Saudada como salvadora da PT, Isabel dos Santos, uma das milionárias mais milionárias de África, tem multiplicado os seus investimentos estratégicos em Portugal. Hoje relançará a sua OPA sobre a PT SGPS, activando o triângulo dos interesses entre Angola, Brasil e Portugal. Para conhecer um pouco melhor a emergência desta oligarquia financeira, convido os leitores a deitarem os olhos ao livro de Ondjaki, Os Transparentes, de 2012.
O livro descreve a vida quotidiana num prédio de Luanda, e os modos de vida dos habitantes, dos musseques às grandes famílias, uns submetidos à penúria, outros aos esquemas, às ameaças, à prepotência, bem como à corrupção, ao autoritarismo e às redes de negócios que dominam o seu país. É um livro sobre a gente que se desenrasca e sobre os medos do dia seguinte Assim, é um retrato da grandeza e das misérias de um país em transformação, escarnecendo da ideologia auto-justificativa e do discurso do poder – e é portanto um retrato desse poder.
O prédio de sete andares, sem elevador, tem tudo, “respirava como uma entidade viva”. São os transparentes que lá habitam. Um jornalista, um vendedor de conchas, um coronel, um mudo, um assessor, uma secretária, um camarada ministro, um carteiro que escreve cartas e que lê as cartas dos outros mas esquece logo, professores, fiscais, uma multidão vive na cidade, e na cidade acontece tudo. Abre-se um cinema “desoficial, porque não precisa de papéis”, no terraço que está disponível. Criam-se igrejas. Preparam-se atentados mortais. Chegam prostitutas suecas.
Nesta Luanda há sempre um poder superior, que só pode ser reverenciado:
“- mas quem manda em tudo isto?
– gente muito superior.
– superior… como deus?
– não. superior mesmo! aqui em Angola há pessoas que estão a mandar mais que deus.”
Por isso, a burocracia e o poder são imperscrutáveis, mandam mais do que deus. Com eles, nascem projetos megalómanos e inventam-se novas riquezas: o governo cria a CIPEL, a “comissão instaladora do petróleo encontrável em Luanda”, que “instala, só que você não vê a instalação, é uma comissão para alguém se instalar mesmo” e a vida prossegue, com escavações “in shore” ou “under city”. Tudo “com a colaboração de países como os EstadosUnidos, a Rússia, a França, a Índia e o Brasil. – então e os tugas não mamam desta vez? Riu alguém”. Os tugas ficaram de fora.
Só que estes negócios “mexem na raiz da árvore e pensam que a sombra fica no seu lugar”. A cidade, cheia de novas canalizações nas suas entranhas, agita-se e perturba-se. Para entreter a população, esses transparentes, o governo anuncia então um espetáculo inesquecível, um eclipse deslumbrante. Importam-se óculos de-ver-o-eclipse, chegam excursões de cientistas, as arcas frigoríficas enchem-se de cerveja para a festa, preparam-se os balões, discute-se o aumento do número de feriados para comemorar devidamente os grandes acontecimentos. Luanda estremece e fervilha.
Mas, com festa ou sem festa, há sempre um negócio que sobrevive e que usa uma igreja para se esvair para zonas seguras, o que pode ser em Portugal:
“- vocês conseguem por esse dinheiro lá fora?
– aonde? – perguntou o fiscal DaOutra
– pode ser em Portugal
– podemos, dependendo da quantia
– então tá fechado o negócio, vão manter o nome do empreendimento?
– sim, é um bom nome, tem resultado bem, as pessoas já se habituaram à IgrejaDaOvelhinhaSagrada”
O povo entretém-se e bebe e os balões voam. No livro, o apocalipse, afinal, é a vida de todos os dias, mesmo quando Luanda arde, as canalizações explodem e tudo é invadido por um fogo “vermelho devagarinho”. O fogo também já chegou à nossa terra?
Obviamente que os grandes interesses nacionais (e não o interesse nacional) a vê como grande salvadora da PT. Senão veja-se quem ia partir para a compra inicial conjuntamente com a Sra. Isabel dos Santos. Sonae.com. Ambos accionistas maioritários da NOS a grande concorrente da PT. É de todo o interesse na NOS (não das pessoas e do país) que a administração continue nas mãos de determinadas pessoas, para que efetivamente não se perca a atual “concorrência” que vai existindo entre ambas…É que se vem alguém externo poderá efetivamente começar a haver concorrência e aí sim pode tornar-se complicado para os interesses “do país”…
“Quero voltar p’ra a ilha”.