Christophe Honoré e o Nouveau Roman

Texto publicado a 16 Julho 2012

Actualmente no Théâtre de la Colline, em Paris, Nouveau Roman, de Christophe Honoré, quer ser um retrato feito à luz da contemporaneidade, dos autores que fizeram a mudança da literatura francesa. Falha, mas é ainda assim, comovente.  


Há uma frase do escritor Samuel Beckett que, sensivelmente a meio de Nouveau Roman, uma das personagens diz, como se quisesse criar um outro tempo dentro do próprio espectáculo: “A fotografia de um escritor é sempre a fotografia de dois corpos. O corpo literário no qual gostaria de se ver, e o corpo que realmente tem.”

A peça que o realizador, autor de livros infantis e romancista Christophe Honoré apresenta em Avignon parte desta ideia de distância entre o corpo e o sujeito, entre autor e obra, para fazer uma homenagem a um conjunto de escritores que, no fim dos anos 1950 e início dos 1960 fizeram, em França, parte de um movimento literário conhecido por nouveau roman (novo romance).

“Esta encarnação de um escritor em palco fascina-me por oposição ao cinema, limitado pelas suas convenções e conveniências”, diz o encenador numa entrevista impressa no programa da peça. Mas Honoré não consegue ir mais longe do que as convenções e as conveniências, ao procurar apresentar personagens a partir de figuras que tinham, em si mesmas, uma dimensão literária, que ultrapassava as suas obras. O seu desejo de presente era tal que as suas obras ficavam condicionadas pelos seus discursos.

Os livros de autores como Marguerite Duras, Nathalie Sarraute, Michel Butor, Claude Mauriac, Claude Simon ou Robert Pinget, figuras presentes na peça, ao lado so seu editor Jérôme Lindon, das Éditions de Minuit, procuravam uma desafectação ao real histórico, ao mesmo tempo que criavam um outro real, “escrito com as palavras de hoje, palavras reconhecidas por todos”.

Honoré tenta colar-lhes um sentido revolucionário que se aproxima perigosamente das generalidades que hoje fazem muitas das defesas da arte pela arte. O que não é, no essencial, a ideia de “arte pela arte” de que falava Robbe-Grillet, um dos autores desse movimento.

Jean-Paul Sartre, escritor que Robbe-Grillet queria lançar na fogueira, a par de Balzac e Stendhal, escreveu no prefácio a Portrait d”un Inconnu, de Nathalie Sarraute (Gallimard, 1956), que “estas obras estranhas e dificilmente classificáveis não testemunham a fragilidade do género romanesco, elas assinalam que vivemos numa época de reflexão onde o romance tem dificuldade em reflectir sobre si mesmo”.

Tentativa meritória
A revolução provocada por estes autores tinha um sentido histórico. Explica Honoré que “os escritores, após os horrores da II Guerra Mundial e das guerras coloniais, haviam deixado de se considerar especialistas, ou seja uma instância que sabe e que passa uma mensagem aos seus leitores mas, ao contrário, uma pessoa que não sabe e, por isso, os seus livros devem carregar essa incapacidade de se exprimirem ao mundo.” Era disto que falava Sartre. Seria disto que Honoré pretendia falar.

A peça tenta reflectir sobre o processo de escrita, criando um exercício de teatro-documentário que junta os livros dos autores às suas entrevistas, ensaios que escreveram e manifestos que assinaram, numa tentativa de composição que, apesar de meritória, falha de modo evidente. Honoré tritura as suas histórias, normalizando as relações e efabulando sobre as suas vidas, num gesto de composição característica do seu cinema: uma incapacidade de tornar reais as suas personagens, por tanto as querer portadoras de referências que serão comuns a todos, venham elas da arte ou da filosofia. E sobretudo de uma elite parisiense que vive acima da realidade.

Honoré coloca os actores – todos jovens, todos enérgicos, todos incapazes de compor uma personagem a partir de tal material – a debitar um texto cheio de certezas e sem pathos dramático. É evidente a paixão que tem por este movimento, que diz no início da peça, o formou como autor, mas, como todas as paixões, está cego por ele.

Uma peça como um livro

Honoré quer, tal como fez com Chansons de Amour para a Nouvelle Vague, fazer com Nouveau Roman uma peça de teatro como se fosse um dos livros do movimento, sem narrativa, sobre o processo, sem objectivos claros. Ora, como escreveu Alain Robbe-Grillet “o nouveau roman não é uma teoria, é uma pesquisa”: “É certo que existem as obras mas, sobre elas, os escritores não serão juízes. Por outro lado, é sempre sobre as nossas pretensas intenções que nos condenam: os detractores dos romances pretendem afirmar que são o resultado das nossas teorias perniciosas, e outros afirmam que os romances são bons mas porque foram escritos contra eles mesmos.”

Ao colocar em cena vários desses autores, Honoré traz para o palco uma famosa fotografia, tirada em 1959, que mostrava aqueles que afirmavam ter um único compromisso: “o da literatura”. E, fotógrafo que é – no sentido em que prefere sempre a criação de uma imagem indestrutível a uma reflexão que mostre as suas ambiguidades – tenta fazer o pino num cabo de aço a cem metros de altura. Falha, obviamente. Mas é uma falha que, apesar de tudo, se perdoa. Afinal, ainda hoje, é impossível compreender tudo sobre o modo como esses escritores mudaram a literatura francesa.

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