AS FRONTEIRAS DA PUBLICIDADE
FACE AOS CONTEÚDOS JORNALÍSTICOS
Creio ter sido o sociólogo Marshal McLuhan a dizer: sem os anúncios a paisagem mediática seria mais triste. E era ele também quem dizia – em plena era de pânico pelas ameaças de guerra nuclear – que as civilizações vindouras, um dia, poderiam conhecer a civilização soterrada estudando as imagens da publicidade.
1 O ASSUNTO
A comunicação publicitária e propagandística, hoje, invade-nos por todo o lado. Não obstante a crise financeira e económica – e talvez até por isso – ela está cada vez mais criativa, imaginosa, e sedutora. O sistema de informação/jornalístico e o sistema informativo/publicitário estão de tal modo próximos que, por vezes, se entrelaçam e levam a confusões. No panorama dos media a publicidade tradicional, com campos e acções bem definidos e facilmente reconhecidos pelos receptores, transitou com requintes altamente técnicos para a criação de formas de comunicação comercial, por vezes, dificilmente perceptíveis e de natureza subliminar capciosamente escondida. Da relação simples anunciante/media/público passou-se para um sistema de refinada complexidade, onde normalmente pontificam as agências de publicidade, cada vez mais entrincheiradas em grupos multinacionais de distribuição à escala global. Por sua vez, nalguns casos, essas agências são dominadas pelas Centrais de Compra de Media, onde o negócio já não é propriamente o anúncio mas o «espaço» comprado.
Estes dois campos – informação jornalística/ informação publicitária – vivem tão interligados que, não obstante formalmente separados pelos códigos deontológicos e vigiados por instituições reguladoras, muitas vezes não escapam a zonas de conflito. Não se vá entender que com estas considerações venho anatematizar a publicidade. Não. Também, quase como as crianças, divirto-me a ver publicidade. E acho, sobretudo, um campo fértil de observação e conhecimento sobre a sociedade e o mundo em que vivemos. Por outro lado, é indispensável não ignorar, antes relevar e elogiar, o papel social da publicidade. Imprime valores, comportamentos, hábitos.
Acresce, porém, para a oportunidade da introdução deste assunto nas minhas crónicas de provedor, uma consideração fundamental: a publicidade é, hoje, a grande sustentadora dos media. A publicidade é a grande fonte de financiamento de qualquer projecto jornalístico e mediático que não dependa dos fundos de financiamento público ou de outras organizações subsidiárias. Nas duas parcelas de financiamento, compra/ou assinatura do jornal e verbas arrecadas pela publicidade, estas últimas são obviamente superiores e definitivas para a sustentabilidade de um órgão de informação. O PÚBLICO precisa dos seus Leitores, mas não precisa menos das receitas provenientes da publicidade. Ou seja, os Leitores precisam de que o PÚBLICO tenha publicidade.
2 AS RECLAMAÇÕES
Alguns Leitores entendem ser necessário o PÚBLICO praticar de modo bem claro a distinção entre informação jornalística e informação publicitária. No fundo, eu diria, cumprir o que está estabelecido, no seu Livro de Estilo. Sobre a informação publicitária, esse livro consagra nada menos do que dezasseis clausulados. Tudo somado, são a explicitação deste princípio geral: «A publicidade é uma área autónoma e perfeitamente demarcada nas páginas do PÚBLICO, segundo critérios de prioridade e ocupação de espaço definidos pelas direcções editorial e operacional».
Algumas das questões mais pertinentes que os Leitores me têm colocado são estas: Sempre que o PÚBLICO inclui encartes publicitários deveria ser comunicado aos Leitores, em lugar destacado do próprio jornal, que todos os conteúdos desses encartes ou dossier de marcas ou empresas são da exclusiva responsabilidade da entidade que os produz. A edição do dia 8 de Janeiro incluía um desses encartes – o ExLibris – da Santa Casa de Misericórdia. Efectivamente, na folha 2 desse encarte lia-se a indicação de que tais conteúdos eram exclusivamente da responsabilidade do ExLibris. Por outro lado, este encarte insere um Editorial, cuja assinatura é identificada assim: A Direcção. Ora, esta atribuição de autoria, lança algum equívoco. Qual Direcção? A do PÚBLICO ou a responsável pela edição do encarte EXLIBRIS ?
3 AS EXPLICAÇÕES
Colocada esta questão à Directora, Bárbara Reis concorda que, neste caso, houve um erro. A não responsabilidade do PÚBLICO nesses conteúdos deveria estar declarada na capa. A assinatura não deverá ser secamente «A Direcção», mas «A Direcção (com nome explícito) da entidade responsável desses conteúdos. Mas a reclamação que levantou mais clamor foi na edição do dia 8 de Janeiro. O PÚBLICO inseria, ou antes inseria-se, numa «capa falsa» baralhando de algum modo em forma de notícia um conteúdo publicitário de uma unidade bancária. Alguns Leitores repudiavam esta forma publicitária. Um dizia mesmo: esta capa é «uma vergonha» para o Público.
Consultada a Directora, Bárbara Reis responde: «Sobre estas «capas falsas», há dois aspectos importantes. «As capas falsas são absoluta excepção no PÚBLICO. Publicamos em média de 10 por ano e são aprovadas apenas quando estamos totalmente convencidos de que nenhum leitor vai confundir com a capa editorial jornalística, ou seja, quando não há ambiguidade (…) A capa em questão tem de facto algumas particularidades. A capa (falsa) foi aprovada depois de um processo de discussão interno e da execução de várias versões. (…) No fim, ficámos convictos de que a capa não oferecia qualquer ambiguidade, nem em relação ao grafismo, nem em relação aos conteúdos». (…) «Na nossa avaliação, todos os leitores ao olharem para o jornal perceberiam imediatamente tratar-se de publicidade.»
4 RECOMENDAÇÕES
De facto, em relação a estas queixas e tendo em conta as explicações da Directora, parece-me poder concluir e recomendar o seguinte: O PÚBLICO deve sempre declarar, de modo bem visível para os Leitores, nas suas páginas e não nas dos encartes, que não é responsável pelos conteúdos. Como aliás diz Bárbara Reis os editoriais não podem lançar a confusão sobre quem os assina. O Público deve defender-se e defender os seus jornalistas, pois muitas vezes as entrevistas ou reportagens ou notícias inseridas nesses encartes podem levar à confusão com a autoria dos seus profissionais. Quanto à tal «capa falsa» – eu sei que todos os jornais as publicaram – e, porventura, a receita de um anúncio destes, em tempos de tanta penúria de receitas publicitárias, coloca qualquer Direcção em transe face aos ditames administrativos da arrecadação de receitas. Mas – confesso – principalmente em «capas falsas» com certas «particularidades» como estas, é discutível a opção. Como segredava um leitor, reconhecendo o aperto da crise financeira e dos jornais desesperadamente em busca de receita publicitária, «o título é a última coisa que se vende». Seria importante que anunciantes e empresas rectificassem estas lógicas. As empresas, elas que são tão zeladoras e implacáveis no incorrecto uso da sua marca, nunca deveriam concorrer para a eventual depreciação da marca de outros.