O SUSTO
O susto assola o país. E isto está bem evidenciado através daqueles que são os veículos privilegiados da comunicação no país. E quem são estes os privilegiados comunicadores? São aqueles que têm especial acesso aos meios de comunicação social. São os jornalistas, os cronistas, os comentadores, os líderes ou porta-vozes dos partidos ou das organizações. E, sinceramente, eu não estava habituado a verificar nestes, de modo tão visível, o transtorno causado pela erupção da formação de um governo nascido da nova Esquerda parlamentar. Qualquer dicionário da nossa língua portuguesa define susto como o medo repentino provocado pela sensação violenta e inesperada por notícia ou facto imprevistos. Ora, este facto não era imprevisto. Quando muito era pouco acreditado. As reticências eram tantas que até o fim, julgavam muitos “pensantes” que alguma coisa iria acontecer para que o governo de Passos Coelho e Paulo Portas não viesse a ser despedido pelos votos dos deputados à Esquerda.
E um dos primeiros efeitos deste susto foi exactamente aquele notório nalguns profissionais dos media audiovisuais. Na noite do dia 10 e nos dias seguintes notei nalguns que tenho por profissionais esforçados em manter uma conduta isenta oscilações na forma como conduziam as notícias e muito especialmente as entrevistas. Para mim tais oscilações só podem ser atribuíveis a ressentimentos de susto. Será que foram tangíveis por qualquer aviso geral às redacções: “cuidado que vêm aí os comunistas”. Ou é o resultado de convicções adormecidas e que, durante quarenta anos, nunca tiveram de vir à tona? A rotura no tradicional círculo das forças dominadoras do universo parlamentar contagiou o equilíbrio de isenção na comunicação social audiovisual. Nunca defendi métodos quantitativos para medir o pluralismo. Mas se, por um lado, há que garantir e preservar a liberdade de opinião, por outro, em nome e observância da democracia, é preciso não olvidar o respeito pelo pluralismo. Sobretudo naqueles media que fazem honra desta sua declarada condição pluralista. E se esta condição de pluralismo não é, efectivamente, medível por somas de tempos, fica bem visível, e direi destapada, na escolha de outros critérios. Por exemplo, na constituição dos painéis ou no modo como se entrevista um político de esquerda ou um político de direita, ou no simples ordenamento de uma grelha noticiosa. Para aferir ou desmistificar a sentença do lugar-comum habitualmente utilizado por muitos políticos para acusar a comunicação social de ter uma configuração posicional de esquerda, talvez fosse útil um “estudo de caso” destes dias de brasa. Provavelmente, o que subsiste é um comportamento corporativo imbuído desse ambivalente princípio de exercer o primado do contrapoder. E se neste comentário viso, muito particularmente, os media audiovisuais é porque lhes reconheço a importância que têm para manter o país em sustentabilidade emocional (e esta é também importante e não basta só a económica). E porque sinto que este efeito de sentimento de susto está mais visível nesse sector do que no sector da imprensa escrita. Aliás, neste sector, as posições de opção editorial são mais facilmente identificáveis. E se neste meu comentário infrinjo o perímetro que me está confinado como provedor do PÚBLICO é na extensão da filosofia inerente aos estatutos da ONO – Organization of News Ombudsmen, – segundo a qual os provedores têm obrigações que excedem o próprio jornal a que estão contratualmente ligados.
Politicamente é evidente que o país está partido quase ao meio. Há quarenta anos que Direita e Esquerda não se confrontavam neste contexto. Não admira, por isso, que o discurso de alguns políticos e comentadores esteja a atingir um paroxismo absurdo fomentando um apelo descontrolado de “raiva e cegueira”, sinalizando “golpes” de quem ganhou e de quem perdeu e de como ganhou ou perdeu. Choca-me, sobretudo, como algumas “mentes brilhantes” do intelecto português ajudam a alimentar o frenesim das hostes partidárias, invocando argumentos pouco consistentes e até incongruentes. Neste conjunto de discursos inflamados e crispados transparece um propósito de fazer explorar o susto para dele se passar ao medo.
Com o que se está a passar na Europa e no Mundo com ameaças constantes a “cheirar” a guerra, e de que o trágico atentado de anteontem em Paris é mais um sinal tremendo, é quase caricato e ridículo o clima político e social que se tem desenrolado em Portugal com esta viragem à Esquerda do Parlamento português. E se Hollande, há quinze dias, dizia “a guerra pode estar a chegar à Europa”, passou das previsões à realidade. A Europa, neste momento histórico, mas fatídico e horrendo, tem problemas mais graves a encarar do que a sustentabilidade financeira e económica. E, nesta conjuntura, é inevitável que aqueles querem fazer valer uma Europa, livre e democrática, não desenterrem “machados de guerra” com teias de há quarenta anos, mas façam valer a Democracia.