Cartas de Leitores

Já saberá que tudo correu na normalidade. Cada um de nós exprimiu mais ou menos veementemente o que entendeu e, na parte que me toca, dado que não sei fazer improvisos, preparei e li um texto que, perdoe-me a impertinência, gostava que o senhor conhecesse. Por isso, tomo a liberdade e o atrevimento de aqui o escarrapachar.
Apresentação
Há cerca de um ano, no nosso 2º Encontro, à laia de apresentação, afirmei que o motivo principal que me levou a escrever cartas para jornais foi a INDIGNAÇÃO. Na altura, invoquei ainda a INVEJA que me provocavam alguns textos vossos por não ter sido eu a escrevê-los, tal como a VAIDADE que, creio eu, todos nós sentimos quando nos vemos dados à estampa. Faz um ano na próxima 4ª feira, publiquei o meu primeiro texto na Voz da Girafa, aonde ingressei a convite da Céu. O título era Apresentação, o mesmo desta alocução, e, naturalmente, lá falava do impulso que a Indignação me levava para a escrita. De facto, na altura, os tempos eram tão sombrios, tristes e ameaçadores, que a tampa me saltava com grande facilidade. Políticas à parte, sinto hoje no ar um perfume de esperança que espero não venha a desvanecer-se tão cedo. É certo que o pão continua mais ou menos o mesmo, mas o acabrunhamento da desesperança parece ter voado no sopro dos novos ventos. Temos, no País, dirigentes novos e, se não são certamente Dons Sebastiões, transportam uma aura diferente, menos soturna. Enfim, nem só de pão vive o Homem e, mesmo quando as dificuldades apertam, o peso destas é menor se, em vez de recriminações e ameaças, nos apontam estímulos. Espero, pois, continuar a escrever com vontade, com apetite, e que não seja apenas para vergastar os que me parecem ser os causadores das desgraças nacionais e mundiais.
Por que razões escrevemos cartas para os jornais? Não posso deixar de citar Miguel Esteves Cardoso em crónica bastante recente no Público: “Está tudo escrito; escrever é redigir um anúncio à procura de um único leitor que seja”. Ou posso ainda contar a anedota brasileira do tipo que encontra o amigo perdido há anos, jornalista, que lhe dissera que escrevia para os jornais: “como é que escreves para os jornais… eles já vêm todos escritos”.
Os impulsos serão diferentes para cada um de nós. Já falei de indignação, mas pessoas haverá que o fazem para partilhar conhecimentos, estados de alma, sentimentos, beleza, poesia, entusiasmos, arte, paixões. A eterna polémica do útil e do belo, da estética e da política, do umbiguismo da torre de marfim e das condições de vida das populações. É a forma e é a substância e até há quem persiga as duas. Tomara eu.
Dir-se-á que é à vontade do freguês. Mas, seja lá qual for o impulso, o certo é que quem não o tem fica intrigado. Por exemplo, os nossos próximos: ganhas alguma coisa com isso? Os nossos detractores: mais valia dedicares-te à pesca. Os nossos admiradores, ainda que, às vezes, falsos: escreves muito bem. Os editores das nossas cartas nos jornais: outra vez este maluco, é sempre a mesma história. Mas são estes, os editores, na realidade, quem mais nos incomoda, pela simples razão de que por eles passa a circunstância de a carta ser publicada… ou não. Em sua defesa, devo dizer que, muitas vezes, não lhe queria estar na pele. Devem ter de ler milhões de textos com que não se identificam nem de que gostam e, quando a fortuna os favorece, terão certamente de decidir rejeições. Bem sabemos que o espaço no jornal não chega para todos e acredito que, sem nunca esquecerem que somos autores de opiniões de segunda (as de primeira são as deles, os jornalistas…) terão, de vez em quando, de render-se a considerar um certo texto… publicável. Estou convicto de que desconfiam um pouco de nós e se, aqui ou acolá, vislumbram alguma qualidade ou originalidade, concedem-nos a graça da publicação. Mas, estou certo de que não deixam de nos considerar os parentes pobres da família, apesar de tudo convenientes para se manter uma secção que seria feio descartar e que, afinal, sempre contribui para a venda de alguns jornais.
Somos, como alguns pensam, uns cronistas frustrados. Pela minha parte, enfio completamente o barrete. Não creio que a nossa influência na sociedade seja tão grande como isso. Mas que muita gente, incluindo jornalistas, nos lê, disso não tenho dúvidas.
Vou continuar a escrever. Quanto mais não seja porque ainda sou do tempo – e lembro-me bem – de que não me deixavam expressar as minhas opiniões com liberdade. Obrigado pela vossa atenção e obrigado também à Girafa, que não me rejeita nenhum texto.
 
Muito atentamente.

José Almeida Rodrigues
almeidarodrigues.130@gmail.com

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