Nos meses seguintes a ter iniciado as funções de provedor do leitor do PÚBLICO, em Março de 2010, grande parte dos protestos que me chegavam dos leitores tinham a ver com o facto de as caixas de comentários às notícias da edição on line do jornal (já então a mais procurada entre as dos media generalistas) estarem a ser inundadas por textos grosseiros e ofensivos, exibições de boçalidade e expressões de ódio (racista, homofóbico, xenófobo) de uma minoria que, geralmente a coberto do anonimato, e infringindo as regras de publicação em vigor, estava a afastar da frequência desse espaço de discussão os leitores interessados no debate público sério e civilizado da actualidade informativa.
Dediquei a esse tema vários textos na minha coluna dominical no PÚBLICO e foi com grande satisfação que vi ser anunciado, numa atitude pioneira e ainda hoje pouco seguida na imprensa portuguesa on line, a decisão tomada pela direcção do jornal, de instituir um sistema de gestão de comentários que punha fim à sua publicação automática e criava um sistema de moderação que passava pela análise desses textos, a cargo de uma equipa de editores. Quando esse novo sistema entrou finalmente em vigor, em Março de 2011, pôde verificar-se que as discussões nas caixas de comentários ganharam de imediato em qualidade, sem afectarem a participação dos leitores num debate aberto e livre, limitado apenas por regras elementares de respeito pelos outros que até aí eram ignoradas pelos produtores de lixo retórico. As únicas desvantagens desta mudança pareciam ser a da importância dos recursos editoriais que foi necessário afectar à moderação dos comentários, e um maior atraso na publicação dos textos, retirando vivacidade aos debates.
Já perto do final de 2012, o PÚBLICO fez acompanhar a remodelação do seu site de uma renovação do sistema de publicação de comentários dos leitores, procurando rever os aspectos desavantajosos da regulação introduzida no ano anterior e dar novos passos em frente na qualificação desse espaço de debate. Entre várias outras mudanças, foram criados um sistema de registo dos comentadores e um novo modelo de moderação, envolvendo os próprios leitores, ao mesmo tempo que os jornalistas eram incentivados a participar na discussão dos textos da sua autoria e eram actualizados e afinados os critérios de publicação, que podem ser consultados junto às notícias do Público Online.
Não quis encerrar o meu mandato de provedor sem procurar fazer um balanço destas mudanças. Dirigi por isso um pequeno questionário à editora executiva do Público Online, Simone Duarte. Os leitores encontrarão mais abaixo essas perguntas e as respostas que Simone Duarte partilhou com o jornalista Hugo Torres, responsável pela relação do PÚBLICO com as redes sociais.
Sem me pronunciar, neste momento, sobre as normas criadas para pôr em prática o sistema de “reputação” associado à participação dos leitores na moderação dos comentários — uma opção que só o tempo permitirá avaliar melhor —, constato que este novo passo apresenta já bons resultados para o interesse e a qualidade do debate das notícias, tornando também mais raros os cansativos comentários “fora do tópico”, sem afectar a participação dos leitores e tornando quase residuais as queixas dirigidas ao sistema de moderação. Tudo indica que o PÚBLICO está a fazer, neste domínio, um bom caminho.
Por mim, continuo no entanto a criticar, por razões de princípio que aqui exprimi por várias vezes, a aceitação de comentários anónimos — que são ainda, aliás, a maioria dos que são publicados. Registo porém com agrado que também esse debate está agora em curso no PÚBLICO, como decorre das respostas de Simone Duarte e Hugo Torres, e espero que ele venha a concluir por uma noção de responsabilidade editorial e cívica que ponha fim, no que a este jornal diz respeito, à publicação de opiniões a coberto do anonimato.
José Queirós
Perguntas e respostas sobre o novo sistema de moderação dos comentários às notícias on line:
Pergunta — Que balanço fazem dos cerca de três meses passados sobre a entrada em vigor do novo sistema de moderação e publicação de comentários às notícias publicadas na edição on line? Têm dados que permitam avaliar o grau de satisfação dos leitores com o novo sistema?
Resposta — Acreditamos que os leitores gostaram da mudança e que se estão – ainda – a adaptar bem ao novo sistema. O conceito de registo, tal como existe agora, é novo no PÚBLICO. O modelo de reputação nos comentários, também. Apesar de continuarmos a receber críticas através dos comentários ao próprio sistema de comentário, acusando-nos tanto de censura como de sermos demasiado permissivos, a verdade é que o número destas críticas diminuiu substancialmente nos meses mais recentes. É cada vez mais raro recebermos queixas por os comentários demorarem demasiado a serem moderados.
Não existem dados objectivos para avaliar o grau de satisfação dos leitores. Nem recebemos elogios directos ao novo modelo (excepto nos primeiros dias, quando alguns leitores se dirigiram a nós com aplausos, dúvidas, sugestões e críticas). No entanto, a ostensiva queda do número de críticas, em relação ao passado, permite-nos concluir que os leitores estão mais satisfeitos, e o aumento da sua participação também. A participação de jornalistas nas caixas de comentários e o destaque de comentários na homepage e nas páginas de secção também têm sido importantes neste processo, que pretende que os leitores se sintam valorizados.
P. — A mudança traduziu-se em aumento ou diminuição do número de comentários publicados? Existem dados que permitam retratar essa evolução?
R. — O número de comentários aumentou. Em Dezembro de 2011, o PÚBLICO registou 23.170 comentários. Um ano depois, em Dezembro de 2012, 26.731 – o que significa uma subida de 15,4%. Comparando os meses de Janeiro de 2012 e de 2013 (períodos homólogos), vê-se um aumento no número de comentários de 26.809 para 35.289 – isto é, um crescimento de 31,6%. Este último valor supera o crescimento do PÚBLICO Online em pageviews (30%) e visitas únicas (15%) entre os mesmos meses, Janeiro de 2012 e de 2013.
Como só estamos a comparar um mês do ano, convém ter em conta um certo grau de aleatoriedade, interno e externo. O primeiro obriga-nos a rever as notícias publicadas neste mês, tanto num ano como noutro, para avaliar se houve um maior número de notícias mais apetecíveis aos olhos dos nossos comentaristas ou mesmo um qualquer fenómeno mediático que esteja a afectar substancialmente a métrica. O segundo, externo, tem que ver com a vulgarização do acto de comentar nos sites noticiosos online: se o hábito estiver a diminuir, significa que o PÚBLICO está a contrariar a tendência; se estiver a aumentar, seria preciso contabilizar a taxa de crescimento global com a do PÚBLICO.
P. — Manteve-se uma task-force específica para a gestão/moderação de comentários? Em caso afirmativo, com que funções e com que tipo de critérios para a sua composição?
R. — A equipa de moderadores mudou. Como pretendemos criar uma relação mais próxima e directa com os leitores, optámos por chamar os jornalistas para desempenhar esse papel. O jornalista Hugo Torres responsável pela relação com a comunidade (redes sociais), é que quem gere a moderação de comentários, que é feita em conjunto com a restante redacção, em particular com os editores do Online. Os restantes jornalistas estão a ser incentivados a moderar os comentários nas suas próprias peças, para entrarem em contacto em primeira mão com sugestões e críticas que nos chegam por essa via, quer sejam publicadas ou não. Este modelo permite uma resposta mais rápida aos leitores – acrescentando, corrigindo, tratando de novos ângulos – e conhecer melhor o nosso público. Ainda precisamos de mais adesão por parte dos jornalistas mas acreditamos estar no caminho certo.
P. — Que balanço fazem da anunciada participação dos leitores na moderação de comentários em função da reputação? Tem atraído a participação de um número significativo de leitores?
R. — Os leitores estão a começar a participar na moderação, algo que está a acontecer de forma lenta mas progressiva – tal como tínhamos previsto. Estes primeiros meses serviram para os nossos leitores se registarem, participarem – escrevendo comentários, participando em inquéritos – e, assim, acumularem pontos, reputação. Serviram e continuam a servir. Temos milhares de leitores registados, e, para já, uma pequena parcela está a moderar comentários. Isto, como vimos, não significa que a participação seja diminuta (está a aumentar), mas que passar de um nível de reputação para o seguinte exige uma participação continuada e de boa qualidade. Requisitos que, como esperado, exigem tempo.
Apesar de tudo isto, acreditamos que muitos ainda não perceberam que têm que se registar para que os seus comentários sejam assinados e estamos a trabalhar em soluções gráficas que recordem aos leitores de reputação superior que podem participar na moderação de comentários e, nos inquéritos, de argumentos (já fizemos pelo menos uma desde o lançamento do site para facilitar a visualização da lista de critérios e a explicação de como o sistema funciona).
P. — Continuam a chegar-me queixas sobre comentários rejeitados (e que geralmente não posso avaliar por desconhecer os textos), mas bastante menos do que anteriormente. Do mesmo modo, continuam a chegar-me, mas também menos do que antes, queixas sobre comentários publicados que alegadamente infringem — em alguns casos infringem sem sombra de dúvida — as regras anunciadas. Que motivos pensam que estarão a pesar nessa diminuição de reclamações?
R. — É mais evidente para os leitores que existe entre eles, enquanto utilizadores do site, uma hierarquia. As componentes gráficas que introduzimos para diferenciar os leitores registados por nível de reputação (adquirida com participação continuada e de boa qualidade, isto é, de acordo com os critérios de publicação) e para identificar claramente os leitores anónimos levaram mais leitores a perceber que existem regras para comentar. Pelo menos, é nisso que acreditamos. Mas também sabemos que grande parte de comentários rejeitados o são por vezes porque os leitores não leram os critérios (critérios que sempre existiram no PÚBLICO, como não utilizar letras maiúsculas ou não acrescentar links) – ou seja, são rejeições que nada têm a ver com o conteúdo, mas com a falta de conhecimento das regras. Daí também as mudanças que estamos a introduzir e introduzimos para tornar a lista de critérios cada vez mais visível.
P. — Podem explicar por que é que entenderam manter a possibilidade de comentar sob anonimato? Como comentam o facto de (conforme sugere a consulta às caixas de comentários nos últimos tempos) os comentários anónimos surgirem agora em esmagadora maioria?
R. — O peso dos comentários anónimos em relação aos comentários de leitores registados tem diminuído. Em Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012, os comentários anónimos representavam, respectivamente, 91,4% e 91,3% do total. Um ano depois, em Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013, esses valores caíram ligeira e respectivamente para 90,9% e 88,7%. O peso real deve ser ainda inferior, uma vez que esta contabilidade é feita com o universo de comentários submetidos, ou seja, antes de serem sujeitos a moderação; como o número de comentários anónimos rejeitados é substancialmente superior ao de comentários de leitores registados, que por norma são aprovados, estes valores devem cair ainda um pouco mais.
A decisão de possibilitar o anonimato não é definitiva. Está, aliás, em análise. Nos nossos critérios de publicação dizemos: “O PÚBLICO considera a possibilidade de camuflar a identidade do autor de um comentário como um direito dos leitores e uma necessidade para garantir a livre expressão de todas as opiniões em casos sensíveis”. É o argumento que mais pesa na decisão de permitir, no modelo actual, o anonimato.
Mas também dizemos: “Sempre que essa necessidade não exista, o PÚBLICO recomenda aos seus leitores que assinem os comentários com a sua verdadeira identidade”. E ainda: “A identificação dos autores dos comentários deve ser a regra e o anonimato deve ser a excepção.” Como este último critério claramente não se verifica, e o anterior é violado frequentemente, estamos a questionar-nos se de facto devemos rever esta decisão, permitindo apenas comentários de leitores registados e deixando as denúncias anónimas para espaços mais reservados como o correio (electrónico ou analógico).
Uma acção desse tipo estreitaria a relação dos leitores com os critérios de publicação, uma vez que implicaria uma utilização mais comprometida dos leitores. O que falta pesar, finalmente, é se o que se perde em liberdade de acção dos leitores não se ganha com a redução – que achamos seria significativa – dos abusos reiterados dessa liberdade. Para já, optámos por uma distinção gráfica clara entre registados e anónimos, para que estes últimos se sintam compelidos a ganhar “personalidade”.
Mas antes de considerar esta opção, vamos ver o resultado de algumas mudanças gráficas que vamos introduzir na caixa de comentários.
P. — A nova funcionalidade destinada a apontar erros nas notícias apresenta um grau de utilização razoável? É possível quantificar os erros que tenham sido corrigidos através dessa forma de participação dos leitores?
R. — Não existem dados que nos permitam dizer exactamente quantas vezes essa ferramenta foi utilizada. Mas temos recebido muito pouco feedback através dessa funcionalidade. Os leitores têm-se socorrido das caixas de comentários e das redes sociais para sugerir correcções. O que nos permite responder-lhes directamente, muitas vezes pelo jornalista que assina a peça, e à vista de todos, aumentando a transparência do processo e fazendo com que o leitor não se sinta a enviar mensagens para uma redacção sem rosto. Acreditamos na relação com o leitor e o nosso objectivo de querer ser o jornal que melhor relação tem com o leitor é uma prioridade. O novo sistema de comentários é uma parte fulcral nesta relação.
21 de Fevereiro de 2013
Simone Duarte e Hugo Torres