Notas de ensaio: Orfeu e Eurídice, de Olga Roriz/Companhia Nacional de Bailado

Nem sempre é fácil o diálogo com a composição de Gluck, com a sua sonoridade poética e a sua plasticidade envolvente. Olga Roriz regressa aos amores trágicos onze anos após Pedro e Inês, também para a Companhia Nacional de Bailado, e revela, no ensaio a que assisti, a uma semana da estreia, um movimento que contrasta com a violência que se esconde na própria obra de Gluck. O movimento já não é exacerbado mas continua expansivo, já não é presencial, é evocativo, todo ele feito de detalhes, de discrições, de diálogos e rimas internas entre homens e mulheres que, se guardam o essencial de um olhar que nunca distinguiu os corpos em cânones sexuais, exploram também a responsabilidade de Orfeu e de Eurídice, no que a acção de um pode ser a consequência de outro, sem se determinar a quem cabe a responsabilidade pela injustiça.

Os bailarinos abrem o espaço com os seus movimentos, num jogo de territorialização que se revelará conscientemente discreto, agindo no espaço – negro, negrume, negrito, de Nuno Carinhas, pintado pela paleta diversa dos mantos e saias – como se procurassem, na possível descrição de uma sociedade, o que existe de comunhão e de comunidade. Como se Orfeu e Eurídice fossem um só. A certa altura aquela que não pode ser vista é aquela que não vê. E isso revela, afinal, um olhar absolutamente feminino sobre um mito que foi sendo reformulado ao longo dos tempos. È olhar para a cena final e perceber porque é que Orfeu não pode ser perdoado.

 

Estreia dia 27 no Teatro Camões, em Lisboa.

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