As responsabilidades da comunicação social
Os últimos meses vividos em Portugal ilustraram, de modo bem evidente, que a democracia não é um simples valor conceptual, mas é, fundamentalmente, um campo de luta onde se confrontam os diferentes pontos de vista e os interesses dos mais diversos actores e organizações sociais. O grande observatório para seguir esta luta é o conjunto de mediações a que os cidadãos vão tendo acesso. E essas mediações são, sobretudo, aquelas que são garantidas e filtradas pelos media, aqui entendidos na sua dimensão mais lata que abrange imprensa escrita, rádio, televisão, internet e todo o aglomerado das mais diversas redes sociais. As responsabilidades dos media na configuração do espaço público em que se movem os cidadãos e na comparticipação destes no envolvimento da vida democrática são assim importantes e decisivas. E é esta componente estruturante na construção da democracia que define o transcendente papel dos meios de comunicação social. Numa estruturação do sistema democrático, mais do que os invocados epítetos de “quarto poder” ou “contrapoder,” é esta a condição que confere aos instrumentos da mediação pública a sua legitimação no processo e na qualificação que tanto reivindicam de prestação de serviço de interesse público.
Obviamente, esta constelação de instâncias mediadoras é diversificada por uma grande heterogeneidade de estatutos editoriais e pela composição de quadros redactoriais, de profissionais, igualmente possuidores de diferentes formações e com marcas ideológicas também diversas. E por mais que se proclame a neutralidade em independência e isenção exigida aos profissionais de informação, é natural, e seria ilusório pensar o contrário, que essa matriz diferenciada de formação e ideologia não se espelhe no perfil que reconhecemos a cada órgão de comunicação social e consequentemente se manifeste nos seus agentes profissionais. Não admira, por isso, que o jornal que se lê, a rádio que se ouve, o canal televisivo que se vê, nos transmitam visões diferentes de uma mesma realidade ou interpretações diversas dos mesmos acontecimentos.
Mas se este é o espaço de liberdade de opinião e expressão plurais próprio de uma sociedade em democracia, tal não significa que a constelação dos media pela exigência do seu reconhecimento de interesse público não tenha de impor à sua liberdade de actuação “linhas vermelhas” que não devem ser ultrapassadas. E esta condição exige que os profissionais da comunicação social não façam perigar o código deontológico a que estão sujeitos para o correcto exercício da sua missão na permeabilidade de se constituírem autênticas “correias de transmissão” do discurso político, ou mais concretamente do discurso dos políticos, estes sim comprometidos com a lógica delineadora dos seus alinhamentos partidários.
Como sempre, por mau exemplo e de contributo para a degenerescência dos méritos do regime democrático junto de crescentes camadas da população cada vez menos crentes nas virtualidades deste nosso sistema político, este período pré-eleitoral e eleitoral, arrastado quase por todo um ano, foi um período devastador para os créditos de validade que lhe possam ser atribuídos. E, agora, para além dos resultados obtidos por uns e por outros neste campo de batalha, em que valeu quase tudo, seria reparador que os principais agentes responsáveis, se sentassem ou se fechassem nas suas tocas para averiguar os danos causados, não porventura nos seus próprios resultados, mas no regime que os pode, futuramente, da derrota levar à vitória ou da vitória à derrota.
E o jornalismo e os jornalistas também estão necessitados de se fechar em casa e reflectir no contributo que estão a dar para a credibilidade da vivência democrática. Não atribuam tão só à situação de crise económica e financeira, à concorrência do digital, ou à indigência de consumos culturais o fracasso de procura dos seus jornais, das suas audiências. Quem trabalha neste campo tem uma recusa imperceptível em aceitar e reconhecer que tal como os políticos, ou as personagens públicas dos mais diversos sectores de actividade, eles jornalistas (isto para nem falar nos comentadores que lhes fazem companhia) e os meios de comunicação em que trabalham estão sujeitos a um apertado, e quiçá, desigual e distorcido escrutínio por parte do(s) público(s). E para evitar a continuidade do afundamento do sistema democrático seria importante que se empenhassem em restaurá-lo.
Sem qualquer intervalo, segue a campanha para as presidenciais. Maria de Belém tem razão em apontar a existência de “uma fadiga eleitoral”. E se as coisas forem pelo mesmo caminho de saturar o povo com uma campanha encrespada no revanchismo, na crispação, na falta de perspicácia e reconhecimento de uma situação política de equilíbrio instável, talvez a eleição do presidente seja mais um momento para constatar o “desprezo” com que os portugueses têm vindo a colocar o mais alto magistrado da nação em Belém. Só 2.231.603 portugueses elegeram Cavaco Silva, em 2011, e só 2.758.431 em 2006. É o momento exacto de os media contribuírem para a validação de um sufrágio popular e universal que seja de alto significado para a conduta do próximo breve futuro de Portugal que não será nada fácil