“Coisas” para não esquecer

“Coisas” para não esquecer

Quando publicar a próxima crónica já será 2016. Por isso, sem espantar os sentimentos desta quadra natalícia devidos a todos os leitores, vou aproveitar o momento para reequacionar alguns lembretes, porventura, próprios de um provedor dos leitores do PÚBLICO. Mas, sem delimitações, extensivos à prática de todos os jornalistas que façam da sua actividade uma missão portadora de futuro.

Na última crónica reforçava a ideia de que não será o comentário, mas a notícia, divulgada, aprofundada, explicada que garantirá o futuro da imprensa escrita. A notícia, essa matéria-prima do jornalismo escrito, falado ou visto. Nesta hipervelocidade em que todos, hoje, vivemos, ou somos forçados a viver, provavelmente uma das coisas que menos controlamos é o desconforto provocado pela aceleração do suceder dos acontecimentos de repercussão individual e colectiva. Daniele Barbieri, ao analisar a vertigem do “mundo noticioso” que nos cerca, desenvolvia a tese de que esse “ritmo” sem tempo é um aspecto fundamental dos mecanismos de tensão que, imperceptivelmente, nos atormentam. De algum modo, dava sequência à ideia do filósofo Ludwig Wittgenstein, de que a homologação entre o significado dos acontecimentos e os seus efeitos não é coisa fácil de conseguir.

Por mais futuro novo que desejemos, é preciso não esquecermos a marca que sempre deixa o passado. E, jornalisticamente, em especial o passado recente. Na lógica por mim várias vezes assumida de que a notícia e os seus efeitos não devem ser subitamente “enterrados”, talvez seja dever ético do jornalismo sério e competente permanecer atento aos efeitos que ainda por aí vêm.

1.Portugal durante o último ano foi um país a sofrer as sequelas da dita “troika” (agente secreto da Comissão Europeia e dos “nossos” credores”). Um país ressarcido da sua independência. Ela foi, mas ficaram os efeitos. É necessário não os esquecer, mas analisá-los. E sem nunca olvidar as razões e causas da sua vinda, importa não ignorar a fragilidade da nossa economia e do nosso sistema financeiro. A construção política que o novo Parlamento arquitectou, para alguns uma autêntica “geringonça”, efecivamente é fraca, pois a sua fraqueza resulta da força de reunir partidos muito diferentes. A “geringonça” parecia desmoronar-se pela “tempestade perfeita” causada pelo BANIF. Alguns comentadores viam, regozijados, chegar tão breve a sua previsão. Vai ser preciso o jornalismo explicar a diferença da osmose entre ideologias congéneres e ideologias bastante diferenciadas e de que o acordo entre projectos de fundo não exige a “venda”/cedência desses princípios ao virar da primeira tortuosa esquina. Todos ficaram firmes nos seus princípios. E já agora, explicar bem, a honradez de Passos Coelho que, embora acicatado por alguns dos seus, não quis seguir a lei de Talião, de que “quem a ferro mata, a ferro morre” e a de “dente por dente, olho por olho” derrubando o seu opositor, “traidor” de ínvios processos, António Costa.

2.A situação comatosa de grande parte do nosso sistema financeiro (quantas unidades escapam a ela?) não poderá ser esquecida ou adiada pela comunicação social. É verdade estarmos perante um tema em que qualquer levantamento do véu – como se provou na notícia da TVI que provocou uma corrida aos depósitos do BANIF, “desgraçando-o” mais num só dia – causa alarme.  O jornalismo não pode continuar a este propósito a anunciar as mortes “por doença prolongada”, mas, sem a condescendência embaraçante seguida pelos políticos, falar mesmo do “cancro” que corrói este sistema. Não há mais tempo para “paninhos quentes”. Antes, e no acompanhamento da já anunciada comissão parlamentar de inquérito o jornalismo, sem falsas e especulações e com boas pinças, tem de mostrar os enredos destas peripécias ocultas que sugam o país e o seu povo dos permanentes fracos recursos. Como dizia o nosso “craque” internacional nesta matéria, Horta Osório, banqueiro à frente do Lloyds, para além do choque provocado, é preciso saber quem o causou, porquê e como. Não nos deixemos todos “enterrar” calando o perigo que nos espreita por este sistema financeiro.

3.O Cardeal Patriarca disse que esta onda de migrantes que invadem a Europa tem de ser resolvida na origem, na territorialidade dos países donde fogem. É verdade. Mas se esta será a solução mágica e total para o problema, ela será por ora, a mais difícil de conseguir. As guerras e os infortúnios que devastam esses países (vá se lá saber quanta responsabilidade silenciada e escondida do Ocidente) continuarão a fazê-los fugir enfrentando todos os riscos, mesmos os de ficarem sepultados nesse cemitério em que se tem tornado o Mediterrâneo. O jornalismo terá de acompanhar este tema, não só dando as notícias das catástrofes ou do aumento desse fenómeno, mas fustigando essa Comissão Europeia que neste assunto não pode deixar de “corar” pela delonga com que o tem encarado. Ah! Se fosse um banco a falir… outro galo, outra drástica solução já cantaria.

4.O jornalismo terá de aprofundar os desconcertantes actos e seus nefastos efeitos dessa nova «Fénix islâmica», como lhe chama a bem documentada jornalista italiana, Loretta Napoleoni, no livro com o mesmo nome, (Lisboa, Itaca, 2015) ao auto-proclamado Estado Islâmico, explicando a novel reconfiguração do Médio Oriente e os mais sofisticados métodos de fazer guerra na sua versão mais moderna. É urgente o jornalismo explicar ao “grande público” que o terrorismo pode chegar a qualquer canto do mundo a qualquer momento. E já, agora quantos não-terroristas se aproveitam dele para tirar dividendos do emaranhado de sufoco político em que caíram.

5.Em 2016, vai-nos deixar o homem político que mais tempo esteve à frente dos destinos de Portugal, Aníbal Cavaco Silva. Como chefe de governo. Como Presidente da República. E nesta etapa, em que dentro de breves dias, dez portugueses candidatos se confrontarão em campanha para ocupar o trono mais alto deste torrão natal, é urgente que o jornalismo proporcione a todos meios diáfanos de os reconhecermos na sua total integridade e identificação. De quem são, do que são e a que vêm. Como português, (e leiam-se as cartas de muitos leitores do PÚBLICO) tenho pena de me despedir de um presidente que sai com o mais baixo índice de popularidade entre o seu povo. Um presidente para quem a ideologia é uma “coisa” de esquerda, dos partidos que formam a actual maioria do Parlamento português. De um presidente que perfila a ideia de que só o “pragmatismo” (qual pragmatismo?) salva a governação concreta (qual? – a tal que domina a actual Europa?), pois «a governação ideológica pode durar algum tempo, faz os seus estragos na economia, deixa facturas por pagar, mas acaba sempre por ser derrotada pela realidade». Será que o senhor Presidente tem a noção da realidade em que nós e o mundo todo estamos envolvidos? Despede-se de nós um presidente despeitado, inconformado e rancoroso com o curso dos acontecimentos. Um presidente que teve o desplante (valeu a sinceridade) de dizer que, apesar de tudo e das cores do actual governo e daqueles partidos que lhe dão suporte, resolveu manter o protocolo de cumprimentos natalícios em Belém aos ministros deste governo. Tenho pena, repito, de me despedir de um presidente deste modo. Mas faço-o, solicitando ao jornalismo que contribua para nos dar um Presidente, cheio de pragmatismo e realidade, que garanta, sobretudo, aos portugueses, obviamente muito divididos e desalentados, ânimo de confiar num Portugal com futuro.

 

 

 

 

Um comentário a “Coisas” para não esquecer

  1. Ainda não entendi este aumento sistemático dos jornais com acordos de cartel e autorizados pela autoridade da concorrência.
    Lembro-me que um jornal demorava 12 horas a fazer,tinha o dobro ou triplo. do pessoal e custava 60 centavos o preço de um café ou seja 5 cêntimos.
    Não há inflação mas os jornais dão prejuízo.
    Diga-me se sober para onde vai o dinheiro .ou é que querem acabar com os jornais em papel?

    Responder

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