Um título bem intencionado…mas

Um título bem intencionado…mas

Os leitores Piménio Ferreira e Almerindo Barbosa Lima, este aliás, como presidente da Associação Cigana e Minorias Étnicas do Médio Tejo apresentaram uma queixa contra os termos em que o jornal PÚBLICO, primeiro na edição online de 14.08.2015 e depois no dia seguinte na edição papel, noticiou o caso de uma menor vítima de maus tratos pela família a que pertencia. Aliás, tanto quanto percebo, o protesto tem como principal fundamento o título da referida notícia:” Família cigana suspeita de abusar durante anos de nora menor”.
Diz o texto de uma das cartas, que tomo por conjunto, pois são ambas de teor semelhante: «Este artigo começando pelo seu título sensacionalista é discriminatório, violando o próprio código deontológico dos jornalistas nos pontos:
2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas ….

8. O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade, ou sexo.

Não se coloca em questão o caso denunciado em si, averiguando-se a comprovação do mesmo (após consultadas todas as partes e apresentadas as provas devidas e então julgadas pelas autoridades competentes). Este caso não representa nem a comunidade cigana em que a vitima e os agressores se inserem, nem qualquer outras das várias comunidades ciganas existentes, é de lamentar sendo totalmente condenável, mas o tom em que o artigo foi redigido.

A comunicação social tem de entender que tem uma responsabilidade enorme junto da sociedade, sendo o seu principal veículo informativo e formador. Noticias como a apresentada, redigida nos termos em que foi redigida, discriminando a etnia dos agressores ao invés de se focar na agressão em si e no andamento do caso junto das autoridades, apenas contribuiu ainda mais para inflamar as reacções ciganofobas junto dos leitores do Público, como poderão confirmar junto das caixas de comentários da noticia».
E o autor acrescenta este PS: É curioso que, em breve, será realizado um workshop apoiado pelo ACM, o SOS Racismo e a AMUCIP, sobre “jornalismo de inclusão” sendo uma das convidadas a ministrá-lo a jornalista do Público por quem tenho desenvolvido muito respeito no seu trabalho e devida à qual o jornal subiu na minha consideração pessoal…»

2. Como era minha obrigação procurei ouvir a jornalista visada, Ana Henriques, a autora da dita notícia. Ana Henriques enviou-me vários “links”, quer de enquadramento jornalístico, quer de estudos académicos, com abordagem a este conjunto de problemáticas com especificidades de natureza étnica. Como provedor, digo-o desde já, o pomo da discórdia e que, aliás, dá origem à queixa, é o título “Família cigana…”. Todo o subtítulo do artigo “ Desvirginada por uma tia, casada à força e agredida pelos sogros, rapariga órfã de pai fugiu de casa, mas já se encontra protegida. Cinco dos parentes – tios, sogros e marido – responderam ontem perante um juiz”, quase dá por completo o relato da notícia que tem por fim noticiar uma acção de crime. É evidente que continuar a comentar queixa e resposta para os leitores em geral que, porventura, não leram o texto integral da notícia, é talvez de decifração enigmática. Julgo, contudo, que o que mais «ofende» a jornalista Ana Henriques, – e compreende-se pela dignidade com que exerce e defende a sua profissão – é a acusação de não ter respeitado os princípios atrás citados do Código Deontológico. Falando comigo, a Ana Henriques entende que sem caracterizar esta família como “cigana” era difícil perceber a natureza e os contornos desta situação criminosa. E por isso escreve, em determinada altura, na resposta que me dá: “ Não se trata de assaltar um banco, por exemplo: um artigo intitulado «Família cigana assalta banco» seria, com certeza, apelidado – e bem – de discriminatório e xenófobo”.(…) Aqui, – diz –“não tem qualquer relevância noticiosa conhecer a etnia de quem cometeu o crime. Acontece que o mesmo não se passa no caso em discussão, em que o crime acontece precisamente porque radica em práticas e tradições ancestrais. Deveria a jornalista assacar essa prática a pessoas e comunidades indeterminadas quando se trata de um crime indissociavelmente ligado à tradição e aos hábitos de determinada minoria?”
Eu percebo assim todo o compromisso da Ana Henriques, como jornalista, contra o desrespeito e ofensa dos direitos humanos, tais como o marido imposto, ou o casamento forçado, contra as práticas rituais da perda da virgindade ou aos casos da mutilação genital, uma situação que instituições internacionais e nacionais travam uma luta pela sua condenação. Mas continuo a discordar de ser necessário no título do artigo determinar a etnia “família cigana”. Infelizmente todos os dias os media dão notícia de crimes hediondos mais ou menos com estes contornos não atribuíveis à etnia cigana.
Uma nota sobre “Cartas à Directora”
Escrevem-me alguns leitores a manifestar as suas discordâncias sobre esta secção. Perguntam-me por exemplo: Já reparou que há nomes que se repetem com elevada frequência? Haverá uns tantos que têm direitos de reserva do espaço? Por outro lado, dizem outros que o PÚBLICO não deveria deixar passar determinados conteúdos. «Por exemplo: Que semelhança, que paralelo, pode haver entre Auschwitz para onde seres humanos eram enviados involuntariamente e depois encurralados e mortos, e os muros que hoje surgem, por exemplo, entre a Hungria e a Sérvia, para impedir que os imigrantes entrem voluntariamente na EU? O direito à entrada, negado neste último caso, corresponde a uma política sistemática de extermínio levada a cabo pelos malditos europeus?»
O PÚBLICO e eu como provedor, por estatuto, sempre considerámos de grande importância esta secção. Faz parte da identidade do PÚBLICO. Como é natural, a coordenadora editorial deste espaço – que, obviamente não pode ser a Directora – tem dificuldades na gestão das cartas publicadas, quer pela repetição de leitores, quer pelos conteúdos. Por outro lado, é público que existe um grupo semi-organizado de leitores – escritores que militantemente pugnam por esta secção, como forma de jornalismo cidadão. Quanto aos conteúdos, os critérios editoriais procuram respeitar a pluralidade de opinião, o que não significa concordância.

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