No Porto, hoje, dois momentos de particular relevância devolvem à cidade dois teatros.
Depois de anos envolto em taipais, o Teatro Nacional São João revela todo o esplendor da sua arquitectura, abrindo-se à Praça da Batalha e reclamando a centralidade que lhe é devida. É, tantos anos depois, o fim de fronteiras físicas que atemorizam e que, agora derrubadas, criam laços directos com as outras fachadas, diluindo as diferenças e encomendando novas visitas.
Mais abaixo, com mais expectativa, é o Rivoli que regressa. Que bom que é possuir a cidade a partir dos seus teatros.
Mas há uma imagem, partilhada pela equipa de comunicação do Teatro Municipal do Porto – Rivoli.Campo Alegre que me parece sintomática desta mudança.
O que existe de particularmente estimulante nesta fotografia – que regista simplesmente a presença de cartazes que anunciam o programa Rivoli já dança junto ao Silo-Auto – é a possibilidade de nela lermos duas visões distintas para a cidade do Porto.
Não é uma imagem qualquer, mesmo que tenha sido feita sem atenção ao seu potencial semiótico. Em frente ao Silo-Auto, que um dia quis ser um lugar de exposições, surge o anúncio que confirma o regresso de um outro espaço, pensado para dar razões para que a cidade se mova, em vez de se imobilizar de forma compartimentada, como propõe o Silo-Auto. Ao cinzento-seco impõe-se um rosa crescente. Ou seja, à forma, impõe-se o ritmo.
Mais do que uma imagem de confronto, é uma imagem de potencial e de futuro. Em frente a uma cidade da eficácia, da organização, da ordem, do previsível, do indistinto, surge agora uma cidade que, sabendo tudo isso, parte da forma, usa-se da experiência acumulada pela tradição (o expositor recuperado onde o cartaz está exposto) e se verticaliza, reorganizando-se a partir das mesmas linhas, propondo uma outra ordem social.
. É, para além disso, uma imagem que mostrando dois planos, os opõe, provando que uma cidade pode caminhar em diferentes direcções, de diferentes formas, em diferentes sentidos, de diferentes modos.
Abrir um teatro é sempre um sinal de movimento, de crença, de aposta no uso da ficção e da narrativa para reescrever, reencenar, reinterpretar, recriar a própria História. Reabrir um teatro é acreditar novamente nisso tudo contra o imobilismo tácito. É apostar confiando que a memória do passado não vai atropelar o que se vai seguir. É um risco mas é, certamente, um risco mais vivo do que estacionar ao lado dos outros. É aprender a andar depois de cair. O regresso do Teatro Rivoli reconfigurado agora num projecto único de Teatro Municipal para a cidade que engloba também o Teatro do Campo Alegre é a possibilidade de criar na cidade do Porto um novo modo de agir e de se mover, independente da expectativa do passado – logo do imobilismo horizontal– crente no potencial de presente – logo apostando na ética da verticalidade.
No dia em que um teatro abre, é um dia em que a cidade se reorganiza. Há uma nova centralidade que se cria, um novo eixo a partir do qual a cidade pode ser construída. Não é apenas um símbolo, é um modo de agir sobre o presente pensando o que se segue.