Jefta van Dinther

Jefta van Dinther

Jefta van Dinther

At the end of Grind (2011) Jefta van Dinther had left us with the strange feeling that we had been tricked. Maybe it was his way of pretending to expose his limits through a choreography that imagined how was it possible to materialise transcendence.

Maybe it was our imagination playing tricks and proving how wrong we were on assuming we could predict the trajectory of a movement. Either way, what Grind achieved to prove was how a body can be a combined movement between expectation and reality.

Later, when he applied what we thought was the same formula to the dancers of Cullberg Ballet and signed Plateau Effect (2013), we could perceive that this a way of thinking dance not as a mere discussion on perspective. It was also a method of reconstructing a state of mind – therefore an identity – through movement.

The fact that he was doing it with dancers of Cullberg Ballet, where the notion of collective superimposes the one of individuality, demonstrated how aware Jefta van Dinther is of the complex mechanisms played by our willingness to read movement as a linear accumulation of presence, space and time.

And then came As it empties out (2014), a succession of tableaus that move forward from the point he had left us with This is concrete (2013, co-signed with Thiago Granato) and places the dancer outside of the limits of perception. Through a rhyzomatic approach to the body and it’s relation with what remains to be clarified about the frontiers between material and evanescence, As it empties out offered images that haunt us beyond the temporal limits of the performance.

What strikes us as novelty in a context where dance tries to reorganise it’s discourse – and perceive how to continue to be nourished by the margins while reinforcing conservative methods of procedure -, is the way Jefta van Dinther acknowledges his limits.

Never do we get the feeling that he knows the answers of what he is proposing. Never are we able to anticipate or contrive his own choreography, for always he manages to destructure a simpler definition of movement.

Due to the skilled dialogue between movement, music and light, Jefta van Dinther manages to draw a ecosystem where the body presents itself not as the consequence of something, but as the starting point of a rebuilding of it’s own identity. In all it’s ambiguous desire to proceed to something new, here’s a choreographer that dos not fall under the trap of immediacy.

 

This text was originally published at Tanz Yearbook – August 2015 

Um museu-teatro vivo para o Portugal contemporâneo

Joana Craveiro em Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e esquecidas (fotografia João Tuna)

Joana Craveiro em Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e esquecidas (fotografia João Tuna)

O Estado não tem, mas deveria ter – como tem para o cinema, a literatura ou as artes plásticas e o património – um programa de salvaguarda de obras de teatro e dança que, pela sua importância e potencial histórico, de reflexão sobre a contemporaneidade (ou o que nos trouxe até ela) ou capacidade de fixar um tempo, nos ajudasse a combater a efemeridade que é inerente às artes performativas.

Seriam, como são os filmes no Plano Nacional do Cinema, ou os livros, no Plano Nacional de Cultura – ou as obras de arte (se a, agora infame, colecção da SEC fosse bem gerida) -, obras de referência, de permanente revisitação e estudo, permitindo assim a diferentes públicos o seu acesso.

Mais, deveriam estas obras beneficiar de um programa específico de apoio à sua apresentação nas temporadas dos teatros, programações de festivais ou ciclos paralelos a exposições, garantindo assim não apenas a sua conservação (como acontece com as obras em depósito nos museus), como a sua actualização à luz de novas pesquisas e, ou, adaptações necessárias.

Chamar-se-ia a isso um Plano de Conservação da Memória Efémera, deslocando o teatro e a dança dos arquivos e dos depósitos e activando relações com outras obras criadas entretanto.

Programas assim garantiriam que um espectáculo como Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas, que Joana Craveiro criou para o Teatro do Vestido, continuasse a ser apresentado e a suscitar debate, ou emoção, como quando uma sala inteira começa, inusitadamente, a cantar uma canção que achava já esquecida. Mas, quem domina o governo, domina a História e quem domina a educação domina a memória, disse Joana Craveiro na conversa que se seguiu com o público ao espectáculo apresentado a 31 Julho no Negócio, em Lisboa.

Estreado em 2014, depois de quatro anos de pesquisa, integrado na lista de melhores do ano dos jornais PÚBLICO e Expresso, nomeado para melhor criação pela Sociedade Portuguesa de Autores e escolhido como espectáculo de honra pelos espectadores do 32º Festival de Almada, não se limita a ser, como indica o subtítulo, um conjunto de palestras sobre a memória. O que Joana Craveiro faz é fundamental, não apenas para a memória, mas também para o papel que o teatro como ter como escritor da própria História.

A partir das suas dúvidas, a encenadora e actriz, pesquisa os arquivos pessoais dos não-heróis, dos anónimos, dos que não fazem nem ficam na História mas que são a sua força quotidiana e resiliente. É um espectáculo tanto sobre a transmissão da memória quanto é sobre a transmissão do – que é e do que fica – invisível.

Criado no ano em que passaram 40 anos sobre o 25 de Abril, estende-se para lá da efeméride e analisa, à escala da pequena história e do detalhe íntimo, o pormenor que não esquecem nem o corpo nem a mente de quem foi anulado pelo rolo compressor da História. Da pré-revolução ao 25 de Novembro, de um dia-a-dia feito de decisões sem certezas a uma reflexão cheia de dúvidas, Um Museu Vivo… aproxima o que nos fez Portugal contemporâneo do Portugal contemporâneo de hoje, à procura de uma identidade.

Uma canção passada num velho gira-discos, um livro que nunca chegou a ser editado ou tantos outros editados mas que não cabem na bibliografia oficial, um manuscrito perdido num arquivo no estrangeiro, fotografias que não interessariam a mais ninguém, referências que eram só agradecimentos que eram só modos de não deixar cair a memória no esquecimento, detalhes inusitados e relações criadas pelo desconhecimento ou a intuição, objectos que se guardam para que, mesmo longe, escondidos, nunca se esqueçam, palavras que são mais do que símbolos, ruínas que são mais do que ruínas, erros de tipografia que são códigos, palavras-chave que são truques para resistir, ou para actuar, ou para magoar, ferir e matar, lugares que não têm placas que nos lembrem o que ali se passou e placas que estando ali ninguém as vê, prédios novos escavados em lugares de horror e morte, gritos que não se esquecem, mentiras que se contam, para enganar ou para se salvar, um país demasiado pequeno para suportar o silêncio lançado sobre os horrores praticados em nome de um que ia de Minho a Timor, é de tudo isto que se fala, ao longo de uma noite, ao longo de 40 anos, ao longo de quatro anos de pesquisa, de sete palestras, da voz de uma única actriz,  num espectáculo que se constrói a partir do documento mas que vai mais longe do que a ideia de teatro documental.

Existem poucos exemplos, no teatro contemporâneo português, e menos ainda na geração que não o viveu – mas menos ainda vindo de quem o viveu – sobre como lidar com a memória e o passado. Ou seja, existem poucos exemplos de como saber lidar com a memória e como pensar o teatro enquanto espaço evocativo dessa memória. Ou melhor ainda, um espaço onde a evocação resgata a memória do arquivo, tornando-a, ou projectando-a no presente, moldando-o, pensando-o, ajudando a que se construa de forma menos solitária, instantânea, desamparada.

Nos anos mais recentes, e ao lado de Um Museu Vivo… e do trabalho ao qual o Teatro do Vestido se tem dedicado, poderíamos incluir neste percurso, e pelo modo como também parte de memórias pessoais e anónimas, O que é que o teu pai não te contou da guerra? (texto Fernando Giestas, encenação Rogério de Carvalho, criação Amarelo Silvestre, 2014), do mesmo modo que, recuando no tempo, deveríamos incluir Moç+Amor [Elo, Ral, Mur, 1999], que Luís Castro dedicou a Moçambique e ao Portugal da metrópole, embora esta relação com o documento pessoal, tenha uma dimensão poética e nostálgica que imprime à memória outro tipo de relações das quais Um Museu Vivo… é, e felizmente, assumidamente ausente.

Do mesmo modo, partindo do documento e tentando compreender a História, por assim dizer, oficial porque menos anónima, espectáculos como Um dia os réus serão vocês: o julgamento de Álvaro Cunhal (de Joaquim Benite e Rodrigo Francisco, criação Companhia de Teatro de Almada 2013), Diz-lhes que não falarei nem que me matem (texto e encenação Marta Freitas, criação Mundo Razoável, 2012, sobre o antifascista Carlos Costa), e Três dedos abaixo do joelho (texto e encenação Tiago Rodrigues, Mundo Perfeito, 2012, sobre os arquivos da Comissão de Censura Teatral) ajudam a reconstituir a memória, evidenciando os pontos de contacto com a contemporaneidade.

A grande diferença de Um Museu Vivo… reside, precisamente no que a sua estrutura nos vai revelando daquilo que o país aprendeu consigo mesmo, na agrura, e depois na folia, dos dias. As reuniões clandestinas, as prisões injustificadas, o êxodo migratório, a guerra colonial, a noite de 24 para 25 de Abril, os dias seguintes, as operações SAAL, as comissões de trabalhadores, os retornados e os que nunca tendo vivido cá não sabiam o que se chamar, todo o país exposto ao microscópio da memória afectiva, dividido que estava – e estará certamente – entre a compreensão do que se passou e a consciência do que ficou por fazer.

O equilíbrio difícil no qual Um Museu Vivo… se sustenta decorre de uma gestão nada evidente entre os materiais e as narrativas que suscita, potencia ou fundamenta. Talvez porque os materiais usados foram sendo filtrados com vista a uma tese universitária, a narrativa nunca perde um uso útil que se coloca ao serviço de uma dúvida – Quando acabou a revolução? – para pensar como se imagina, desenha, constrói, desmorona e se faz o luto de uma ideia.

Para quem não viveu o período pré e pós revolucionário Um Museu Vivo… faz mais do que anos de livros e teses académicas, filmes e documentários, artigos de jornal e exposições comemorativas, porque expõe, sem impor, um conjunto de preceitos, de elementos e de factos, conduzidos por quem, querendo saber, se coloca do lado de quem também não sabe.

O exercício de cumplicidade entre Joana Craveiro e o público que “chegou agora ou há pouco tempo” é um exercício de partilha e descoberta, enquanto que a relação com “quem estava lá” é um jogo de sinapses que reorganiza o passado, inscrevendo-o no conforto de uma memória colectiva que torna menos sozinha a solidão criada pelos anos que vieram contrariar “a utopia impossível”, para usar a expressão de um estrangeiro que escreveu sobre o 25 de Abril.

A cada passo, dos livros apreendidos à fuga a salto para a Europa, das prisões e torturas à aprendizagem a calar as marcas, das manifestações nas ruas ao que ficou por dizer, da impossibilidade contar porque não havia referências à necessidade de guardar a memória antes que os que a viveram desapareçam, da realidade da guerra nas colónias à retórica da metrólope e as consequências do choque entre um e outro mundos, do Portugal que se quis ao que ficou por fazer, Um Museu Vivo… é o país dos anónimos, dos que não sabiam que a política se pode fazer numa decisão simples como abrir a porta de uma casa para uma reunião, comprar um disco que se tornará senha da revolução, publicar um livro apenas para que não se esqueça, o país dos que aprenderam a dizer que não várias vezes, tantas quantas foram preciso para aprender a resistir um bocadinho mais, mesmo que nada disso fosse fazer política, porque era só viver todos os dias um bocadinho mais mesmo que todos os dias se vivesse um bocadinho menos, até aos dias em que se viveu tudo ao mesmo tempo e depois se ficou com a sensação de que alguma coisa ficou por viver.

 

 

Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas, apresentou-se de 26 de Julho a 2 Agosto no Negócio, em Lisboa

Uma criação do Teatro do Vestido, texto e encenação de Joana Craveiro. Fragmentos (video) para ver aqui: https://vimeo.com/103911152

 

 

Texto de Inês Nadais, publicado a 13 Novembro 2014 no ÍPSILON: O passado colectivo jamais será vencido

Crítica de Jorge Louraço Figueira, publicada a 16 Novembro 2014 no PÚBLICO: Riachos, ribeiros e outros afluentes da revolução

 

Outros espectáculos do Teatro do Vestido que partem das memórias pessoais e da memória colectiva do Portugal dos últimos 40 anos:

 

Retornos, exílios e alguns que ficaram (Viseu, 2014)

Museu SAAL – Memórias dos Moradores (Porto, 2015)

 

Mónica Garnel, teatro em fuga

Mónica Garnel durante o espectáculo

Mónica Garnel durante o espectáculo

Mónica Garnel é uma encenadora que se faz rara [com excepção de projectos de formação, apenas duas encenações: Entretanto, 2006; Sem título – carvão sobre tela, 2013] mas, a cada vez que emerge, alarga o centro de um teatro que tem no fragmento, no encontro e no risco a sua força. Drive-in, que concebeu para o novo espaço da Casa Conveniente, agora na Zona J, de Chelas, investe, novamente, num teatro de fragmentos onde o encontro entre cinco autores e cinco carros se torna espaço de confronto para quatro espectadores e quatro actores sem reservas.

É mais do que a provocação de um diálogo, mesmo que pareça sempre um mónologo. Drive-In prolongar o universo a que as produções da Casa Conveniente nos foram oferecendo – e quantas vezes não é a memória de Rua de Sentido Único, de Mónica Calle, que nos é devolvida e não apenas quando a encenadora, agora só actriz, nos vem contar a sua história – mas Mónica Garnel reivindica a sua própria autonomia dramatúrgica ao, na provocação de um diálogo, lutar contra o conforto, o domínio e a sedução sugerida pela ideia de intimidade instantânea.

Teatro de perigo, porque sempre em fuga, Drive-in é  sobretudo, uma gestão hábil, que gosta de se manter invisível, de tempos, gestos e intenções a partir das palavras de Miguel Castro Caldas, Dulce Maria Cardoso, Luís Mário Lopes, Ricardo Neves-Neves, José Miguel Vitorino e René Vidal. Os autores são aqui o princípio e o fim da viagem feita pelos actores, que encontram um tom que nunca esconde as suas diferenças e, sobretudo, se aproveita delas para compor uma paleta de intenções que corresponderá ao desejo intrínseco que se começa a desenhar com as encenações de Garnel, o de saber como trabalhar a partir da suspensão de uma forma finita de pensar o espaço como extensão do discurso do actor.

Se nas suas duas outras encenações a ideia de fragmento já estava presente – Entretanto era um mónologo que era, sobretudo, um espelho de um outro, feito por Ana Ribeiro; Sem título – carvão sobre tela, sujeitava a mesma actriz, Garnel, à surpresa de ter que construir, com o mesmo texto, de Miguel Castro Caldas, diferentes intenções que pudessem levar ao surgimento, justificado, de um noivo diferente todas as noites – agora o fragmento é, ao mesmo tempo, um mecanismo de ilusão. No mesmo carro, são os espectadores, escolhidos aleatoriamente, que são visitados pelos actores, cada um a apontar para uma outra realidade, criando um outro ponto de fuga que não aquele que se imagina ver a partir do vidro da frente e da noção de viagem. A encenação usa-se dessa possibilidade de confluência de ideias de viagem/fuga para deixar que sejam os textos  – da ficcção construída a partir de uma realidade, como com Dulce Maria Cardoso ou da ficção  que se quer realidade, como com Ricardo Neves-Neves – a deixar ver o modo como cada actor os quer revelar. A intimidade cria-se pela forma muito pouco artificiosa como Garnel gere as diferentes experiências profissionais e cria uma ideia de cidade a partir das diferentes interpretações.

O fragmento começa, assim pela errância das personagens, presas a uma memória que quer ser resgatada, apagada ou transformada, e que, com o desfiar das diferentes narrativas se vai mostrando como um puzzle a que a inteligência e a discrição da encenação nunca ousam resolver. É como se depois de si própria, da relação com outros actores, e agora com o público, Mónica Garnel alargasse a sua própria noção de fragmento e começasse a desenhar uma dramaturgia sustentada em ligações rizomáticas onde é a memória e a experimentação individual que concebem a dramaturgia interna, invisível e intransmissível de cada um dos espectáculos.

O risco desta proposta evidencia-se, então, pela capacidade de nunca se sentir – para além da evidente necessidade de circulação entre os carros pelos diferentes actores – o corte, o recomeço ou a ruptura. Há, sobretudo, um alargamento das possibilidades de leitura ao mesmo tempo que a tensão se vai transformando em intimidade e uma sexta história se vai construindo: a de quatro desconhecidos num carro que são visitados por cinco histórias contadas em momentos diferentes.

 

 

Drive-In, de Mónica Garnel, até 31 Julho, Casa Conveniente/Zona não Vigiada (Chelas)

com: Bruno Kande,Erica Rodrigues, Inês Vaz, Keila Camará, Luana Ferreira, Luís Afonso, Mónica Calle, Monica Garnel e Rene Vidal.

[num carro de luxo: Mónica calle + Dulce maria Cardoso
num carro amolgado: Inês Vaz+ Luís Mário Lopes
numa van:Bruno Candé+ Ricardo Neves Neves
numa carrinha: Daniela, Érica, Keila, Luana+ Miguel Castro Caldas
numa cápsula espacial: Rene Vidal+ José Miguel Vitorino]

Encenação: Mónica Garnel

Assistência de encenação: Sofia Vitoria
Produção: Monica Calle
Assistência de produção: Ana Rocha, Andreia Fumiga e José Miguel Vitorino
Vídeo: Eduardo Breda
Coreografia: Fábio Silva
Figurinos/chapéus: Diamantino de Djaló para Diamond Dye

Miguel Loureiro e o teatro raro

11745453_875176212519528_1904485744906159905_n

In Hora Mortis, de Miguel Loureiro, apresentou-se de 17 a 26 de Julho na capela do Teatro Taborda com interpretação do próprio e de Sara Graça. O modo como o espaço é investido, ocupado apenas pela palavra e pelo desejo de presença – e de pertença – expõe, uma vez mais, a singularidade do olhar de Miguel Loureiro na abordagem dos textos e do papel de um actor no confronto com a importância das palavras como acções. O teatro de Thomas Bernhard, marcado pela impotência humana, ultrapassada pelo rolo compressor da História, revela-se aqui, e pela intensa brevidade deste encontro, palavras de mágoa e impossibilidade. A contemplação torna-se acção quando o desejo de fuga é desejo de resgate, como de houvesse necessidade de expiação de uma culpa, por mais alheia que seja. Raro e descrente da simplicidade poética, In Hora Mortis, é uma raridade na confusão dos dias.

Perfil do encenador e dramaturgo (ocasional) publicado no PÚBLICO a 11 Dezembro 2012

 

Philippe Quesne e a arte da ilusão

01SC

Philippe Quesne chega amanhã ao Porto para encerrar a temporada 2014-2015 do Teatro Municipal do Porto. No Auditório Manoel de Oliveira apresenta-se Swamp Club, estreada em 2013 e sendo a última criação do encenador e cenógrafo francês para a sua companhia Vivarium Studio, antes de assumir a direcção do Théâtre Nanterre-Amandiers.

É a primeira vez que Quesne se apresenta no Porto, depois de ter passado pela Culturgest em 2009 com L’Effect de Serge e La Melancolie des Dragons, e em 2012 com Big Bang. A Inês Nadais conversou com Quesne e o texto é publicado hoje no ÍPSILON.

 

Excerto do texto “O teatro do irrepresentável chegou a Avignon” sobre Swamp Club, publicado a 19 Julho 2013 no PÚBLICO:

“Philippe Quesne, prolongando um teatro que opera ao nível dos sentidos, cria uma perturbante parábola sobre o desaparecimento do próprio ser humano. É um teatro que existe para lá do que possa ser representado e, por isso, as frases surgem correntes, os gestos banais, as acções intensamente práticas. Mas, no mesmo cenário apocalíptico que nos havia deixado no fim de Big Bang(apresentado na Culturgest/Alkantara Festival em 2012), Quesne desafia o princípio do storytelling e cria uma narrativa em que a consequência antecede a causa.

O grupo de investigadores que os actores interpretam dedica-se a antecipar o fim do mundo e habita já numa pós-realidade, em que a matéria é transitória, logo a sua representação impossível. A melancolia característica destas encenações-panorâmicas surge aqui sob a forma de animais empalhados e uma gigante toupeira que é, ao mesmo tempo, ex machina e oráculo.

Elementos perturbadores que – a par do quarteto de cordas que interpreta A Morte e a Donzela, de Schubert, como se fosse o epitáfio evidente – activam a relação de cumplicidade entre o estado de observação, de inacessibilidade, no qual Quesne coloca o espectador, e o convite certeiro à execução de um teatro do irrepresentável, onde tudo é intuído e desejado, onde o lifestyle da tecnologia e o spleen convivem como se fossem uma e a mesma coisa.

Nada em Philippe Quesne foi, alguma vez, tão experimental, tão efémero e tão hiperbólico como agora em Swamp Club, onde a vivência do humano – intérprete e espectador – contém um só desejo de evasão.”

 

Para ler aqui texto sobre Big Bang: Do plâncton ao pós-modernismo (ÍPSILON, 25/05/2012)

Para ler aqui um perfil do encenador escrito em 2010 para o festival FARº, em Nyon: O verbo inicial segundo Philippe Quesne

António e Cléopatra, de Tiago Rodrigues: hipnótico, minimalista, político

Sofia Dias e Vítor Roriz, em António e Cleópatra, de Tiago Rodrigues (fotografia Christophe Raynaud de Lage/Festival d'Avignon)

Sofia Dias e Vítor Roriz, em António e Cleópatra, de Tiago Rodrigues (fotografia Christophe Raynaud de Lage/Festival d’Avignon)

 

Já começaram a ser publicadas as primeiras impressões críticas sobre António e Cleópatra, de Tiago Rodrigues que desde domingo- e até 18 de Julho – se apresenta no Festival de Avignon.

 

“Tudo se passa como se uma língua se inventasse diante de nós”, escreve Jean-Pierre Thibaudat no site Mediapart, descrevendo Sofia Dias e Vítor Roriz como “dois intérpretes fascinantes” que “num teatro sem vãs panejamentos” gerem um conjunto de elementos “que se podem destabilizar o espectador, depressa [demonstram] a magia dos corpos e das palavras” sem “golpes de teatro”.

Fabienne Pascaud fala de um espectáculo “quase hipnótico”  no site da revista Télérama, descrevendo-o como “uma pavana de amor e morte”. Apesar de alguma “indulgência e maneirismos”, é a “precisão lancinante de Sofia Dias e Vitor Roriz, a beleza minimalista da sua dança, a justeza do seu tom [que] criam esse clima quase hipnótico”.

 

No site da Culturbox, Laurence Houot fala da “luta verbal e corporal” do encenador para descrever um “bailado às vezes tenso, às vezes calmo ” entre duas personagens que vivem “um jogo de espelhos que desmultiplica os movimentos e os sons ao infinito”.

 

Finalmente, Thierry Florile, no site da France Info, descreve António e Cleópatra como um espectáculo “entre a dimensão íntima e pública” onde Tiago Rodrigues “nos permite perceber a dimensão política desta obra, levando-nos a pensa na fractura entre Ocidente/Oriente, ou Europa/Grécia”.

 

+ textos:

Insense, por Arnaud Maïsetti 

Insense, por Yannick Butel

Libération, por Anne Diatkine

Le Monde, por Brigitte Salino

Tiago Rodrigues foi também um dos convidados da Universidade de Avignon onde, num encontro com alunos e público, falou sobre o seu trabalho, num encontro conduzido pela jornalista Laura Adler. Para ver aqui.

 

António e Cleópatra estreou no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, em Dezembro 2014 e foi considerado um dos dez melhores espectáculos do ano pelo jornal PÚBLICO. Ver crítica aqui.

Nova programação da Companhia Nacional de Bailado já disponível

Screen Shot 2015-07-10 at 3.32.27 PM

 

Já estão online as informações relativas à programação 2015-2016 da Companhia Nacional de Bailado. Depois de Sophia, é sob o signo de Adília Lopes que Luísa Taveira desenhou uma programação que inclui a reposição de Pedro e Inês, de Olga Roriz, uma versão de Romeu e Julieta assinada por Rui Horta (que ocupará os palcos do Teatro Camões e do Teatro Nacional Dona Maria II), uma nova criação pela Cão Solteiro, com André Godinho e Rui Lopes Graça, Morceau de Bravure, a estreia da primeira coreografia de Victor Hugo Pontes a CNB, a partir de O Carnaval dos Animais, composto em 1886 por Camille Saint-Saëns , e a colaboração da realizadora Cláudia Varejão e do bailarino Miguel Ramalho com aquele que será o Artista na Cidade 2016, o congolês Faustin Linyekula.

O programa pode ser consultado aqui, com espantosas fotografias de Bruno Simão.

Maria Barroso, actriz de teatro

Na fotografia, Maria Barroso contracena com Gabriel Pais no espetáculo “Férias”, estreado em 1945. Fot. Horácio Novais/TNDMII

Na fotografia, Maria Barroso contracena com Gabriel Pais no espetáculo “Férias”, estreado em 1945. Fot. Horácio Novais/TNDMII

Maria de Jesus Barroso (1925-2015) pertenceu à companhia Rey Colaço-Robles Monteiro entre 1944 e o fim da década, quando viu a renovação do seu contrato interditada pela PIDE. Voltaria a representar anos mais tarde, mas em 1966 a PIDE impediu-a de representar após o succés de scandale de A Voz Humana, apresentado no teatro São Luiz. Doze anos depois, escreveria a Amélia Rey Colaço para lhe agradecer um almoço. A carta, reunida no livro A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974) Correspondência, uma edição do Museu do Teatro, mostra a importância da passagem pela companhia que, então, dirigia o Teatro Nacional Dona Maria II

 

Lisboa, 22 de Setembro de 1978

 

Minha Querida Senhora Dona Amélia

Mandavam as leis da etiqueta que eu lhe tivesse telefonado a agradecer o seu encantador almoço em Fontanelas. Mas, mais importantes que essas leis frias e insinceras, serão apelos que o nosso coração nos dita. Daí o querer dizer-lhe desta forma quanto me senti – nos sentimos – felizes na sua linda casa, rodeados pela sua gentilíssima família. De tal maneira é verdade o que lhe digo que ficamos, como verificou, horas a fio conversando como se de muitos velhos amigos se tratasse.

A Senhora Dona Amélia conhece-me há muitos anos – 34! e sabe que um dos traços do meu carácter é exactamente a sinceridade. Sabe também como sempre a admirei e lhe fiquei – e estou – grata pelo muito que me ensinou na sua admirável escola de Teatro à qual estão presos alguns dos mais belos sonhos da minha juventude.

Gostámos muito de todos os seus e não esquecemos a delícia dos pratos feitos pela sua tão simpática empregada.

Peço-lhe que dê um beijo muito amigo à Marianinha e aos seus lindos netos e nos recomende a seu genro (com quem o Mário gostou muito de falar).

Para a Senhora Dona Amélia a minha muita admiração, a minha velha amizade e um grande beijo. Sua

 

Maria de Jesus

 

Em Benilde ou a Virgem Mãe, com Amélia Rey-Colaço

Em Benilde ou a Virgem Mãe, com Amélia Rey-Colaço

 

Em 2010 o Festival de Teatro de Almada homenageou Maria de Jesus Barroso e Joaquim Benite, então director, escrevia sobre a experiência de assistir a A Voz Humana. O texto pode ser lido aqui.

Um outro texto, de Luís Francisco Rebello, recorda o percurso de Maria Barroso no teatro. A ler aqui.

Júlio Gago, encenador e antigo director do Teatro Experimental do Porto, recordava na sua página de facebook as experiências partilhadas com Maria Barroso, nomeadamente o período de trabalho sobre A Voz Humana, que representaria a sua última presença em palco. Para ler, aqui.

11692625_1599017997031648_1581694783404764908_n

Capa do programa que incluía a apresentação de A Voz Humana, na encenação de Fernando Gusmão (1966)

 

 

Maria de Jesus Barroso Soares (Fuzeta, 2-5-1925) estreou-se no teatro em 1944 e foi, até à década de 60, apesar da sua juventude, uma das actrizes prestigiadas do teatro português. Diplomada pelo Conservatório Nacional (1943), licenciou-se depois em Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras de Lisboa (1951), onde conheceu Mário Soares, com quem viria a casar. Maria Barroso terminou o curso do Conservatório num exame público no Teatro da Trindade, cujo júri, presidido pelo grande actor Alves da Cunha, a classificou com 18 valores.

Em 1944, aparece no Teatro do Ginásio em Sua Excelência o ladrão, ao lado de Brunilde Júdice e Alves da Costa, e, no mesmo ano, no Teatro Nacional em Aparências, de Jacinto Benavente, dirigida por Palmira Bastos.

Aqui interpreta, nos anos seguintes, A pastora perdida, de Santiago Prezado, Filodemo, de Camões, Os maridos peraltas e as mulheres sagazes, de Nicolau Luís, Vidas sem rumo, de Olga Alves Guerra, Zilda, de Alfredo Cortês, Tovarich, de Jacques Duval, Raça, de Rui Correia Leite, Férias, de Maria Luz Regas e Juan Alvellos, A lareira do pecado, de Pedro Alvellos, Frei Luís de Sousa, de Garrett, Antígona, de Júlio Dantas, Auto da barca do Inferno e Auto da Cananeia, de Gil Vicente, Maria Rita, de Teresa Canto, Alcipe, de Teresa Leitão de Barros, Frei António das Chagas, de Júlio Dantas, Os velhos, de D. João da Câmara, Lisboa, de Jorge Ferreira de Vasconcelos, Benilde ou a Virgem Mãe, de Régio, O retábulo das maravilhas, de Cervantes, A casa de Bernarda Alba, de Lorca, Paulina vestida de azul, de Joaquim Paço d’Arcos.

Por razões políticas a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro cancela o contrato com Maria Barroso no fim dos anos 40. A actriz só voltaria ao teatro em 1965 (O segredo de Michael Redgrave e Antígona de Jean Anouilh, no Teatro Villaret; e em 1966 A voz humana, de Jean Cocteau, no Teatro São Luiz). Depois da Revolução de 74, Maria Barroso, que já interpretara filmes, entre os quais Mudar de vida de Paulo Rocha (1966), trabalhará com Manoel de Oliveira: Benilde ou a Virgem Mãe (1974), Amor de perdição (1978), Lisboa cultural (1983), Le soulier de satin (1985). Distinguiu-se também como declamadora de poesia, tendo participado em muitos recitais durante a resistência à ditadura do Estado Novo.

[biografia retirada do programa do Festival de Teatro de Almada]

I/O Gazette

Screen Shot 2015-07-07 at 3.32.43 PM

Criada por um grupo de entusiasmados twitters franceses, e misturando profissionais e apaixonados, nasceu, de forma efémera, a I/O Gazette, um jornal que faz a actualidade do Festival de Avignon, que decorre até 25 de Julho, em França. A ideia nasceu a partir de conversas na rede social, os apoios foram chegando sem exigir contrapartidas. Um jornal, La Provence, ofereceu-se para a impressão, houve quem garantisse alojamento, outros a distribuição e agora, todos os dias, um comité de redacção informal reúne-se para decidir quais os textos que deverão ser publicados na versão impressa. Direito ao contraditório, pontos de vista singulares, abordagens não-ortodoxas, e um projecto de crítica comunitária nascida da espontaneidade de alguns.

Para ler, em francês, uma entrevista sobre a origem do projecto: aqui.

Para seguir, em francês, todos os dias, aqui: www.iogazette.fr