O regresso ao grande salão

Quando O Grande Salão se estreou em Fevereiro, no espaço Negócio, da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, ficámos surpresos pelo modo como Martim Pedroso estruturava um espectáculo em torno da volatilidade dos status do Facebook. Afinal, tentativas de reinscrição de uma ferramenta do quotidiano no quotidiano ficcionado do teatro têm-se mostrado mais frágeis e mais efémeras do que a velocidade com que a rede social é gerida (como por exemplo 33 Tours et Quelques Secondes, dos libaneses Lina Saneh e Rabih Mroué).

Martim Pedroso tem trabalhado autores que pensam a condição humana em registos muito diversos: Koltés, Bergman ou Kleist. Mas o seu teatro tem sempre um sentido de autoparódia e derrisão que permite pensar que a ideia de um salão onde a sociedade se encontrava, como acontecia nas sociedades feudais e burguesas, se transferiu agora para a grande sala de encontro que são os murais do Facebook. E por que não imaginar esse lugar de malícia, de perfídia, de má-língua e de fins de noite mais secretos que os segredos que se guardam nos bastidores no salão do Jardim de Inverno do São Luiz, que recebe agora este espectáculo?

Até o momento final do ano – é relevante porque recupera uma tradição perdida no teatro português, a do ano em revista. Durante muito tempo, e não apenas nos teatros de bas-fond, nos vaudevilles que nunca tivemos realmente ou nos teatros do Parque Mayer, o ano era revisitado em números que o ridicularizavam, o comentavam, o reflectiam. Perdeu-se porque, provavelmente, já nem o teatro sobrevive à velocidade dos dias e o Facebook guarda tudo. Mas, talvez por isso mesmo, este espectáculo, na sua intencional diatribe, socorre-se desse falso diário e atira-se à goela da memória virtual. Respigamos, roubamos, citamos, enfim, da página do próprio encenador: “Mas o Facebook agora é que me escolhe os momentos de 2012??? Que grande lata!! E já agora não me quer também já traçar o futuro para o próximo ano de 2013? Pffff!”

O que O Grande Salão sugeria em Março – e que, muito seguramente, sugerirá agora – é um modo de actuar sobre as reacções momentâneas e esporádicas a tudo o que se move à nossa volta. Pode também ser uma oportunidade que nos faça fechar um ano tão difícil com a melhor das chaves: a rir.

(texto publicado na revista 2 a 16 Dezembro 2012)

 

A crítica publicada a 15 Fevereiro no P2:

Se olharmos para O Grande Salão como uma tentativa de recriação da falsa ficção que todos os dias se vai construindo no Facebook, corremos o risco de o levar mais a sério do que deveríamos e, por isso mesmo, não sermos capazes deolhar com distância para um objecto que, precisamente pelo tema que aborda, precisa de viver no risco da sua autodestruição.

A sociedade é mais reduzida do que o teatro, capaz de, através de um texto, generalizar impressões e opiniões. No caso do Facebook, porque o mundo é construído à nossa medida, há a ideia de que o entendemos. Por isso O Grande Salão é sempre mais interessante quando se diverte com a própria montagem dos textos, seguindo  através da surpresa dos actores, o mesmo prazer inusitado, e a mesma cumplicidade genérica, que encontramos nos status do Facebook. E é sempre mais frágil quando sai dessa partilha que terá de ser efémera, para procurar diagnosticar uma padronização de gostos, tendências e modas.

O modo como os espectadores são colocados, em sofás e cadeiras, em frente à plateia, onde os actores estão sentados, num jogo de espelhos e apagamento, transforma O Grande Salão numa falsa assembleia representativa. E é por isso que, olhando para a disponibilidade do vasto elenco, se destacam Catarina Guerreiro, João Villas-Boas, Juana Pereira da Silva e Maria Ana Filipe que conseguem brincar com os “bonecos” que carregam, num trabalho atento aos detalhes, à ironia e à derrisão com que é preciso olhar para tudo o que se publica, se diz e se acha que se entende.

Contudo, Martim Pedroso segura um elenco com uma destreza que já lhe havíamos visto em Marcações para Um Crime, 2005 e Seres Humanos, 2007, mas que se havia perdido por entre textos de duvidosa ambição e uma encenação que se escondia atrás de símbolos (do qual se ressalva Impasse, um curioso exercício de escrita a partir de Solidão nos Campos de Algodão, de Koltès, 2006). Agora revela, apesar de tudo, o que melhor caracteriza o seu trabalho, uma voragem referencial que aqui, provavelmente consciente da vacuidade de muitas das frases, estados de alma e partilhas que fazem o quotidiano do Facebook,n se atropelam e anulam e, na sua efemeridade, não são mais do pistas para um ambiente, um círculo em permanente composição.

 

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