A polémica sobre os níveis de pobreza em Portugal

A polémica sobre os níveis de pobreza em Portugal
O recente relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE) sob o título «Risco de pobreza continuou a aumentar em 2013» com tratamento destacado no PÚBLICO (edição de 31.01.2015) num texto assinado pelo jornalista Pedro Crisóstomo «Portugal voltou aos níveis de pobreza de há dez anos» tem sido objecto de polémica. Aliás, as conclusões desses níveis, exactamente extrapoladas a partir das interpretações que as estatísticas apresentadas nesse estudo do INE potenciam, têm recebido leituras diversas da parte de diferentes comentadores e dos porta-vozes dos diferentes partidos políticos. O problema dos níveis de pobreza registados nestes últimos anos foi mesmo tema de um aceso debate político na Assembleia da República. A questão – os níveis de pobreza que atingem grandes camadas da nossa população – é séria de mais para poder ser arrumada na recitação de um certo aforismo (pouco matemático, é certo) que diz: «os números dizem sempre o que se lhes mete lá dentro».
Por outras palavras, para além da crueza do sofrimento que molesta aqueles cidadãos que vivem tal situação, as estatísticas vão dando azo a diferentes interpretações classificadoras deste fenómeno, infelizmente, vivido, paredes-meias, com níveis de desenvolvimento e progresso que já nem o deveriam consentir.
Um leitor atento a estes estudos tem trocado com o jornalista Pedro Crisóstomo diversos textos contestando muitas das leituras feitas sobre os números do relatório do INE. O debate entre estes vai já longo e excede, em muito, o espaço de que disponho para dar acolhimento, aqui, nesta página. Tenho sido veículo das duas leituras diferenciadas que, em resumo, e após diferentes réplicas, manifestam posições agora já inconciliáveis. O leitor entende que o jornalista Pedro Crisóstomo tem «torcido» os dados, escolhendo, sobretudo, aqueles que servem a sua argumentação; Pedro Crisóstomo tem procurado responder ao leitor justificando as conclusões que tem inferido a partir dos números fornecidos pelas estatísticas.
Da parte do leitor em causa está assim resumida: «Eu gostaria de comprar um jornal que me ajudasse a interpretar o mundo, a alargar o debate, a abrir perspectivas, e não comprar um jornal que procura na informação existente um pretexto para dizer o que o jornalista acha do mundo, por mais certo que o jornalista esteja.» (…) «As minhas escolhas pessoais são inteiramente arbitrárias. As escolhas de Pedro Crisóstomo no seu quotidiano são igualmente arbitrárias. O problema está nas escolhas de Pedro Crisóstomo jornalista profissional.» São duas formas diferentes de interpretar o papel do jornalismo.

Um comentário a A polémica sobre os níveis de pobreza em Portugal

  1. António santos

    Os silêncios vis

    Sob a calada da noite, um camião fretado por uma empresa de segurança privada entra pelas traseiras na Refinaria Tesoro em Anacortes, no Texas. Homens armados vigiam a operação logística, meticulosamente planeada para se executar simultaneamente em doze refinarias dos EUA. A cláusula de secretismo é tal, que nem os carregadores conhecem o improvável recheio das pesadas caixas que transportam para o interior da fábrica. Já para os directores da Tesoro que há duas semanas desesperam pela preciosa encomenda, nada disto é misterioso. Desde dia 1 de Fevereiro que não entram nem saem da refinaria. Estão cansados, nervosos e sozinhos. Impacientes, assinam o recibo de entrega da Shell e retiram das enormes caixas o donativo dos patrões: centenas de colchões, fogões eléctricos, roupeiros, cómodas, toalhas de banho… É que os trabalhadores das refinarias estado-unidenses estão em greve, a maior desde 1980, e só ficaram os chefes para trabalhar. E sobre isto, nada disse a comunicação social dos EUA.

    São cerca de 5000 os operários que domingo passado completaram a terceira semana da greve nacional decretada pelo sindicato metalúrgico United Steelworkers Union – USW. A USW, que representa 30 000 trabalhadores do sector petroquímico, exige aumentos salariais e uma maior comparticipação da empresa no custo dos seguros de saúde. Mas sobretudo, o sindicato reivindica à Shell, à Exxon, à Chevron e à BP melhores condições de segurança no trabalho. Nos EUA, os operários das refinarias têm oito vezes mais probabilidade de sofrer um acidente de trabalho do que os trabalhadores de qualquer outra indústria: só entre 2003 e 2010, 823 operários petroquímicos foram vítimas mortais de um tipo de terrorismo de classe conhecido como «acidentes laborais». E também sobre isto, nada disse a comunicação social dos EUA.

    Acidente laboral ou terrorismo patronal

    Na refinaria de Anacortes, no Texas, estas estatísticas são amigos e familiares que já não regressam. No ano 2010, a falta de manutenção causou uma explosão que ceifou a vida de sete operários. O mais novo tinha dezoito anos. A administração foi considerada criminalmente responsável, mas, dizem os trabalhadores, pagou uma multa e tudo continuou igual. E sempre foi assim em todas as refinarias americanas: em São Francisco, em 2012, 15 000 ficaram feridos; no Golfo do México, em 2010, morreram 11; na Cidade do Texas, em 2007, morreram outros 15; em Romeoville, Illinois, em 1984, morreram 19… e a lista necrológica prossegue voraz até aos primogénitos poços de petróleo do Indiana. E tão-pouco isto se disse na comunicação social dos EUA.

    Segundo a USW, ao recusar-se a contratar novos trabalhadores, o patronato está a subscrever novos acidentes. Mesmo os operários que levam a cabo as operações mais perigosas estão a ser obrigados a completar turnos de 12 a 18 horas diárias. E apesar do valor das acções das refinarias estado-unidenses ter duplicado desde 2012, sobretudo à custa de perigosíssimos novos métodos de extracção como o fracturamento hidráulico, ou «fracking», os patrões da Shell, em representação da Exxon, da BP e da Chevron, recusam-se a ceder um milímetro na sua política de desvalorização do trabalho. E nem isto se disse na comunicação social dos EUA.

    Eles precisam de nós como nós não precisamos deles

    Porém, não demorou até que os efeitos da greve se fizessem sentir: segundo a Bloomberg, 64% da produção de combustíveis dos EUA pode estar comprometida. Mais ainda, se os grevistas conseguirem paralisar as 12 refinarias, perder-se-ão, diariamente, 1.82 milhões de barris. Foi então que os donos da indústria petrolífera mundial tomaram uma decisão arrojada: as refinarias continuariam a trabalhar, operadas por «crostas» (o apodo estado-unidense para os fura-greves) e pelos engenheiros, directores e supervisores das respectivas fábricas. Incapazes de enfrentar os piquetes de greve, não restava outra solução a estes operários improvisados que passar a dormir nas refinarias. Ainda assim, a BP veio dizer ao Washington Post que a greve não afectaria a produção. Afinal tudo estava bem: isso sim, disse-o a comunicação social dos EUA.

    Só ao fim de três semanas de greve é que os jornais admitiram a previsão de mau-tempo para os patrões. Na segunda-feira, começaram a surgir relatos de situações de grande perigo nas refinarias operadas pelos supervisores. Um pouco por todos os noticiários, os comentadores de turno lamentavam a ausência dos operários especializados. À CNN, a Shell dizia mesmo querer voltar «imediatamente» às negociações. Já na terça, a Reuters avisava que «os trabalhadores podem atirar a administração ao tapete». Isto porque, segundo a agência noticiosa, «ainda não se encontrou forma de fazer as refinarias a trabalhar sem trabalhadores». Mas como cantava Bob Dylan, não precisamos de um meteorologista para saber em que direcção o vento sopra.

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