O escritor F. Scott Fitzgerald afirmou um dia: “Não há segundos actos nas vidas americanas”. Evidentemente, Fitzgerald, que morreu em 1940, não pôde conhecer o patrão da Apple, Steve Jobs, que nasceu em 1955 e foi o protagonista de um dos maiores segundos actos da indústria tecnológica dos EUA.
A 16 de Setembro de 1985, Jobs foi praticamente expulso da empresa que fundara nove anos antes. A 16 de Setembro de 1997 regressou. Neste longo interregno, lançou uma marca de computadores de pouco sucesso e a Apple esteve perto da falência. Quando voltou a assumir o comando, Jobs relançou a Apple. E graças ao produto de maior sucesso comercial da empresa – o iPod e a loja “on-line” iTunes – mudou a forma como o mundo ouve música.
Nos últimos anos, Steve Jobs tornou-se indissociável do prestígio da Apple e um ícone no mundo da tecnologia. Mas um dia terá de abandonar o posto de presidente executivo. Bill Gates, por exemplo, que tem exactamente os mesmos 53 anos e é frequentemente descrito como o grande inimigo de Jobs, abandonou este ano funções executivas na Microsoft.
Mais relevante do que a idade, é a saúde do patrão da Apple. Em 2003, teve um cancro no pâncreas que foi mantido em segredo até estar curado. Também não passou despercebido a ninguém (muito menos ao accionistas) que o homem forte da Apple emagreceu imenso recentemente – e cada quilo a menos custa milhões à empresa: as recentes aparições públicas de um Jobs muito magro levaram a descidas da cotação da Apple em bolsa, por receios de novos problemas de saúde. Porta-vozes da companhia apressaram-se a garantir em Agosto que se tratava de um “vírus comum”. Não muito tempo depois, o “New York Times” adiantou que, afinal, é “mais do que um vírus comum”, mas nada que implique risco de vida.
A 27 de Agosto, a agência Bloomberg enganou-se e publicou um obituário de Jobs. Factos como a data e causa de morte estavam por preencher. É comum os órgãos de comunicação terem prontos obituários de figuras importantes. Nos dias que se seguiram ao erro da Bloomberg (que foi prontamente corrigido), as acções da Apple caíram apenas ligeiramente. Mas Dan Lyons, colunista de tecnologia da “Newsweek”, antigo editor da “Forbes” e autor do popular blogue “O Diário Secreto de Steve Jobs”, lança a previsão: “No dia em que Jobs anunciar a saída, as acções da Apple caem 30 por cento”.
Encontrar um sucessor
“Steve Jobs é único”, explica Dan Lyons ao PÚBLICO. “Não pode ser substituído. Ninguém tem o seu carisma e visão.” Carisma, de facto, é algo que não falta a Jobs. É, provavelmente, o único executivo do mundo que tem semelhanças com uma estrela de rock. Tem o hábito de protagonizar as apresentações de novos produtos, tarefa que outros executivos de topo costumam delegar. A entrada em palco nas convenções da Apple são recebidas com aplausos de uma multidão entusiasta. E até há “sites” sobre Jobs mantidos por fãs devotos.
Owen Linzmayer, autor do livro “Apple Confidential 2.0” e de outros quatro volumes sobre a empresa, partilha a opinião de Lyons: “Steve Jobs é uma lenda viva e é impossível substituir pessoas assim. De certeza que a Apple vai encontrar alguém para ocupar o lugar de CEO, mas ninguém o poderá substituir junto dos fãs da Apple.”
Encontrar alguém para o lugar cimeiro de uma empresa onde os negócios correm bem não é tarefa fácil. A questão que se coloca nestes momentos, explica Tiago Forjaz, sócio da Jason Associates, uma empresa de consultoria em recrutamento de gestores, é simples: “O que tínhamos era tão bom. Porquê mudar?” Quando não há outra opção que não a mudança, é preciso encontrar o perfil certo: “Não há duas pessoas iguais e por isso é difícil gerir é a expectativa em relação ao novo CEO. Nos Estados Unidos e em algumas multinacionais europeias, as dificuldades têm mais a ver com o perfil do CEO e só depois vem a sua experiência no sector ou negócio em particular. Experiência não é talento”.
Owen Linzmayer nota que a escolha de um substituto será muito cuidadosa, sobretudo depois do desaire que foi a sucessão em 1983. Numa empresa que crescia a um ritmo demasiado rápido para ser dirigida por um jovem de 28 anos, Jobs entregou a presidência executiva a John Sculley, à data presidente da Pepsi. Ficou famosa a frase com que Jobs terá aliciado o executivo: “Quer passar o resto da vida a vender água açucarada ou quer uma hipótese para mudar o mundo?”.
Mas os dez anos que Sculley esteve à frente da companhia foram quase desastrosos. E os executivos que se seguiram até ao regresso de Jobs não conseguiram retomar o bom caminho. “Jobs vai pensar muito na escolha do sucessor. A Apple é a menina dos seus olhos e tenho a certeza de que não a vai entregar a qualquer pessoa que tenha um MBA e use fato e gravata”, argumenta Linzmayer.
Na opinião do jornalista Dan Lyon, a pessoa melhor posicionada para ocupar o lugar de topo na empresa é Tim Cook. Com o cargo de director de operações, Cook é o número dois e assumiu temporariamente o papel de presidente executivo em 2004, enquanto Jobs tratava o cancro. Está na Apple desde 1998 e tem experiência no sector dos computadores pessoais (trabalhou na IBM e na Compaq) – mas é praticamente um desconhecido para os clientes da marca.
A questão da sucessão, por difícil que seja, não é crucial para o negócio, argumenta Owen Linzmayer. “A Apple vai continuar a ser bem sucedida. Afinal, a empresa tem milhares de trabalhadores que fazem o grosso do trabalho. Steve [Jobs] lidera, e é um excelente porta-voz, mas não está a fazer programação informática, nem a trabalhar no design dos produtos, nem a conceber as inovações tecnológicas”.
E, para além de tudo isto, acrescenta Dan Lyon, ninguém sabe quando é que Steve Jobs se vai reformar. “O meu palpite é que ele adora o que faz e nunca vai querer sair”.
Esta sexta-feira, uma falsa notícia de que Steve Jobs tinha tido um ataque cardíaco levou a uma queda de dois por cento nas acções da Apple.
Texto publicado a 3 de Outubro no suplemento Economia, do Público.
Onde é que me candidato?
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