Brava Luísa Taveira

Luísa Taveira nos estúdios da CNB, em 2011 foto: Pedro Cunha/Arquivo PÚBLICO

Luísa Taveira nos estúdios da CNB, em 2011 foto: Pedro Cunha/Arquivo PÚBLICO

Luísa Taveira foi reconduzida, como deveria ser, na direcção da Companhia Nacional de Bailado. Desde 2011 que a CNB ganhou em credibilidade, coerência artística, força e dinâmica, assertividade e reconhecimento o que, durante anos, por muitas e variadas razões, e responsáveis e tutelas, lhe viu ser negado. Isso deve-se à sua directora artística, mulher de mão-cheia, pulso firme, olhar afiado, atento, de pensamento inebriante, vivo, conhecedora experimentada tanto da dança (e, por isso, experimentada também na gestão da pressão do olhar de quem se senta na plateia) como da programação (e, por isso, mais do que habituada à gestão dos tempos, dos públicos e dos meios).

Em 2011 quando a entrevistei para o PÚBLICO, dizia-me: “Em vez de copiar, fazer”. E, de facto, com a chegada de Luísa Taveira a programação abriu-se a outras disciplinas como o cinema, a literatura, o teatro. Os nomes sucedem-se: Mário Laginha, Edgar Pêra, Andre E. Teodósio, Cão Solteiro, Carlos Pimenta, João Botelho, Tiago Rodrigues, João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, Cláudia Varejão. E todos eles a inventar um novo perfil para uma companhia que serviu sempre de saco de escárnio e pancada (e, algumas vezes, com razão).  Todos eles a perguntarem o que há de nacional numa companhia de bailado e onde acaba a dança e começa tudo o resto.
A direcção de Luísa Taveira deu a coreógrafos habituados a colectivos a possibilidade de insuflar os seus próprios percursos de desvios tão surpreendentes que os efeitos estão ainda hoje presentes no seu trabalho (Paulo Ribeiro com “Du Don de Soi“, Clara Andermatt com “Dance Bailarina Dance” são duas criações maiores num repertório contemporâneo que merecia estar a circular – e aguarda-se, com impaciência,
Victor Hugo Pontes e o seu Carnaval dos Animais).

Aos que conhecem bem os cantos à casa (Olga Roriz, Rui Lopes Graça, Vasco Wellenkamp e a aposta em Fernando Duarte) lançou desafios, propôs reconstruções, renovou a confiança, criando assim pontes e reunindo à volta de um elenco cujas condições de trabalho continuam a ser sistematicamente ignoradas pela tutela, um projecto artístico que só peca por não poder ser acompanhado financeiramente pela ambição que já provou ser a justa e a realizável.

Com esta direcção, voltámos a poder falar de um novo repertório e do que isso significa para um elenco que circula pouco e, por isso, não surge nas primeiras listas de companhias com poder de atracção (e nisso a culpa é das tutelas). De Anne Teresa de Keersmaeker a Faustin Linyekula, já estreados, a Akram Khan, em ensaios, voltámos a sentir a discussão a ser provocada, abrindo-se perspectivas, ensaiando novos modos de pensar a dança que se quer contemporânea. E houve poesia (Sophia e Adília Lopes e uma vez mais uma mulher a mostrar porque é que faz falta colocar as evidências em página impressa), conferências, e debates, um programa de acompanhamento para os mais novos feito sem medos nem concessões, e mais cursos e ainda mais vontade de fazer mais.

 Está por oficializar uma rede de intercâmbio internacional, que custa a ver a luz do dia, mas que é mais um exemplo da visão cosmopolita, consciente das dificuldades, arguta nas abordagens, crente na capacidade colectiva de mudança que caracteriza o discurso entusiasmado, e entusiasmante, de Luísa Taveira.
 Com as suas escolhas o Teatro Camões tornou-se, de facto, a casa da dança, pensada como um espaço aberto a todos e esses todos têm acorrido para ver espectáculos que, por tudo isso, se tornaram exemplos daquilo que de melhor se tem feito em dança em Portugal. Ainda há muito para fazer – há quase sempre tudo por fazer – mas o que já se conseguiu é mais do que o que nos havia trazido até aqui. A CNB é, hoje, um lugar aberto, discutido, de confiança, que soube construir-se ao arrepio das críticas, dos azedumes, da irresponsabilidade tutelar, dos debates pífios e do desinvestimento crítico. Segurou o investimento, renovou os públicos, traçou linhas vermelhas, criou modelos de responsabilidade social (como os ensaios solidários), tornou.se um exemplo ao qual se se pode pedir mais, sabe-se que muito já foi feito.
Ao fim do dia o que conta são os espectáculos e esses, nos últimos anos, passaram a constar regularmente nas listas de melhores espectáculos do ano – no PÚBLICO, pelo menos.  Há anos que tal não acontecia. Passou a ser uma evidência. Não é nem coisa pouca nem favor nenhum. É o que é porque, com tudo o que lhe foi sendo retirado e diminuído, com tudo o que foi ficando por fazer e com tudo o que, a partir de tudo isso, ainda assim se fez, a CNB tornou-se na companhia pela qual importa torcer, e pela qual vale a pena torcer.
Foi-lhe renovado o contrato, que sejam renovadas as forças porque são renovados os parabéns e os agradecimentos. Brava Luísa Taveira!

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