Os Papeis do Panamá
entre a legalidade, a moral e a ética.
As notícias que vão fervilhando sobre o caso dos “Panama Papers”, em si, constituem um momento alto para o prestígio e o papel do jornalismo em democracia. Consubstanciam a ideia de que, nestas democracias de putrefacção ilusoriamente disfarçadas por um outro lado dessas mesmas democracias que nunca usufruíram de tanta capacidade imaginativa, riqueza imaterial, inteligência criativa, condições inigualáveis para vivermos um mundo novo, ainda é um jornalismo sério, independente, investigativo, que nos pode assegurar que os prestidigitadores desse “mundo aldabrão” que se lixam para tudo e para todos ainda podem “afogar-se” no hemisfério particular que para eles vão construindo.
Como se sabe, o assunto dos offshores não é novo. Volta e meia, porventura, por descargo de consciência mesmo daqueles que têm a noção clara que são um instrumento legal para fazer circular importantes negócios, voltam à discussão pública. E sobem até aos parlamentos, na subconsciência de que por serem legalmente constituídos não deixam de ser, em muitos casos, instrumentos veículos para como pútridas culatras fazer escorrer o crime de fuga aos impostos, ou para os negócios escuros de organizações criminosas, terroristas, lavagem de dinheiros, etc.
Os “senhores mandantes” deste mundo construíram para o quadro de funcionamento destes mecanismos do sistema financeiro um princípio que é sobrevalorizado e é defendido como a muralha intransponível da seriedade do mesmo: a legalidade. Sempre muito proclamada pelos ditames legalistas que eles próprios constroem e aprovam nos seus parlamentos. O resto (a moral, os princípios éticos ou de justiça social, ou de defesa de equidade e dignidade humana) é lixo.
Com todo o respeito pelo valor e oportunidade dos resultados desta investigação – “Panama Papers” – ela mais uma vez vai ser utilizada, não pelos jornalistas, mas pelos agentes conotados nestes processos, para fazer desviar a atenção do arsenal de offshores existentes na Europa, e cujo primeiro lugar no ranking tem abrigo no Luxemburgo, graças ao maior organizador dessas estruturas, exactamente, o senhor Jean-Claude Juncker, o actual presidente da Comissão Europeia, eleito pela maioria dos deputados europeus.
Face a eventuais notícias de envolvimentos, os primeiros ministros da Grã-Bretanha e da Islândia, viram-se “chamuscados” e ficaram intranquilos, pois por essas bandas não é costume brincar às democracias. O da Islândia demitiu-se mesmo. Mas, ultrapassados estes casos, verifica-se que o argumento-chave, muito citado e firmemente invocado por alguns dos envolvidos até agora conhecidos, é o da legalidade dos ditos offshores. Ora, o problema que nasce daqui para a grande investigação jornalística em curso é exactamente o aprofundamento da investigação sobre a natureza legal ou criminosa desses negócios circulantes nesses, não por acaso, também chamados “paraísos fiscais”. E, aqui, indubitavelmente, a tarefa traz outras dificuldades: as redes são de si tortuosas e bem montadas, surgem as barreiras do sigilo a que estão sujeitos estes assuntos, (também muito legalmente protegidos) e fabricam-se emaranhados autênticos para dificultar descobrir onde está o Wally. Evidentemente, que esta equipa de jornalistas internacionais, reunidos no Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, onde se integram os jornalistas portugueses Mickael Pereira (Expresso) e Rui Araújo (TVI) é perspicaz e competente, e não vai ficar a ler os papeis. Mas, neste momento, impõe-se, como ainda anteontem no Expresso da Meia-noite(SIC), o Mickael Pereira dizia, que a opinião pública do mundo e de Portugal não se desligue do assunto e mais uma vez não fique no seu habitual amorfismo, por julgar que coisas destas são dos outros. A recém-criada Associação de Estudos de Comunicação e Jornalismo(AECJ) já marcou para o próximo dia 19, pelas 18 horas, no espaço que encontrou livre, a Fundação Soares, um colóquio sobre este tema, com a presença dos jornalistas portugueses envolvidos na investigação e da deputada Ana Gomes que, no Parlamento europeu, tem acompanhado este assunto.
E, segundo o meu ponto de vista, interessava muito que este assunto, antes de passar para a esfera judicial, – o que terá de acontecer – fosse ainda mais aclarado e concretizado na esfera da investigação jornalística. Infelizmente, a experiência que vamos tendo nos processos de investigação criminal -e isto só para falar dos mais mediáticos – é de que eles se arrastam tanto tempo que para além dos danos causados por uma justiça que tem de ter e ser em tempo, perdem-se na memória dos cidadãos. Por outro lado, não é menos desconcertante, o que se tem passado com os casos dos bancos BPN, BPP, BES e agora Banif. Não obstante o papel dos nossos parlamentares que têm feito louváveis e trabalhosos inquéritos a estas matérias, porque tardam tanto a serem reduzidos a simples e intrincados «casos de polícia»?
E seria importante e indispensável que a opinião pública – os cidadãos livres e responsáveis – tomassem posições firmes, actuantes, manifestando que não querem que outros “senhores de aprumados colarinhos brancos”, tais toupeiras escondidas em territórios invisíveis vão cavando os buracos onde se perdem as nossas economias e finanças, sobrando para nós a condenação de que isto tudo acontece porque «vivemos acima das nossas possibilidades».