Os tempos de uma desconfiança generalizada
Em muitas das queixas que recebo percepciono, não uma acusação formal, mas um certo fundo de desconfiança generalizada sobre os jornalistas. Os leitores que, porventura habitualmente, lêem esta página, não terão esta impressão. Pois, em vez das palavras que adornam essas críticas e comentários, jornalista “ignorante”, “inculto”, “desonesto,” ”faccioso,” “corrupto”, os leitores encontram no texto as reticências entre parêntesis (…) que ocupam o lugar da omissão que faço. Admito ou tenho de admitir a discordância, a crítica, a discordância, o contraditório, a negação, mas o que não posso admitir é a ofensa, a desconsideração. Obviamente, isso tem-me valido, muitas vezes, a acusação de que pratico censura, de que protejo os jornalistas quando o que me compete é defender os leitores. Esta perspectiva não necessita de mais comentários da minha parte. E creio que a grande maioria dos leitores do jornal compreendem a minha posição.
Mas aquilo que me preocupa é este clima de desconfiança generalizada no funcionamento das relações sociais. É comum hoje dizer-se, e escrever-se nos próprios jornais, que há um enorme descrédito sobre os políticos, os banqueiros, os comentadores, os magistrados, os sacerdotes, os advogados, os árbitros, e outros, como estes, profissionais actores privilegiados nas actividades sociais. Quando compulsamos os inquéritos que são feitos sobre esta questão, obviamente, estes profissionais surgem numa determinada ordem de mais e menos. Em geral, os jornalistas são aqueles que mais escapam a percentagens negativas e até assumem boa posição. Não obstante o escrutínio a que também estão sujeitos numa sociedade altamente mediatizada, o público reconhece-lhes méritos nesta trama da convivência social e no papel de controlo sobre o exercício dos mais diversos poderes e interesses. Provavelmente também a própria exposição de que gozam na ordem da mediação serve-lhes de escudo protector ao ajuizamento do público. Por outro lado, o inegável poder corporativo dos jornalistas, tese muito cara ao falecido jornalista Oscar Mascarenhas, poderá ter os seus efeitos nestas apreciações. E, por isso, interrogo-me, se aquilo que na correspondência entre leitores e provedor é constatável tem alguma representatividade. Não deixa, porém, de ser uma manifestação dos sintomas dessa tal desconfiança generalizada. E é sobre os factores causais deste clima entorpecente das salubres relações sociais que importa reflectir. E, muito especialmente, aqueles que trabalham nos media, tal como um provedor que seja, não devem descurar analisar as razões subjacentes a esta desconfiança generalizada. Viver num ambiente social de desconfiança generalizada sobre cada um e sobre todos é angustiante.
O frenesim da notícia e da opinião com que hoje se vive é instaurador de instabilidade. De instabilidade individual e colectiva. Os ruídos ensurdecedores que as toneladas de informações contraditórias sobre aquela personagem, aquele acontecimento, aquela situação, provocam aquilo a que Gabriel Galdón chamou infopoluição. (Gabriel Galdón, Desinformación, Método, Aspectos y Soluciones, Pamplona, Eunsa, 1999). Nesta “Babel” de informação e de opinião, como já dizia, Daniel Boorstin, “ não se pode dizer que estejamos a ser enganados, mas não é inteiramente correcto julgar que estamos a ser informados”. Sem dúvida que é melhor este período histórico da informação em campo aberto, por vezes até descontrolado, esta era da liberdade da informação, do que o período da escuridão, do ocultismo, da censura ou da verdade amordaçada. Todavia, o valor, ou a eficácia construtiva para um conhecimento da realidade, não valem pela quantidade da informação distribuída, mas pelo discernimento e absorção da informação recebida, interiorizada. E nesta época que estamos a viver de tempos de desconfiança generalizada derramar sobre as pessoas, através dos jornais, das rádios, das televisões, ou das redes sociais, catadupas de informação, não cobre a função de um jornalismo de opinião responsável. Não podemos ignorar que, nesta “Babel”, informação, contra-informação, desinformação, campeiam simultaneamente. Donde estar bem informado não é um estádio que se adquira de modo simples. E ao profissional de informação que queira desempenhar a sua função, de modo responsável, impõe-se honestidade, rigor, isenção, na busca incessante da visibilidade de uma condição indispensável na sua relação com os leitores: o reconhecimento de uma confiança mútua. No que escreve, no que diz, no que investiga. E isto é difícil. Sobretudo, num tempo, em que como dizia Eduardo Galeano, temos um mundo às avessas, de pernas para o ar, “com a esquerda na direita, o umbigo nas costas e a cabeça nos pés”.