Pode não ter um estilo, mas tem uma escola que quer ser um laboratório. A P.A.R.T.S. é o lugar onde a dança de Anne Teresa de Keersmaeker é testada pelas novas gerações de bailarinos. Os trabalhos dos novos alunos chegam ao Maria Matos dias 6, 7 e 9, sempre às 19h

G#$*&!/Disagreement?/How to dance things with doing by Camille Durif Bonis, Nestor Garcia Diaz, Siet Raeymaekers, Michiel Vandevelde & Cyriaque Villemaux (crédito: Bart Grietens)
Anne Teresa de Keersmaeker pode dizer que não tem “uma técnica”, que trabalha “um estilo sem estilo”, mas o que faz, e o modo como o faz, passou a ser “um discurso para ser partilhado”. É pelo menos assim que se pode resumir, nas palavras de Theo Van Rompay, o trabalho que a P.A.R.T.S. faz em Bruxelas, onde está sediada paredes meias com a companhia Rosas.
A P.A.R.T.S., acrónimo para Performing Arts Research and Training Studios, nasceu de “um desejo de prolongar a experiência proporcionada pelas peças de Anne Teresa”, diz Theo van Rompay, o director da escola, mas depressa passou a ser uma referência procurada por aspirantes a bailarinos vindos de todo o mundo. “Eu não penso em legado, não penso em história, não acredito na transmissão pela transmissão”, diz a coreógrafa.
Será por isso que continua a fazer as primeiras peças e que só agora começou um trabalho de notação (escrita coreográfica) para elas: “Tem sido fascinante descobrir que aquilo que fazia intuitivamente pode ser transformado em palavras, mas [a descrição] não é a coreografia”.
Foi nesse “desequilíbrio” entre a memória e a acção que se baseou a ideia de criar uma escola. “Nunca quisemos ser a escola da Anne Teresa”, explica-nos Theo van Rompay.
E se é verdade que a escola tem como base o repertório da companhia Rosas, e muitos dos alunos acabam por integrar as peças da coreógrafa, a P.A.R.T.S. autonomizou-se e tornou-se uma montra dos futuros protagonistas da dança contemporânea europeia. Os seus trabalhos são mostrados em festivais, como o Alkantara, que voltará a apresentá-los em Junho (no quadro da rede Départs); os esboços de peças dão depois origem a espectáculos e os bailarinos acabam por integrar os elencos de diferentes coreógrafos. “Sim, sabemos que é um objectivo de muitos estarem na P.A.R.T.S., mas o processo de selecção é muito rigoroso”. “E intuitivo”, acrescentará mais tarde o director da escola.
Um dia nos estúdios da escola, afastada do centro de Bruxelas e instalada no que eram as antigas lavandarias da coroa belga, mostra bem a diversidade de línguas, de modos de pensar e de modos de fazer dança. O calendário intenso das aulas, que cruzam diferentes técnicas com outras disciplinas, faz a P.A.R.T.S. parecer uma escola, mas Theo prefere falar de “um laboratório”. E é isso que se sente. “É uma experiência exigente, mas não deixa de ser uma experiência. Como é que se pode ensinar o que é a dança? Fazendo-a? Mas como?”, pergunta Theo.
Por isso é que a P.A.R.T.S. não se vê como uma escola e se integra numa “pequena fábrica” que inclui salas de ensaio onde várias companhias trabalham “até à véspera da estreia” (incluindo a Rosas), uma outra sala capaz de acolher 400 espectadores, os estúdios de trabalho dos alunos e uma zona de construção de cenários.
Para Anne Teresa, que procura não interferir directamente no dia-a-dia da escola mesmo que seja por sua causa que só se come vegetariano na cantina e que todos os dias começam com uma aula de ioga, “os bailarinos, hoje, já nascem no interior de redes e de circuitos, começam a fazer peças para si ou mais dois ou três bailarinos, mas não têm muitas possibilidades de participar, ou de fazer, em peças de grupo”. A P.A.R.T.S. oferece-lhes isso, “e mais”, diz Theo van Rompay, “a exigência de um trabalho como o de Anne Teresa de Keersmaeker prepara-os também para uma capacidade de distinção do movimento: começam a perceber que antes de qualquer movimento nascer, há escolhas que se fazem”. Anne Teresa fala de “percepção” para descrever esse processo de descoberta, Theo fala de “crescimento”.
Ninguém quer formar modelos de Anne Teresa De Keersmaeker em miniatura -“ninguém conseguiria ser como ela, ter a sua obstinação”, diz Theo -, mas a verdade é que se carrega sobre os bailarinos aqui formados uma expectativa que “muitas vezes age contra eles”.
“Essa é a parte mais difícil. E vai sendo cada vez mais difícil negociar com essa expectativa”.
A dos alunos e a dos que os vêem, explica. “É também disso que fala a Anne Teresa”, resume Theo Van Rompay.
O programa em Lisboa é o seguinte:
Dia 6, programa #2: “Behind the sun,” he repeated, “where Everything is Everything else”. by Pavle Heidler & Eleanor Campbell / shipibo– by Polina Akhmetzyanova & Alma Palacios / Zeitung/fragments by Anne Teresa De Keersmaeker & Alain Franco, with Louis Combeaud, José Paulo dos Santos, Youness Khoukhou, Renan Martins de Oliveira, Radouan Mriziga, Mohamed Toukabri
Dia 7, 19h, programa #1: Natural order is a special case by Louis Combeaud & Vedis Kjartansdottir // 111-1 by José Paulo dos Santos, Youness Khoukhou, Radouan Mriziga & Mohamed Toukabri // Now and Then, Here and There by Nestor Garcia Diaz, with Polina Akhmetzyanova, Camile Durif Bonis, Nestor Garcia Diaz, Siet Raeymaekers, Cyriaque Villemaux
Dia 9, 19h, programa#3: HangHang by Renan Martins de Oliveira with Anne-Laure Dogot & Renan Martins de Oliveira / EN by Camille Durif Bonis & Cyriaque Villemaux, with Polina Akhmetzyanova, Eleanor Campbell, Louis Combeaud, Camille Durif Bonis, José Paulo dos Santos, Nestor Garcia Diaz, Pavle Heidler, Youness Khoukhou, Védis Kjartansdottir, Renan Martins de Oliveira, Radouan Mriziga, Alma Palacios, Siet Raeymaekers, Mohamed Toukabri, Michiel Vandevelde, Cyriaque Villemaux / G#$*&!/Disagreement?/How to dance things with doing by Camille Durif Bonis, Nestor Garcia Diaz, Siet Raeymaekers, Michiel Vandevelde & Cyriaque Villemaux

G#$*&!/Disagreement?/How to dance things with doing by Camille Durif Bonis, Nestor Garcia Diaz, Siet Raeymaekers, Michiel Vandevelde & Cyriaque Villemaux (crédito: Bart Grietens)
Artigo escrito para o ÍPSILON e publicado a 3 Fevereiro 2012