Trabalhar num call center é viver num mundo de pobreza, instabilidade, pressões e humilhações.
Para Nuno, o pior de tudo era ter de enganar os clientes. Trabalhou no enorme call center da Portugal Telecom em Coimbra, antes de vir para a Teleperformance, em Lisboa. Em Coimbra trabalhou no sector “outbound” (quando é o operador que faz a chamada, geralmente para vender) da MEO. “Tínhamos de dar a entender às pessoas que, se não comprassem o serviço MEO, ficariam sem televisão, o que era mentira”, recorda Nuno, ao PÚBLICO. Era o período em que foi introduzida a Televisão Digital Terrestre (TDT). Quem não tinha qualquer serviço por cabo, teria de instalar um descodificador para continuar a ter sinal de televisão. Não era necessário aderir ao MEO, mas os operadores só explicavam isto se o cliente o perguntasse explicitamente. As instruções que tinham eram claras quanto a isto.
Carlos ainda trabalha no call center da PT de Coimbra. Ou melhor, em teoria é empregado da Vertente Humana, uma empresa de trabalho temporário, com a qual tem um contrato de 15 dias, renovável automaticamente, embora com uma curiosa modalidade de funcionamento.
Carlos, que vende igualmente serviços da MEO, conta que também é obrigado a enganar os clientes. Ao contactar clientes de outras redes, aliciando-os a aderirem ao serviço M4O, tem instruções para não referir nunca que o cliente terá de mandar desbloquear o seu telemóvel, com os custos implícitos. Só se tal for perguntado explicitamente – “E eu terei de mandar desbloquear o meu telemóvel?” o operador pode confirmar. Mas se o cliente perguntar, por exemplo, “E não terei de fazer mais nada? O serviço fica logo disponível?”, o operador está proibido de lhe dizer que terá de mandar desbloquear o telemóvel.
Se o cliente, mais tarde, se sentir enganado e protestar, o operador é penalizado. Carlos relata outro caso, que aconteceu no mês passado. Na venda do serviço M4O (que inclui chamadas grátis de telemóvel), os operadores têm instruções para nunca dizer ao cliente que, ao aderir, terá anulado todo o saldo que possa ter no cartão sim. Mais uma vez, só poderá dar essa informação se o cliente se lembrar de o perguntar explicitamente. Ora no caso em questão o cliente chegou a dizer, na tentativa de recusar a oferta: “Mas eu tenho muito dinheiro no cartão…” Não era a pergunta certa, e Carlos não lhe pôde dizer que todo o seu saldo de 90 euros seria anulado. Quando descobriu, o cliente protestou.
“Fui penalizado por causa disso, na minha remuneração variável”, conta Carlos, “apesar de eu ter ao meu lado uma folha onde está escrita claramente essa regra, que eu não posso informar o cliente”.
O call center da PT em Coimbra vive essencialmente da mão-de-obra dos estudantes da Universidade. Na opinião dos operadores (que não confirmámos junto da PT) a ideia de colocar o centro de atendimento na cidade deve-se a esse motivo.
No período de férias universitárias, a PT emprega outras pessoas, que não estudantes, que muitas vezes são despedidas mal se inicia o ano lectivo. Dito de uma fora mais técnica, a rotatividade dos trabalhadores é enorme. Todos os que contactámos afirmaram estar contratados por agências de trabalho temporário, e terem contratos de 15 dias. Mas eis como funciona: a meio de cada mês, o trabalhador recebe em casa uma carta de despedimento. Com alguns, isto acontece quase todos os meses, com outros, em apenas alguns meses por ano. Depende da produtividade, e eventualmente de outros factores. Carlos acaba de receber uma, registada, como sempre. Data: 18 de Julho de 2013. “Serve a presente… nos ternos da Lei nº 1, artigo 344 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro… o seu contrato de trabalho caducará a 3 de Agosto de 2013…” Seguem-se as instruções sobre subsídio de desemprego, etc.
Chegado ao local de trabalho, no dia seguinte, o supervisor explica que a produtividade não tem sido a melhor, e que, a continuar assim, o contrato não será renovado, como a carta de resto já formaliza. “Tens 15 dias para melhorar a performance”, diz o supervisor. Será então preciso trabalhar a dobrar, para “cumprir os objectivos”. Isso significa trabalhar durante os fins-de-semana e dias de férias, e a possibilidade de fazer isso ainda é considerada um grande favor da empresa, para que o trabalhador consiga “cumprir os objectivos” e não seja despedido.
Esses objectivos são fixados pelas chefias, mas “muitas vezes a meio do mês mudam os objectivos”, diz Carlos. “A pressão é enorme, e a instabilidade também. Há pessoas a chorar nos intervalos, há pessoas que não aguentam”.
Nuno, que trabalha na Teleperformance (embora o seu contrato seja com uma outra emprsa, de trabalho temporário, que pertence à própria Teleperformance), tal como Maria, ou Júlia, que é operadora da ZON, todos se referem à mesma instabilidade, ao salário baixo (nunca muito acima do salário mínimo) e às formas de pressão para fazer aumentar a produtividade. A frase que todos disseram já ter ouvido repetidas vezes, nas várias empresas, é “Se não estás satisfeito, a porta de saída é ali”.
Nuno e um grupo de pessoas a trabalhar em várias empresas de call center estão a tentar organizar-se, para criar um sindicato do sector. Reuniram-se e redigiram um Boletim para um Sindicato dos Trabalhadores dos Call Centers, nº 0, intitulado ‘Tás logado?” Chamam a atenção para a precariedade, para os baixos salários, as formas de pressão e a necessidade de se juntarem. Mas misturam tudo isto com um discurso muito ideológico (com referências à Primavera Árabe e às manifestações no Brasil) o que decerto não facilitará a adesão de pessoas que, pela natureza do seu trabalho e vínculos contratuais, tendem a estar dominadas pelo medo.
Os nomes de todos os operadores citados nesta reportagem são fictícios, a pedido dos mesmos. O nosso pedido à PT para visitar o call center de Coimbra foi recusado, com a explicação de que seria “uma falta de respeito pelas pessoas que estão a trabalhar”. Uma entrevista com um responsável também foi negada. Apenas chegou uma resposta por email às nossas questões sobre os contratos e as cartas de rescisão, dizendo que “não é verdade”. Quanto aos casos concretos em que os operadores são instruídos para enganar os clientes, a “fonte oficial da PT” escreveu: “Os casos concretos que refere não têm qualquer significado face às centenas de milhar de serviços vendidos no M4O”.
Informo que na provedoria da PT (através do site) apresentei todas as minhas queixas relativamente às questões pelas quais me senti enganada por força da adesão ao M4o. Foi preciso queixar-me mas deu resultado e foi muito rápido.
Obrigada,
foste enganada. a PT não tem provedor do cliente, a pessoa que respondeu ou acertou os valores é uma igual a qualquer outra lá dentro. O último recurso que a pt “oferece” é apenas se o cliente escrever para o “provedor do cliente.”
E qual e em media o vencimento liquido dos operadores do callcenter da pt em Coimbra? isso tb deve der dito! Eu trabalho la a mais de 1ano em Outbound e posso garantir que cumprindo os objetivos propostos (que nao sao assim tao dificeis de cumprir) ganhamos no minimo 920e limpos. Nao temos tecto max de comissoes a receber. Outra realidade e tb que temos colegas a receberem mais de 1900e limpos por mes. Alias este um dos motivos que leva muitos funcionarios, ate licenciados e mestres a nao deixarem o seu posto de trabalho,
Trabalho teemporario. sim. Mas e melhor este trabalho do que estar em casa a conta de subsidios.
Se e exigido profissionalismo?Claro que sim! Pressao? Sim! Em todo e qualquer trabalho a existe. Possivelmente quem chora pelos cantos como disseram na entrevista , nunca trabalhou em mais nenhum sitio. temos bom ambiente de trabalho e nao nos impedem sequer de fazer intervalos ou ir a casa de banho. No estado em que o pais se encontra dou gracas a deus de aos 30 anos ter trabalho e acreditem ou nao ja tive patroes bem piores. Nao e um trabalho de sonho mas e um trabalho digno e bem remunerado. Ha por ai muio bom doutor,enfermeiro,professor ,advogado a receber o ordenado minimo. As pessoas nao vivem de titulos mas sim de dinheiro, e em coimbra este e um optimo local para se ganhar muito. ACHEI POR BEM CONTAR O OUTRO LADO DA HISTORIA. PARA TERMINAR : + de 4 meses de casa =contrato mensal, 15 dias de ferias seguidos com ajuste de objetivo e nunca vi ninguem ser despedido por falhar o seu objetivo um mes
Engraçaco, eu tive de faltar por ter um filho doente, apresentei relatório médico de internamento da criança e fui sumariamente demitida. Na PT. E de trabalho digno não tinha nada, as humilhações que os elementos da supervisão faziam passar os funcionários de quem não gostavam eram assustadoras. Tive uma supervisora a chamar-me mentirosa, burra, analfabeta só pq não gostava de mim. E não gostava de mim porque… eu falava inglês com sotaque britânico, o que a senhora achava irritante, isto dentro de um call center onde eu era a única pessoa que falava inglês corrente para poder servir de interlocutora com clientes que apenas falassem esta lingua. Nos call centers é mesmo uma questão de sorte – e eu trabalhei em MUITOS – de gostarem de nós ou não. Se não gostarem não importa nada a produtividade e cumprimento de objectivos, vão arranjar maneira de os objectivos se tornarem inatingiveis, ou então não renovam contratos á minima coisa, como por exemplo faltar por doença de um filho, alegando sempre a extinção do posto de trabalho…
Deves ser “supervisor” de um desssses antros, certo?
[Os nomes de todos os operadores citados nesta reportagem são fictícios, a pedido dos mesmos. O nosso pedido à PT para visitar o call center de Coimbra foi recusado, com a explicação de que seria “uma falta de respeito pelas pessoas que estão a trabalhar”. Uma entrevista com um responsável também foi negada. Apenas chegou uma resposta por email às nossas questões sobre os contratos e as cartas de rescisão, dizendo que “não é verdade”. Quanto aos casos concretos em que os operadores são instruídos para enganar os clientes, a “fonte oficial da PT” escreveu: “Os casos concretos que refere não têm qualquer significado face às centenas de milhar de serviços vendidos no M4O”.]
OS GATUNOS ENCOBREM-SE TODOS UNS AOS OUTROS
Também eu aderi telefonicamente ao M4o, por sorte não enviei os documentos assinados a pedir a portabilidade dos telemoveis, isto porque entretanto vi que me tinham tirado canais da TV, de 140 fiquei com 85, liguei, uma hora ao telefone, disseram que me tinham dito isso, MENTIRA, disse que não queria o serviço foram ver aguardei muito, vieram dizer que iriam colocar de novo os canais pelo mesmo valor, aceitei, mas não enviei os documentos, passadas as 48 horas os canais não estavam activos, mais 1 hora de conversa e espera, tinha que ser eu a accioná-los por 5 € que depois viriam a ser descontados na factura, disse que não queria mais nada, decididamente queria voltar ao serviço anterior, pelo qual pagava 49,90 € responderam que ok mas este serviço já não existe pelo que passo a pagar 59,90 para ter o equivalente.Vou mudar, não sei para qual pois são todos iguais…
E aos “enganados”, quew tal uma queixa ao Instituto mdo Consumidor ou ao CACCL-Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Liksnboa? Para ver se esses nazistas perdem a tosse…
Existe legislação que defenda os direitos dos operadores de Contact/Call Centers?
Existe mas é “letra morta”. Já trabalhei em váriuos call centers (oops… enganei-me … queria dizer “já fui ESCRAVO em vários call centers”) e a única coisa que vi foi os direitos básicos das pessoas serem espezinhados e o pânico permanente das pessoas em srem despedidos, porque não conseguem arranjar um emprego digno.
Ao aderir ao M4O eu também perdi 13 euros do saldo de um telemóvel e 3 euros do saldo de outro, por não ter sido informada. Não fiz a pergunta certa, pelos vistos…Mas reclamei e descontaram-me o valor de uma boxe do qual não me tinham falado.
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O meu comentario vai no sentido de confirmar que tambem eu fui enganado ao aderir ao M4o. Nao fui informado: que teria de fazer o desbloqueamento de 2 telemoveis na outra operadora, nem que perdia os valores que tinha no cartão sim. E que por ter feito a portabilidade de 2 telemoveis teria um desconto de 10€, ficando a pagar 69,99€durante um ano.
Agora dizem que a este valore e acrescentado o valor das boxes, do qual nunca me falaram, e o valor a pagar são 80€ e nao 69.99 conforme combinado.
A isto chama-se publicidade enganosa com todas as letras.