NÃO É A OPINIÃO
É O ESTILO
Alguns leitores voltam a colocar-me interrogações sobre determinados artigos de colaboradores ou até de colunistas a que o PÚBLICO dá publicitação nas suas páginas. Entre esses, esta semana, uma Leitora dizia-me: Estou plenamente de acordo na posição que o provedor tem defendido de não se intrometer em artigos de opinião. Mas, sabe, em muitos casos, o problema não está na opinião livremente manifestada. Está no estilo. Isto é, no tom invectivador, ácido, ofensivo com que se dirigem ou classificam os autores ou os cidadãos com quem polemizam. Uns parecem sábios que sabem tudo. Os outros nada sabem. São estúpidos, ignorantes, velhos, retrógrados. Na linha de comentários deste género, um Leitor interroga-me: Mas cabe ou não ao PÚBLICO a escolha dos seus colunistas? Eu julgo – diz esse Leitor – que, em certos casos, deveria ocorrer uma demarcação forte e pública por parte da direcção do PÚBLICO. Apesar do princípio que o provedor segue na aceitação do debate, da expressão e opinião livres e, por isso, muitas vezes, contraditada por outros autores de opinião, neste particular aspecto do estilo ofensivo, insultuoso, de certos artigos ultimamente publicados, não tem o provedor nada a dizer, a comentar?
Estes comentários vêm a propósito, sobretudo, de três ou quatro assuntos «quentes» recentemente com maior presença nas páginas deste jornal: ainda e sempre a polémica a favor ou contra o Acordo Ortográfico, o «levantamento» de confrontos de posição que o designado «Manifesto dos 70» fez despertar nos cenários mediáticos, a coerência incoerente da votação dos deputados na Assembleia da República sobre a co-adopção e, porventura, algumas posições ideológicas em radical contraste com os últimos acontecimentos na Ucrânia e Crimeia.
O estilo polemista tem larga tradição na história do jornalismo e da imprensa. E numa época em que, na história dos media, a imprensa escrita está ofuscada pelo imediatismo de outros meios de comunicação e das vertiginosa circulação de comunicação nas redes sociais, provavelmente mais do que nunca tem sentido a afirmação daqueles que consideram a polémica o «sal da imprensa». Normalmente a polémica utiliza uma linguagem viva, dura, mordaz, satírica, ridicularizante, por vezes até feroz. No calor da refega do combate da opinião é natural que o estilo seja mais dominado por juízos emotivos, mais «apaixonados» do que racionais. Não sendo eu especialista nesta matéria, talvez não fique como exemplo desfigurado apelar para a leitura desse livro As Farpas, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, com textos coordenados por Maria Filomena Mónica e editado pela AIND – a Associação Portuguesa de Imprensa em 2004.
Da parte que me compete, vou ater-me a um segundo princípio que tenho invocado na minha conduta de provedor: julgo que nem sempre o Leitor tem razão. Ora, não quero dizer que não compreendo, e até compreendo, que alguns leitores não gostem, nem aceitem, ver «achincalhados» os autores do dito «Manifesto dos 70», até por forte ligação geracional e intelectual. Porém, sinceramente, parece-me que a reacção de alguns leitores do PÚBLICO estão estribadas mais no contexto das tomadas de posição expandidas na esfera daquilo que muitas vezes se apelida de o circo mediático do que de conteúdos publicados por este jornal.
Tudo somado e com o respeito pelo estilo peculiar de cada autor, não creio que no PÚBLICO tenham sido ultrapassadas aquelas linhas de orientação a este propósito perfiladas no Livro de Estilo: «Os textos de opinião assinados por colaboradores regulares e/ou ocasionais estão também sujeitos ao respeito pela linguagem não insultuosa e não panfletária a que se obriga o PÚBLICO.»
E creio também que, neste assunto concreto ao tomar esta posição, esteja no cumprimento de uma das missões do provedor conferidas no mesmo Livro de Estilo é a de poder ser «um varredor de barreiras que se erguem entre os leitores e o jornal».
Isto não quer dizer que, na qualidade de cidadão, não reconheça que, sobretudo, no debate político – partidário, mais do que no estilo da polémica naturalmente caucionada pela retórica própria da verve partidária, o discurso público sobre o futuro do país e das suas gerações esteja cada vez mais viciado e esclerosado na interpretação das realidades que nos circundam pela paralisação e bloqueamento de um sistema político, económico e financeiro que se nega a criar ou a aceitar iniciativas de alternativa.
Aproveito para reclamar quanto à capa do Ipsilon de 28 de Março, que considero arrepiante e vergonhosa. Não se trata da defesa de animais, mas da defesa da sensibilidade a que temos direito como seres humanos. Nenhuma liberdade artistica pode estar acima dos direitos humanos, e já é costume muitas capas e fotos deste jornal serem ofensivas, mas esta é de mais. Este tipo de “arte” devia ser relegado para páginas interiores onde fosse assinalado que o leitor tivesse cuidado, como fazem nas TVS. Espero que o Provedor tome boa nota, porque isto desprestigia o jornal e faz com que perca leitores.
A propagação da violência, além de desrespeitosa para com os leitores, gera a banalização da violência. A foto da capa do Ipsilon não é arte nem numa galeria de matadouro. O responsável pela colocação da mesma deve ter sido acometido de uma súbita paragem cerebral, talvez fruto da visualização da mesma. Esperemos que uma supervisão adequada evite que este jornal se torne num outro pasquim difusor de lixo.