A tragédia iminente que já antecipamos em El loco y la camisa (encenação Nelson Valente), é como o chapéu que Beto pergunta se o pai está a ver e o pai lhe diz sempre que não, apesar do chapéu estar na cabeça do filho. Uma família – micro-realidade de uma sociedade sempre em busca de referências que lhe são, na maioria, ilusórias quando não mesmo traidoras – sentada para jantar (e no caso nem ao jantar chegam), é sempre uma tragédia.
O espectáculo de estreia do último Próximo Futuro é a surpresa de que aquilo que podemos antecipar pode sempre revelar-se pior. Não sabemos se nos incomoda mais a violência do pai ou a submissão da mãe, ou se o que se afigura como uma reprodução da mesma violência surda, e consentida, no casal em formação, a filha e o novo namorado da zona Norte, é mais violento do que a certeza de que o filho se escuda numa atracção mórbida pela verdade compulsiva. Sabemos, contudo, que é muito violento desejar que aquela família chegue, realmente, a jantar, sem mais e sem problemas, como se preferíssemos a mentira à dura realidade.
Talvez comece a deixar de fazer sentido querer ler em cada um dos textos vindos de outras geografias metáforas sociais e políticas para compreender o contexto onde vivem aquelas figuras. Afinal, o que há de distinto entre aquela família do subúrbio de Buenos Aires e uma outra de um subúrbio europeu? Para isso o teatro tem uma resposta, e o sul-americano em particular – como o programa Próximo Futuro provou ao longo dos últimos seis anos – o que se vai montando, minuciosamente, não é tanto a contagem decrescente para o detonar da bomba, mas a exposição da impossibilidade das várias personagens em conseguirem evitar essa detonação. A revelação da frustração decorre da consciência dos vários passos errados e outras permissividades anteriores que os trouxeram ao epicentro de uma catástrofe inevitável.
É esse o imenso desejo de ficção que El loco y la camisa nos cria. Uma ansiedade em contra-relógio que ensaia resguardar-nos da própria ficção quotidiana que cada uma daquelas personagens inventou para poder sobreviver. Um enorme desejo de fuga – daquela noite, daquela família, daquela tragédia – que mostra, afinal, como somos sempre apanhados na curva de um teatro como espelho que amplia os horrores das escolhas silenciosas que se vão fazendo.
Para ler, o texto Argentina para o jantar, de Inês Nadais, publicado no IPSILON de 4 Setembro