21.)
Quinto exemplo, os despedimentos na função pública chamam-se “racionalização de efectivos” (p.64). Onde é que já ouviu isto?
Sexto exemplo, este de uma ideologia bizarra, porque dificilmente se entende o que quer dizer: o documento defende a “criação de um sistema de relações laborais mais justo, porque protege a rotação dos trabalhadores” (p.34), sendo que noutras páginas se critica precisamente o excesso de “rotação” dos trabalhadores. Resultado de umas páginas serem escritas por um e outras por outro, tudo passado a pente fino pela ideologia.
É o mercado, meus amigos. Nunca o PS escreveu, em particular sobre o “mercado de trabalho”, um texto tão acentuadamente liberal na ideologia e liberal na política.
O que lá não está
Dirão os leitores mais desconfiados com a inclinação política ou económica deste cronista: lá está ele a pegar por frases ou ideias, o que importa é o que o PS quer fazer e vai fazer, acabar com a austeridade. Uma beleza. Terá razão o protesto, porque importa mesmo o que se faz mais do que o que se diz. Vamos então ver a política concreta do relatório. Começo pelo que lá não está, antes de verificar o que está.
Os funcionários públicos esperavam as 35 horas? Nada. Esperavam a devolução dos dias de férias? Nada. Esperavam a restituição do valor do salário? As decisões do Tribunal Constitucional não são cumpridas, o PS limita-se a propor uma restituição em dois anos, ao contrário dos quatro do PSD e CDS.
Os desempregados esperavam a reconstituição das indemnizações por despedimento ou dos valores dos subsídios de desemprego? Não pense nisso.
Os trabalhadores esperavam os feriados de volta? Nada. Os reformados esperavam o seu nível de pensão reposto? A decisão do Tribunal Constitucional não é cumprida, esperem dois anos.
Os cidadãos esperavam a rejeição da privatização da TAP? Nada, até são prometidas mais privatizações, embora o PS se tenha dispensado de nos dizer quais.
Mas o que também não está é a reestruturação da dívida
No entanto, o ponto essencial é a falta de qualquer ideia – e antes a confirmação da rejeição – de reestruturação da dívida pública. Com este relatório, o PS põe uma pedra sobre o assunto e corta as pontes de diálogo com a esquerda. Não haverá nenhuma iniciativa nem proposta para corrigir o peso da dívida pública e da dívida externa.
António Costa já o tinha dito, não se mete nisso porque levaria com a porta na cara em Bruxelas. Mas tinha apresentado duas alternativas: uma “leitura inteligente” do Tratado Orçamental e um pedido de financiamento europeu para um programa de recuperação. O pedido de financiamento desapareceu, nem resta sombra dele. A leitura “inteligente” ficou reduzida à expectativa de uma “redução dos spreads dos países mais afectados” (p.25) e de que não seja contabilizada em défice a perda de receitas com a segurança social (p.49). Não existe qualquer proposta para uma negociação sobre interpretações ou regulamentos do Tratado Orçamental, ou normas ou o que quer que seja que permita imaginar que sejam aliviadas as imposições drásticas de um Tratado que é incumprível.
Pelo contrário, as regras do Tratado Orçamental são para aplicar à letra, para atingir “o quase equilíbrio estrutural das contas públicas e a redução do endividamento” (de acordo com o Tratado, p.11). Durante vinte anos, teremos austeridade e obediência.
Chama igualmente a atenção o facto de não haver uma palavra sobre o sistema de crédito. A banca não existe para o relatório. BCP, BPN, BPP, BES, BPI, Montepio, não existem, não se passou nada, não se passa nada. O balanço dos bancos, a sua dívida, os seus riscos, esse é um “mercado” que não é incomodado nem sequer referido pelos autores deste programa económico. Não faz nada, tudo ao molho e fé em Deus.
Depois, o relatório faz contas sobre o Orçamento mas não existe Serviço Nacional de Saúde. Não entra na conta. Não entra nas preocupações nem nas prioridades. Não se muda nada neste domínio. Ausência estranha e preocupante, considerando a orientação liberal do relatório e a importância que o tema assumiu na nossa vida colectiva.
Finalmente, nenhuma alteração da estrutura do IRS, a não ser terminar a sobretaxa (p.47). Se esperava a aplicação do princípio constitucional do englobamento dos rendimentos, de modo que as mais-valias ou rendimentos de capital paguem como os rendimentos do trabalho, não será nunca com esta proposta. Tudo igual.
Como se muda ou não muda noutros domínios, é o que se vai ver a partir daqui.
Milagre no emprego: trezentos mil
O texto garante uma gigantesca criação de emprego: 300 a 350 mil empregos até 2019, reduzindo o desemprego “oficial” para metade em quatro anos, mesmo que para um nível que o anterior primeiro-ministro considerava “inaceitável”. Essa criação de emprego depende de um milagre: o aumento do investimento “em 25% até ao fim da legislatura” (p.93), ou 2019. O número exacto é 31,4%, mesmo assim só conseguindo repor o nível anterior à crise. Mas porque é que o relatório presume que vai haver este entusiasmo de investimento por parte das empresas?
A primeira hipótese é que o PIB real cresça imenso: aproximadamente 12,6% até 2019. Mas isso, sendo uma expectativa manifestamente optimista, pois não há memória de a economia portuguesa ter crescido assim nos últimos vinte anos, mesmo antes do euro, e não é suficiente para induzir um tal crescimento do emprego. A projecção é irrealista, não tem precedente histórico nem tem instrumentos para a tornar possível.
A segunda hipótese é que a redução dos “custos do trabalho” (em 4%), conjugada com as alterações das relações laborais, favoreça a confiança das empresas e dos investidores. A minha interpretação é que o relatório considera que este é o factor decisivo.
Facilitar os despedimentos colectivos
Como já assinalei, o relatório propõe prosseguir, sem interrupção nem perturbação, a política de Passos Coelho e de Portas para o mercado de trabalho. Não há restituição de horas de trabalho, de feriados, de dias de férias, não há alteração das regras para os despedimentos, nem dos subsídios de desemprego, nem das indemnizações pela “separação entre os trabalhadores e as empresas”.
Mas o relatório apresenta uma ideia nova: facilitar os despedimentos colectivos, através de um “regime conciliatório e voluntário, em que as empresas podem iniciar um procedimento conciliatório, em condições equiparadas às dos despedimento colectivo” (p.31). A troca é esta: neste caso, e só neste caso, os despedidos ficam com uma indeminização maior, aceitando um processo mais expedito e sem recurso ao tribunal.
Mário Centeno é defensor de um “contrato único” que possa responder às “dificuldades dos jovens no mercado decorrem da legislação de proteção ao emprego” (O Trabalho, Uma Visão de Mercado, p.69), pelo que, contrariando a “ilusão protecionista”, será necessária uma reforma que “reduza os custos do despedimento (monetários e processuais), avance no sentido de uniformizar as diferentes formas contratuais e universalize o seguro de desemprego”. Em consequência, propõe um “contrato único” com “períodos experimentais longos” e “mecanismos de pré-aviso de despedimento que facilitem a procura de um novo emprego” (idem, p.89 e 18). Esse “contrato único” chama-se “contrato para a equidade laboral” no relatório do PS e o seu autor acredita que esta norma é suficiente para desencadear a confiança dos empresários, o investimento e o milagre dos 300 mil novos empregos.
Como seria de esperar, o resultado desta política é a redução dos salários: a remuneração por trabalhador cresce nominalmente 0,7% durante todo o período, ou seja, reduz-se em termos reais em 7%, enquanto o PIB real cresce 12%. Para onde vai o resultado deste crescimento, não é difícil de adivinhar. Chama-se transferência de rendimento do trabalho para o capital. Com o PS, os trabalhadores vão perder o equivalente a um mês de salário.
Reduzir as pensões e aumentar a idade da reforma
O relatório propõe depois quatro novas ideias para o sistema de segurança social.
A primeira, aumentar a idade da reforma. Mais uma vez, é a continuidade de Passos Coelho. A coisa é apresentada de modo alegórico: “a reavaliação do fator de sustentabilidade face às alterações ocorridas, quer de contexto (quais? ) quer legislativas, nomeadamente fortalecendo a eficácia do fator e a sua articulação com a idade da reforma” (p.40). É um modo muito rebuscado, mas quer dizer exactamente isto: aumentar a idade da reforma.
A segunda, reduzir as pensões, excepto as mínimas, durante os cinco anos previstos: “congelamento dos valores nominais salvo para as pensões de valores mais baixos” (p.38). Congelar os valores nominais quer dizer que as pensões são reduzidas em termos reais pelo valor da inflação, que o relatório calcula que seja 8% durante estes cinco anos. Se é reformado ou reformada, tome nota: com esta política, perderá 8% da sua pensão no final do período.
A terceira ideia é reduzir o desconto dos trabalhadores com menos de 60 anos em 4% até 2018 (p.48-9). O efeito é que a sua pensão será mais pequena (menos 2,6%). O relatório pretende deste forma aumentar o rendimento disponível actual, a troco de menor rendimento no futuro. O sistema de segurança social perde agora 1050 milhões de euros em receitas, mas vai pagar menos no futuro.
A quarta ideia é a redução da contribuição patronal em TSU em 4%, no que incide sobre contratos permanentes. Assim, a segurança social deixa de receber 850 milhões, segundo o cálculo do relatório. Ou seja, concretiza a ideia que Passos Coelho anunciou, declamando que Portugal precisa dela “como do pão para a boca”: o governo das direitas ameaça, o PS aplica. Este défice orçamental será coberto por novas receitas: um imposto sobre heranças, a restituição do nível do IRC que o actual governo reduziu e uma taxa que pune a “rotação excessiva” de trabalhadores. Mas só será coberto parcialmente, ficará um buraco, mesmo aceitando que estas receitas hipotéticas se concretizem: o resto será pago pelo aumento das receitas fiscais porque o texto declara que vai tudo correr bem.
Sobre o efeito desta medida, já aqui escrevi, bem como Bagão Félix, e as contas são conclusivas: tem um efeito marginal nas contas das empresas e, se pensa que é assim que se estimula o investimento para a criação de emprego, a inocência não faz mal a ninguém mas também não resolve problemas.
Uma miscelânea de ideias
Há boas ideias no documento, mas com aplicações limitadas e até, em alguns casos, discriminatórias: uma (ligeiríssima) reposição de abonos de família (40 milhões de euros, p.41), reposição do Complemento Solidário para Idosos (abrangendo alguns dos que perderam o direito e com o custo de 8 milhões, p.42), um complemento salarial para os rendimentos abaixo do salário mínimo nacional (p.35), a punição dos contratos a prazo típicos, a velha ideia do agravamento do IMI para casas desabitadas (p.53), a redução do IVA da restauração (p.52).
Noutros temas, é a visão tradicional. Não haverá mais emprego na função pública, mesmo que o PS tenha protestado contra despedimentos impostos por Passos Coelho e Portas (e os 700 trabalhadores da segurança social ficam esquecidos?). O número global de funcionários públicos fica congelado e pode mesmo haver despedimentos em algumas áreas: “Isso não significa que em certas áreas da governação não seja promovida a racionalização de efetivos, compensada com o aumento noutras áreas” (p.64). A “racionalização de efectivos”, pode adivinhar o que quer dizer.
O relatório acrescenta ainda uma nova ideia: para haver rejuvenescimento do emprego no Estado, haverá um exame de avaliação ao fim de 15 anos (p.65). Uma proposta curiosa que não é sequer explicada. Mas, como se trata de rejuvenescer os quadros, percebe-se o que quer dizer este exame. Alguns ou muitos desses trabalhadores serão substituídos, ou “racionalizados”.
Haverá mais privatizações (p.73), sujeitas ao superior critério da “clarificação do conceito de ‘setor estratégico nacional’”, que o relatório não faz o obséquio de clarificar. Sobre a TAP, a privatização que será assinada pelo próximo governo, nem uma decisão, o texto assinala só o “risco enorme”. Esperava-se um pouco mais, que determinasse se esse “risco enorme” é para cumprir ou para rejeitar.
O mistério europeu
Para um partido tão devotamente obediente em relação ao euro e à União Europeia, a discrição com que é tratada a questão europeia não pode deixar de revelar um incómodo.
No início do texto, são apresentados dois “cenários adicionais”: tudo corre bem na Europa e tudo corre mal na Europa (p.24-6). Para que servem estes cenários, os leitores não podem sequer adivinhar.
Mas é-nos dito que no primeiro cenário, o da “credibilidade reforçada do projecto europeu”, haverá “políticas pró-cíclicas sincronizadas” e “redução dos spreads dos países mais afectados pela crise da dívida soberana”, uma apreciação do euro da ordem dos 20% e um “cenário particularmente benigno para a economia portuguesa” (p.25).
No segundo cenário, o de uma “crise europeia profunda e prolongada”, teremos “a institucionalização da possibilidade de expulsão dos países da área do euro”, aumento dos spreads da dívida, e, “neste quadro, particularmente associado a uma eventual saída da Grécia da zona euro, com o peso da dívida pública a crescer de forma desmesurada, poria inevitavelmente em questão a permanência de Portugal na zona euro e eventualmente poria em causa a própria existência do euro tal como hoje o conhecemos” (p.26). Este cenário não é explicado. Nem muito menos, perante a hipótese sombria, é indicado o que deveria fazer o governo português – ou o que pretende fazer o PS – para o evitar ou corrigir. De facto, no resto do texto nunca mais emerge qualquer preocupação com o assunto. Assume-se tranquilamente que tudo corre bem, que a Europa não é questão, que Portugal cumpre o Tratado e que não se passa nada, que a Grécia não existe e Berlim também não. Parece imprevidente, parece desconexo desta análise de riscos, mas é o que é.
E os resultados?
Assim, o relatório indica um caminho económico. É a sua virtude. É claro nas escolhas, mesmo que algumas das suas contas sejam relativamente incipientes, indicativas ou até imaginativas (ou propagandísticas, vd. o gráfico ao lado, publicado por um blog oficialista do PS, Câmara Corporativa, tentando explicar que tudo é fácil). Onde é ideológico, mostra um entusiasmo pela soluções liberais para o “mercado de trabalho” que o PS nunca tinha expressado. Abandona a ideia do Estado estratego, reforça o primado do mercado nas escolhas sociais. Diz ao que vem. Onde é concreto, confirma essa ideologia:
- Abandona qualquer ideia de reestruturação da dívida soberana,
- Ignora as sugestões anteriores do PS sobre a “leitura inteligente” do Tratado Orçamental e recusa uma intervenção para o corrigir ou ajustar,
- Ignora a questão da estabilidade e confiança no sistema de crédito e da consistência dos balanços dos bancos,
- Garante a continuidade das políticas de trabalho do governos das direitas, rejeitando a devolução de direitos retirados,
- Recusa a decisão do Tribunal Constitucional, adiando a reconstituição de salários e pensões,
- Propõe a redução do valor real das pensões em 8%, excepto das pensões mínimas,
- Indica o aumento da idade da reforma, de modo não especificado,
- Conduz à redução da remuneração média por trabalhador em 7%.
- Não define uma escolha sobre a privatização da TAP.
Aqui tem o que pretende ser o governo do PS. Já passou o seu Rubicão. A direita tem todas as razões para ficar preocupada: apareceu uma alternativa que quer fazer o mesmo, mas aplicando mais eficientemente a receita, cedendo o mínimo possível aos mínimos sociais.
«(…) Investimento público? Nada. (…)» O Francisco Louçã não reparou que no cenário final há um aumento da formação bruta de capital fixo de cerca de 2400 milhões de euros-M€ (1,957 M€ em 2016 + 0,46 M€ em 2017 em volume, partindo das Contas Nacionais do INE para 2014)?! Espero que as Pessoas tenham bem presente na sua memória o dia em que os stalinistas e os trotskistas se juntaram à actual maioria parlamentar, que brutalmente desvalorizou Portugal e as suas Pessoas, para chumbar o PEC IV, que deu a grande oportunidade à triga (troika) Passos Coelho(PSD)+Paulo Portas+Cavaco Silva (em oposição aos compromissos eleitorais) , para serem mais troikistas que a outra troika (BCE+CE+FMI). Qual foi a sua posição Francisco Louçã perante a acutilante pergunta de Miguel Sousa Tavares? Eu, apesar de não concordar com muitos dos erros da liderança do PS, estive na Assembleia da República para manifestar a minha indignação por mais um acto covarde da «esquerda não democrática» de cultura autocrática baseada na tirania soviética (seja leninista, stalinista ou trotskista). Muitas das Pessoas que lá estavam, estavam muito satisfeitas com a iminente queda do Governo apoiado pelo PS, inconscientes da brutal força que se estava a dar aos interesses mesquinhos, nomeadamente os representados pela Goldman Sachs. «Tudo menos Economia» (apenas o vil poder) é o que motivou o PSD+CDS+PCP+BE a ficarem na História como traidores da Nação Portuguesa, porque provocaram uma ruptura com o que estava a ser negociado com a União Europeia e que era um caminho menos grave do que o que foi precipitado, com Cavaco Silva já reeleito.
Homem, guarde a sua raiva. O PS abandonou o discurso socratista do PEC4, isso são águas passadas, e o que diz neste programa é que a crise é provocada por problemas estruturais permanentes e não pela decisão de Sócrates de se demitir. Não se atire contra o seu partido, não vale a pena.
E leia o texto sem atirar pedras. O texto refere “formação bruta de capital fixo”, sim, tratando somente do investimento privado (que anuncia que vai aumentar 31%). Mas o investimento público não tem qualquer função neste cenário.
Só agora vi a sua resposta que lhe agradeço. O aumento da Formação Bruta de Capital Fixo que lhe referi de 2.400 milhões de euros é relativa a despesa pública, por isso comecei o meu comentário com a interrogação e a exclamação. Não tenho raiva, nunca atirei nem atirarei «pedras», salientei-lhe uma realidade no sentido de descodificar a sua falta de fundamentação. Tenho indignação que vós e os stalinistas tenham entregue Portugal a estes oportunistas que o desvalorizaram e o atraiçoaram profundamente. A vossa responsabilidade histórica deve ter consequências nas Eleições Legislativas que nos poderão libertar desta maioria sem legitimidade real, como o afirmou Adriano Moreira. Recentemente Lobo Xavier referiu que o PSD e o CDS forçaram a entrada da Troika, como bem sabemos desde 2010. Vós foram cúmplices dessa realidade. O PEC IV e o Orçamento para 2011, acordado com o PSD permitiam uma abordagem diferente, menos desfavorável. Os problemas estruturais foram agigantados por empolamentos sucessivos da Procura Interna sem sustentação, com muito betão, alcatrão, fármacos, submarinos, .. que serviram «all but Portugal and them Persons». Muito há para aprofundar e amadurecer na nossa Democracia, que o PCP, o PSR e a UDP não queriam. Salazar gerou-vos dialecticamente e foi mais um pesado fardo cultural com que atou e está a atar Portugal. Afirmar a Liberdade em todas as dimensões é o grande desafio da Esquerda Democrática, numa relação sinergética entre a Sociedade Civil, a Sociedade Política e o Estado, com a conversão de jogos de soma negativa em jogos de soma positiva, de círculos viciosos em círculos virtuosos, com limitação da brutal tributação e sustentação de um Estado Social, Regulador, Estratégico, eficiente e eficaz, que serve realmente a Nação e a ajuda a criar Valor e a realizar o seu imenso potencial Humanista e Universalista. Quando quiser aderir a esta causa Francisco Louçã, será bem vindo. Saudações Democráticas.
Vi hoje numa entrevista: «(…) Quando foi apresentado o cenário macroeconómico, ele previa um aumento significativo do investimento público – cerca de 10%. (…)» António Costa (http://observador.pt/especiais/antonio-costa/)
Errata (só depois reparei): «All but Portugal and it Persons»
Saudações
Só para terminar o comentário que aqui fiz e citando o Prof. Cosme:
“Nós não passamos de selvagens vestidos de fato e gravata.
Mesmo o ataque iniciado pelo Louçã contra mim não passa desse racismo natural, não aceita uma pessoa, a mim, que pensa de forma diferente dele, eu não pertenço ao grupo dele, não pertenço aos esquerdistas desmiolados.
Reparem bem, eu avanço com duas hipóteses 1) trazer a pretalhada para cá de forma segura nos aviões da TAP e 2) afundar os barcos e matar a pretalhada. Eu não digo qual das duas hipóteses prefiro (disse depois que prefiro a hipótese 1) Mas o Louçã não disse que defendia a hipótese 1), disse apenas que eu sou racista (o que é verdade) por ter articulado a hipótese 2.
O Louçã deveria dizer “Um sábio disse que devemos trazer a pretalhado todo para cá porque isso é positivo para nós e, por isso e por questões de humanidade, vou fazer uma campanha para que isso aconteça o mais rapidamente possível.”
Claro que um demagogo populista como o Prof. Louça pega sempre na parte da frase que lhe permite fazer o seu show off político. Enfim.
Como Francisco Louça tem sublinhado, este blogue destina-se a promover um debate informado, onde há seguramente espaço para o contraditório. Nesse sentido, deixo aqui o link para um artigo que escrevi sobre o tema e onde expresso uma opinião distinta do autor. http://www.sabado.pt/opiniao/detalhe/a_agenda_anti_troika.html
Obrigado pelo link do seu texto, muito bem fundamentado. Mas não trata a questão da TSU, nem do aumento da idade da reforma, nem do congelamento e redução do valor real das pensões, nem da redução do valor real das remunerações, nem das privatizações, nem dos prognósticos ousados sobre o fim do desemprego – será tudo isso o preço do 2choque do rendimento”?
Caro Francisco Louçã, agradeço o reconhecimento da fundamentação do meu artigo e o seu comentário no seu conjunto. Aproveito para esclarecer que o artigo em questão não se destinava a escalpelizar uma a uma as medidas inscritas na proposta do PS, até porque não sendo especialista em economia sou incompetente para o fazer, nesse particular, o seu artigo é particularmente exaustivo e elucidativo, embora não o acompanhe em muitas das suas considerações. O objetivo do meu texto era fazer uma leitura política da proposta dos economistas a quem António Costa confiou a missão de desenvolver uma cenário pós-troika. Nesse sentido aludi a um “choque de rendimento” a contrario sensu ao “choque de empobrecimento” desencadeado pelo atual governo e que assentou numa estratégia de compressão dos salários e no esmagamento dos direitos e das condições de vida das pessoas. Em contraste com esta política, o PS propõe-se apostar na recuperação e reposição do rendimento das famílias (a diminuição da TSU para os trabalhadores está aqui inserida), bem como repor e reforçar as condições de atribuição das principais prestações sociais de combate à pobreza (abono de família, RSI e CSI), o estímulo à criação de emprego, e ainda, a introdução de um novo mecanismo de equidade (também poderíamos dizer de decência) que é o Complemento Salarial Anual. Não é difícil pois concluir que este enunciado constitui por si só uma agenda anti-troika e anti-austeritária que esperemos que as forças à esquerda do PS valorizem na construção de uma nova maioria política que corresponda à vontade inequívoca da maioria social que clama por uma nova agenda de crescimento e de prosperidade para todos. Espero que o Francisco Louçã também possa dar o seu precioso contributo para esta mudança de direção política em Portugal e na Europa.
Mais bem explicadinho não podia ser. Só não entende quem não quer!
Acho muito triste que o Francisco Louçã não responde mais pelo BE. Pode ter as suas razões pessoais, que são respeitáveis, claro, mas não deixa de ser potencialmente considerado como um “abandono do barco”, quando teria possibilidades desde há algum tempo, de segurar as rédeas de um verdadeiro partido de esquerda, com capacidade de levar à sério outra política, à semelhança do Syrísa da Grécia… Com riscos claro…. mas não devemos arriscar para obrigar a Europa a orientar-se de outra maneira??? E obriga-la a deixar de governar para a Finança, os bancos e as elites que se “goinfrent” (não encontro equivalente), enquanto os Portugueses na sua grande maioria perdem de dia para dia esperanças de ver o futuro aclarar-se.
Fico triste mas votarei BE de qualquer maneira porque já não podemos com o Centrão. Em França, Hollande me deixa perplexa e muito triste.
Não que considero que haja “homens providenciais”, mas por vezes uma personalidade forte e reconhecida como verdadeiramente capaz pode e deve se lançar na batalha…
Não sou porta-voz do Bloco, além de que este blog não é um lugar de debate partidário. Mas notará que tenho as mesmas convicções, sou do Bloco e assim continuo, mas não deixarei de argumentar com a minha opinião sobre o que falta fazer à esquerda.
Francisco Louçã faz uma análise muito correta sobre este documento ordoliberal.
Mas é precisamente isso que lança algumas questões incómodas a que, talvez, ele prefira não responder: como é que perante o governo mais regressivo do pós-25 de Abril, e perante o PS mais frágil e mais descaracterizado de sempre, o Bloco não consegue capitalizar eleitoralmente (à semelhança do Syriza ou do Podemos)?
Isto é: quanto mais gritantes são as falácias lógicas impostas pela pseudo-realidade do “arco da governação”, mais estrondosa é a dificuldade do Bloco em ocupar o espaço que lhe caberia à esquerda.
Já toda a gente percebeu que o PS não tem uma política de esquerda e, mesmo assim, o Bloco não se consegue afirmar eleitoralmente como uma verdadeira alternativa.
Eu considero que esse é um problema grave, não só para o BE como, sobretudo, para a qualidade da nossa democracia.
Meu caro Filipe, nem eu respondo pelo Bloco nem este blog é um lugar de debate partidário no sentido limitado do termo. Registo em todo o caso que o toda a esquerda tem falhado na apresentação de propostas concretas que respondam ao temor e à tristeza do povo.
A direcção politica de Costa assinou a sentença de morte do PS. Coisa altamente confrangedora e nem os velhos guardiães- estilo Cravinho – ficarão com espaço para lançarem reptos alternativos, tais os efeitos de lógica monopolista que o plano advoga para a recuperação económica de Portugal. O estilo ” Hollande “- virar à direita tudo- ensandeceu e contaminou o sucessor de Seguro e seu séquito. O plano servirá os designios fundamentais da ” ordem ” ultra-liberal do capitalismo luso, com todos os effes e r´rs, gerando mais desemprego e cavando implacável desigualdade e miséria insuportável.
O documento consegui o impossível, um plano económico que faz ainda menos sentido do que o actual. É obra!
De resto, fora os paliativos manifestamente insuficientes, é mais do mesmo. E com a esquerda a deixar jogar que estão satisfeitos com onde estão.
António José Seguro deve estar a rir a bom rir… Quão longe está o tempo em que “fundadores” do PS bramavam pelo “retorno à esquerda”, assinavam petições para renegociar a dívida e cantavam a Grândola na Aula Magna – afinal parece que tudo isso só serviu para puxar o tapete a Seguro e alcançar o PODER. Qual ESQUERDA, qual carapuça! Tudo embrulhado em papel celofane e em bonitos discursos – e com os idiotas úteis do costume a apoiar entusiasmados… E agora?… Agora o PS está cada vez mais parecido com o PASOK…
O que registo é que houve muitas pessoas do Ps – e cujas boas intenções não contesto – que assinaram o Manifesto dos 74 pela reestruturação da dívida, e agora o tema desaparece.
Louvo o trabalho de análise.
É de facto triste ler o documento e verificar que i) ou foi feito num período de tempo irrazoávelmente curto (o que a ser verdade só revela o desprezo dos autores pelo tarefa que aceitaram e pelo resultado a que chegaram e pela inteligência de quem o lê) ou ii) revela o estado deplorável dos métodos e da fraca competência dos autores do estudo, ou iii) uma combinação das hipóteses i) e ii).
De facto intitular o trabalho de “Uma década para Portugal” e só se pronunciar até 2019 é logo um sinal da qualidade do trabalho. Acresce que entre os autores se encontram um ex-ministro do governo sócrates que teve na sua tutela a segurança social e o emprego. Deu no que deu. É como ver o Teixeira dos Santos no Montepio. Mete medo.
O deputado Galamba na passada sexta-feira na SicN disse horrores, e com razão, da baixa da TSU e depois submete-se sorridentemente para a fotografia ao lado dos outro autores.
Não deixa de ser ilucidativo a inexistência de análise e propostas sobre a dívida, o défice, a europa, o euro e o papel do estado. Neste último ponto deve ter ido beber a ideia ao Guião do Estado do Paulo Portas.
Quando se esperava um alternativa à austeridade veio uma alternativa ligeira sobre a austeridade que o PSD/CDS prosseguem mas que trilha o mesmo caminho da austeridade pró-berlim da qual o PSD/CDS são apoiantes. Não deixa de ser no mínimo vergonhoso para o PS vir dar razão ao PSD/CDS no que toca à austeridade. Imagino que à noitinha se sentem todos à mesa a torcer para o Syriza ser corrido da Grécia e façam telefonemas à Dr.ª Merkel sobre a necessidade de ter pulso firmo contra esses “gauleses” gregos. De facto, não convém nem a PS nem a PSD/CDS que a Grécia se safe, nem um milímetro.
SNS, segurança-social, uma revolução do estado (com uma racionalização do seu sector empresarial) com vista a servir o cidadão e a pro-activamente proteger o país quer internamente quer externamente, dívida, emprego, europa, pessoas, futuro. Eis o que falta no documento e o que nem PS nem PSD/CDS querem saber pois é a Dr.ª Merkel a sua patroa e a quem devem prestar contas.
Resta saber como irão votar os portugueses. Se “naquele que vai ganhar” como dizem muitos votantes iletrados, analfabetos ou sem o nível de raciocínio lógico exigível para votar em consciência (não por culpa própria mas vítimas do sistema), ou “no partido” como dizem os “simpatizantes” dos partidos ou em consciência como ainda acho que a maioria dos portugueses tem capacidade (isto se no dia de votar não optarem por ir à praia).
Creio que toca nos pontos chave.
O que o PS quer é pote para sustentar a clientela… que é muita e estão “esfomeados”. Daqui a 4 anos chama-se a Troika… ou lá como se chama agora.
“keynes” , admira-me que não diga nada de “keynes” .. o relatório