Philipp Gehmacher apresenta este sábado, com Meg Stuart, The Fault Lines, a primeira de duas peças que traz ao Alkantara Festival. O movimento é, para o coreógrafo austríaco, uma oportunidade para “expor o olhar do outro”.
Philipp Gehmacher (Áustria, 1975) fala de intimidade e de intensidade como se fossem uma e a mesma coisa. São duas palavras, “apenas duas” que usa para descrever The Fault Lines, a peça estreada em 2010, segunda co-criação com Meg Stuart (1965, Estados Unidos da América) depois de Maybe Forever, que esteve na Culturgest em 2007, quando a coreógrafa norte-americana foi artista na cidade de Lisboa.
Foi dessa peça que nos voltámos a lembrar, inevitavelmente, quando vimos The Fault Lines no Festival d’Automne, em Paris, no Inverno passado. Um duelo entre corpos, ela vinda de uma manipulação aguda do movimento, nascido de um interior convulso, nervoso, repetido para se provar inteiro. Ele procurando nos interstícios dela um espaço de fragilidade que pudesse invadir com um gesto formal, herdeiro da sua experiência na arquitectura e nas artes visuais. Os dois, corpos e discursos, que não deixavam ver quem ganhava, quem controlava, “não era isso que importava”, diz-nos hoje Gehmacher, anos depois, ao telefone de Viena, onde prepara a estreia de mais uma peça. “Mas, claro, The Fault Lines, pode ser vista como um espelho dessa outra peça. Esta peça volta a mostrar o que é a linguagem de cada um de nós, o modo como a resolvemos quando somos confrontados com ela, exposta ao olhar do outro”, resume.
The Fault Lines é uma das duas peças que Philip Gehmacher vem apresentar no Alkantara Festival, que decorre em Lisboa até 9 de Junho. Esta, que os dois coreógrafos partilham com o artista visual Vladimir Miller, apresenta-se, em colaboração com o Maria Matos, sábado e domingo (17h e 21h30) na Estação Elevatória a vapor dos Barbadinhos, pertença do Museu da Água da EPAL. A outra, In Their Name, apresenta-se dias 30 (19h e 23h30) e 31 (19h) no São Luiz. Liga-as “um desejo de articulação entre a formalização do movimento e a sua organicidade”. Se na primeira peça os corpos de Stuart e Gehmacher, “ela muito mais linear, narrativa, [ele] menos teatral, mais caleidoscópico”, viam ser constrangida essa nova dimensão de dois corpos num só para a bidimensionalidade do vídeo, num jogo de deslocação que não é apenas metafórico, em In Their Name, Gehmacher usa a relação entre o gesto e a palavra para construir um diálogo entre memória e representação.
“Tento jogar com a linearidade de pensamento”, explica o coreógrafo. “Quero que o que se pensa, se diz, o que se vê, o que nasce desse movimento e desse diálogo, o que possa ser essa interacção, exista ao mesmo tempo e ao mesmo nível”. Se em The Fault Lines o modo como Stuart e Gehmacher se envolvem, explorando “o que passa de um corpo para o outro, a linguagem de cada um, a relação de poder, o exercício de auto-controlo, de domínio e de perda”, em In Their Name, o coreógrafo, ao lado de Rémy Héritier e An Kaler, e novamente com a colaboração visual de Vladimir Miller, ensaia aquilo a que chama de “cenário em construção”.
“O meu trabalho não existe sob a forma de um discurso encerrado, nem se define apenas na materialização que possa ser entendida pela forma final das minhas peças”, explica. “Há aspectos do movimento que permanecem indefinidos, que pertencem a um outro mundo, indizível e que, por isso mesmo, demoram mais tempo até adquirirem significado, e ainda mais tempo até poderem sentir-se confortáveis com esse significado”.
Gehmacher fala de um movimento que compreende uma alternância permanente entre diferentes planos, simbolizados pelo uso do vídeo, a manipulação do espaço cénico e a presença do corpo como plataforma de encontro entre linguagens contraentes. Em instalações como At Arm’s Lenght (2009) e Dead Reckoning (2010), por exemplo, Gehmacher e Miller ensaiavam, através de dispositivos panópticos, um modo de relacionamento entre o olhar e a percepção que pudesse “devolver um sentido de pertença individual”. É também isso que acontece nas duas peças que traz ao Alkantara: “Um desejo de encontrar movimentos que falem por si e para si”.