Festival de Almada 2012

Peter Stein em Faust Fantasia (fotografia Lorenza Daverio)

Para um festival que começou em 1984 como um encontro de grupos amadores, no Beco dos Tanoeiros, em Almada, existir hoje, tantos anos depois, num país que tem alguma dificuldade em ver “a cultura como pilar estruturante da sociedade” não é apenas um feito. Para usar as palavras do encenador Ricardo Pais, os dias do 29.º Festival Internacional de Teatro de Almada, cuja programação foi apresentada ontem, serão dias em que “a crise fecha as portas e podemos viver no planeta-teatro”.

De 4 a 18 de Julho, entre Almada e Lisboa, dezoito espectáculos vindos de França, Alemanha, Israel, Roménia, Itália, Espanha, Suíça e, claro, Portugal. Nem todos de teatro, mas também de dança, novo-circo, poesia e música, num festival dirigido, como sempre, por Joaquim Benite que será, durante o festival, agraciado com o grau de oficial das artes e das letras de França.

É a Benite que se deve o festival e foi para Benite – em convalescença, depois de uma sucessão de complicações hospitalres graves – que foram os abraços, os cumprimentos e os desejos de recuperação por “artistas-companheiros”, como disse o encenador Miguel Seabra.

Seabra e Pais serão, com Pedro Gil, três dos encenadores portugueses a estrear novos espectáculos. Pais apresenta dias 5 e 6, no Teatro Municipal de Almada, uma nova encenação de O Mercador de Veneza, de Shakespeare, depois de uma primeira montagem em 2008, no São João. Miguel Seabra celebra 20 anos do Meridional com a interpretação e encenação de O Sr. Ibrahim e as flores do Corão, de Eric-Emmanuel Schmitt, a 16 e 17 no Fórum Romeu Correia. Pedro Gil mostra Enquanto vivermos, obra original co-assinada com Romeu Costa, na Culturgest de 6 a 8. A outra estreia mundial é da responsabilidade do colectivo flamengo TgStan, que regressa a Lisboa, depois de ter passado pelo Alkantara Festival há umas semanas, com Nora, a partir de Casa de Bonecas, de Ibsen.

À partida, nada unirá estas peças, mas o facto de serem programadas neste festival revela, para usar as palavras de Amélia Pardal, da Câmara Municipal de Almada, “a inteligência”, “a capacidade” e “a militância cultural” de uma programação feita “num quadro [financeiro] muito difícil”.

Benite escreve, num texto do programa, que “o festival enfrenta dificuldades financeiras acrescidas”. Mas é essa atitude “derivada, por um lado, da prudência realista mas também, por outro lado, do gosto do risco”, escreve, que permite trazer este ano nomes como os do alemão Peter Stein (Faust Fantasia, 9 e 10, São Luiz), do suíço Christoph Marthaler (Mais ou Menos Zero, 13 e 14, Centro Cultural de Belém), do espanhol Israel Galván (La Edad de Oro, 4, Palco da Escola D. António da Costa) ou da israelita Yael Ronen (A véspera do dia final, 10 e 11, Teatro Nacional D. Maria II). Nomes que correm outros festivais, independentemente das suas linhas programáticas e que, aqui, escrevem outras histórias a partir do que os distingue.

O que poderá unir Murmure des murs, a peça de novo-circo que a neta de Charles Chaplin, Victoria Thirrée-Chaplin (12 a 15, Culturgest), a A idade de ouro, com a qual Israel Galván, o enfant terrible da dança flamenca, abre o festival no palco ao ar livre da Escola D. António da Costa? Ou entre o ginasta da palavra Valère Novarina, que Philip Boulay encena em Para Louis de Funès (Franco-Português, 6 e 7) e a poesia de Fernando Pessoa trazida pela dinamarquesa Anna Stigsgaard em Lisboa (largo do Teatro São Carlos, 9)? Nada, a não ser “a qualidade, a diversidade e a actualidade”, escreve Benite. É tudo e ainda assim não chega para definir um festival que junta ainda o Teatro da Cornucópia (O sonho da razão, a partir de Sade, Voltaire e Diderot, encenação Luís Miguel Cintra, estreia dia 28 Junho), os Artistas Unidos (Herodíades, enc. Jorge Silva Melo) a Comuna (A Controvérsia de Valladolid, enc. João Mota) e a Companhia Nacional de Bailado (Sagração da Primavera, coreografia de Olga Roriz),

O festival homenageia, como sempre, uma figura do teatro. Este ano, a actriz Cecília Guimarães, cujos sessenta anos de carreira revisitaremos numa exposição na Escola D. António da Costa.

 

texto publicado a 24 de Junho no PÚBLICO

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