Avignon em quatro linhas ou menos IV

photo Christophe Reynaud de Lage

 

Apesar da dimensão plástica, que transforma a Cour d’Honneur numa ilha de Próspero, ficamos sem saber se a encenação de A Gaivota, por Arthur Naizyciel, é um olhar sobre o tempo e o modo no qual Tchékov escreveu a peça, no final do século 19, onde a chegada do cinema, o início da psicanálise e a segunda fase da revolução industrial alteraram profundamente o modo de representação ou, simplesmente, um exercício de mastigação do texto sem uma outra ideia aparente que não seja fazer de uma peça, ainda hoje símbolo de uma utopia possível, um trabalho de profundo aborrecimento.

 

The Tempest to come não adiante muito no trabalho do colectivo britânico Forced Entertainment. Sobretudo quando, há uns anos, fizeram um pequeno exercício chamado  Void Story onde, através da narração de histórias, como se fosse um programa de rádio, mostravam porque é que o teatro que fazem, na sua desconstrução da relação entre imagem e a sua representação, não tem, efectivamente rival. Os actores fazem um jogo de teatro-no-teatro, naquele modo non-chalant que os distingue, mas a armadilha que criam, na passagem de uma história para a outra, abandona-os a uma exposição demasiado crua, muito menos protegida do que anteriormente.

 

Há os livros, os filmes e depois as peças. E, às vezes, há quem queira fazer tudo, como Kornel Mudróczo que na adaptação que faz do romance Desgraça, do sul-africano J. M. Coetzee, tenta fazer pontes entre o apartheid e a actual situação política e social na Hungria, triturando as ambiguidades do texto original, não para sugerir uma possível leitura, mas para, ao contrário, expor, crua e retoricamente, um teatro de violência superficial e revolta mal digerida.

 

The Four Seasons Restaurant, Romeo Castellucci, começa com um grupo de raparigas que, num ginásio, simulam cortar a língua para a darem a comer aos cães. Essas raparigas, vestidas como se fossem gentias, representam um simulacro de A Morte de Empédocles, de Holderlin, antes se desaparecem de cena e darem lugar ao cadáver de um boi que depressa é engolido pelos panos pretos que cobrem as paredes. Termina com o simulacro de um buraco negro a atrair toda a matéria e energia antes presente em cena. Tudo o mais existe na cabeça do espectador. Que pede a signore Castellucci que explique.

 

Há espectáculos que nos assustam e aos quais não se consegue resistir. Conte d’Amour, de Markus Ohrn (na imagem) é um desses casos. Como se pode representar o mal quando esse mal tem o rosto de um familiar? e como dar a ver a violência a que foram sujeitas pessoas que nunca conheceram mais nada senão humilhação e horror? A partir do caso Joseph Fritzl, encena-se um jogo perverso, usando actores de uma generosidade sem limites, e um dispositivo de distanciação como o vídeo para mostrar a impossibilidade de escapar ao mal. Perigosamente irresistível.

 

Avignon em 4 linhas ou menos III: Stephane Braunschweig, Josef Nadj, Éric Vigner, Nacera Belaza

Avi­gnon em 4 lin­has ou menos II: Sidi Larbi Cherkaoui, Jérôme Bel, Guil­laume Vincent

Avi­gnon em 4 lin­has ou menos I: William Ken­tridge, Simon McBur­ney, Katie Mitchell, Lina Saneh e Rabih Mhroué, Christoph Marthaler

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