A nossa Europa é do tamanho da pequenez nacional

“The Beekeeper” by Theo Angelopoulos, Greece, 1986

“The Beekeeper” de Theo Angelopoulos, Grécia, 1986

 

Em nenhum momento desta campanha, e mesmo da sua fase imediatamente anterior, ouvi qualquer partido, dos que se sentam na Assembleia da República e têm representantes no Parlamento Europeu, aos que se organizaram entretanto e chamaram cabeças de cartaz para ver se para lá vão, falar do que está em causa para a Europa a partir de 25 de Maio.

Depois de um dos mais difíceis mandatos desde que entrámos na União Europeia, quando o país teve que passar por um processo de emagrecimento que, na verdade, foi de empobrecimento, o debate sobre o contributo que Portugal pode ter no desenvolvimento social e económico da Europa tem estado ausente da campanha, como está aliás do discurso dos partidos políticos ao longo dos anos que separam cada acto eleitoral. Bruxelas é apenas capital da decisão, não é capital da reflexão. Bruxelas é essa coisa abstracta, essa entidade sem rosto de onde parece vir tudo feito. Mas não é, ou não deveria ser. E os partidos representados na Assembleia e no Parlamento deveriam ser os primeiros a esclarecer isso mesmo.

A esclarecer por exemplo que, de facto, há uma diferença entre um voto num partido para a AR e um voto no mesmo partido para o PE. Que quando se vota para a AR há, formalmente, um reflexo da representatividade do voto no hemiciclo, organizado por partidos. Mas quando se vota para o PE os votos são todos contabilizados e os partidos perdem as suas identidades nacionais e organizam-se conforme as suas famílias políticas europeias. É por isso que os partidos deveriam começar por explicar o que distingue a sua família da família dos outros, para depois explicarem o contributo que prestam ao discurso dessa mesma família. Quem consegue identificar a que família política pertence o PS, o PSD, o CDS, a CDU e o BE? E para que família vão depois?  Portanto, se o PSD e o CDS-PP pertencem ao grupo do PPE-ED, o PS ao grupo do PSE, e o PCP e o BE ao grupo do GUE, quais são os programas políticos desses partidos e o que defendem para os próximos cinco anos na Europa? E se, efectivamente, o PCP e o BE estão na mesma família, porque é que em vez de se digladiarem para ver quem empurra mais o PS para a esquerda, não explicam o que fazem de diferente dentro do mesmo GUE?

O debate sobre a Europa nunca preocupou os partidos políticos. É ver como, nas eleições para a AR, a Europa não está presente nos programas a não ser para lançar chispas e farpas sobre uma ausência de identidade/identificação sobre uma realidade que é  cada vez mais federalista mas sem coragem para o ser realmente.

O nível de discurso sobre a Europa nas eleições legislativas, por exemplo, está ao nível do ridículo e o melhor exemplo desse ridículo (a sua caricatura) é a manutenção de um deputado eleito pelo círculo da Europa e outro pelo círculo fora da Europa sem que, ao longo de quatro anos, se ouça uma palavra que seja sobre as relações entre uns e outros. Daí que seja absurdo dizer que a vaga que possa nascer nas europeias possa servir de leitura sobre os futuros resultados legislativos. Num outro plano, o das eleições autárquicas, e num país em que, ao contrário de outros na Europa que estão divididos por regiões, a escala serve de desculpa para uma ausência de discurso sério sobre modos de organização a nível local, regional e nacional,  uma efectiva articulação com uma Europa que, cada vez mais, aposta num diálogo e numa estruturação em rede é inexistente. Assim, quando chegamos às Eleições Europeias, a diferença que existe entre o país que serve os números e as estatísticas – e que até pode querer dizer que o país melhora – o país real é do tamanho de um país que não sabe pensar-se como país europeu.

Preocupados com a leitura nacional dos resultados de 25 de Maio, os mesmos partidos que querem votos para a Europa lançam ataques contantes sobre políticas nacionais, como se houvesse uma relação directa entre o que se pode decidir na Europa e o peso que isso tem em cada um dos partidos e da sua imagem pública. Preocupados com a leitura nacional, os partidos políticos têm sobre a Europa um discurso do tamanho da sua pequenez, falta de ambição, de estratégia, de visão, de consciência dos modos como podem contribuir para uma outra política. Têm, afinal,  um discurso do tamanho da sua incapacidade de se verem como plataformas integradoras, de se assumirem, afinal, como elementos fundamentais do processo democrático. Porque se escusam a admitir a culpa que têm sobre o divórcio entre o que defendem e o modo como são defendidos, ignoram estratégias de debate, de discussão para um país que precisa da Europa porque, precisamente, a Europa existe por causa dos países. Por isso é que preferem manter-se na espuma da política nacional porque sabem que, na Europa, a sua voz não conta.

Portugal perderá um eurodeputado a partir de 25 de Maio por força da entrada de um novo país, a Croácia, mas o debate sobre o que isso significa tem estado ausente da campanha.  Do mesmo modo que a presença dos eurodeputados no espaço público português é dedicado não a falar da Europa mas da vida interna dos partidos. Os mesmos partidos que, entre cada eleição, nunca pensam na Europa. E só por isso é que está ausente o papel dos partidos na responsabilização da perda de milhões de euros de fundos europeus por força de um sistema burocrático nacional. Ou ainda, não têm os partidos falado sobre o que serão as prioridades para os próximos cinco anos, em que um novo presidente da Comissão irá presidir aos destinos de uma Europa que, cada vez mais, perde o seu lado de União. Sobre nada disto se tem falado porque, precisamente, os partidos – todos eles – sabem que, na marcação de território e limitação do espaço do adversário, o peso da Europa no debate nacional é insignificante. Não houve, ao longo dos anos, uma explanação das conquistas feitas pelos projectos nas mais diversas áreas junto dos financiamentos europeus. Não houve, ao longo dos anos, uma identificação e avaliação das estratégias e dos resultados, das mais-valias e das dificuldades, de um país que tinha tudo para se posicionar como plataforma de desenvolvimento mas optou por uma política de fechamento e de limitação.

A geração mais bem formada não soube, afinal, explicar ao país as vantagens de estar na Europa porque, na base, Portugal não sabe ser um país europeu. O que é francamente distinto de pertencer à Europa.

Portugal não aprendeu nada com a crise porque não soube fazer da crise a oportunidade para pensar o seu lugar na Europa. A Europa é do tamanho da pequenez nacional. Não há na política nacional uma política europeia. Vivemos no síndroma da independência sem sabermos que a independência se ganha na capacidade de melhor saber aproveitar todos os recursos à nossa disposição. A Europa é um recurso mas Portugal não lhe sabe dar uso. E é também por isso que nenhum partido discute o que de importante e grave se passará a 26 de Maio quando, por desconfiança nacional, os efeitos dos votos na Europa permitirem a chegada dos partidos extremistas, que iludindo a definição de conservadorismo, colocarão em causa um  Parlamento que deveria zelar por valores que todos os partidos democráticos e humanistas (e incluo aqui, por força do seu papel na história nacional, todos aqueles com assento na AR) deveriam defender antes de tudo o que os separa. Mas porque só falam do que os separa, não falam do que, lá fora, os une.

A desconfiança, a falta de discurso e a ausência de políticas contribuirão para a abstenção. E a abstenção contribuirá para que, se as sondagens se confirmarem, aquilo que foi a base da União Europeia seja posta em causa. Os partidos que deveriam esclarecer as vantagens da Europa, e a protecção que a Europa permite – económica, social, cultural – entretêm-se num jogo do empurra que não serve a Europa e menos ainda lhes serve a eles. A não ser no jogo infantil da culpa. Ninguém discute a Europa porque a ninguém interessa relevar as possibilidades de um mercado mais aberto, mais vasto, mas competitivo, num mundo com outros eixos que há muito deixaram de olhar para este velho continente como atractivo. Se a Europa contasse, os partidos, ao invés de andarem a brincar aos slogans sobre a saída do Euro, o não pagamento da dívida, o descartar de culpas por essa mesma dívida, estariam a discutir, uns com os outros, modos de agir na Europa e a apresentar estratégias para combater retrocessos civilizacionais como aqueles que se admitem vir a acontecer se, como se imagina, o país não souber para o que está a votar. E, no entanto, não podemos deixar de ir votar. Mesmo que, no dia seguinte, aquilo para que votamos volte a ser esquecido.

 

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